Pai Nosso (Pão - Hoje - Perdoar) Parte III

Anne Bancroft como Maria Madalena em Jesus de Nazaré

Pão
O pão visto como uma dádiva de Deus não é aquela massa fermentada que tão bem conhecemos, e sim fonte de boa vontade e energia para realizá-la. É um meio de subsistência tão essencial que a falta desse pão significa a falta de tudo (deixei de dentes limpos em todas as vossas cidades e com falta de pão em todos os vossos lugares. Am 4,6), por isso, na oração Jesus ensina aos seus discípulos a pedir somente o pão, porque este resume e reúne todos os dons que nos são necessários, e mais ainda, o sinal do maior dos dons
 (tomou Jesus um pão e, após haver dado graças, o partiu e deu aos seus discípulos, dizendo: Toma e comei, isto é o meu corpo. Mc 14,22).


Pão de cada dia
No cotidiano a Bíblia define o clima uma situação comparando-a ao sabor que ela confere ao pão. Aquele que sofre e se sente abandonado por Deus, come o pão de lágrimas, de angustia ou de cinzas (Embora o Senhor vos dê pão de angústia e água de aflição, contudo, não se esconderão mais os teus mestres. Is 30,20), e quem faz a vontade de Deus come o pão com alegria (Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe gostosamente o teu vinho, pois Deus já que de antemão se agrada das tuas obras. Ec 9,7). Do pecador se diz que come o pão de impiedade e de mentira, o preguiçoso come o pão da ociosidade.
Por outro lado, o pão não é um item de satisfação pessoal, ele se destina a ser partilhado, pois toda a refeição em que o pão está presente supõe uma reunião e também uma comunhão. Para os semitas, o dever da hospitalidade era sagrado, o que faz com que o pão de uma família seja também o pão do forasteiro, porque este fora enviado por Deus.
A partir da experiência amarga do exílio, o povo descobre a necessidade de partilhar o próprio pão (generoso será abençoado, porque dá do seu pão ao pobre. Pv 22,9). Quando Paulo recomenda aos coríntios fazer uma coleta em favor dos santos, lembra-lhes que todo dom vem de Deus, a começar pelo pão. Na igreja, a fração do pão é parte do rito eucarístico e representa o pão que é partido em favor de todos, o Corpo do Senhor se torna a própria fonte de unidade da Igreja (Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam o pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração. At 2,46).

Pão, dom de Deus
O pão, dom de Deus, é um sinal da sua bênção (porém jamais vi o justo desamparado, nem a sua descen­dência a mendigar o pão. Sl 37,25). O homem deve pedir com humildade e esperar com confiança por que os relatos bíblicos contam que, aqueles que assim procederam, comeram pão com abundância (e quando estavam saciados. Jo 6,12).

Pão da palavra
Com o intuito de comparar a necessidade de alimento com a necessidade de se conhecer a Palavra de Deus, os profetas equivaleram a falta que ambos fazem (enviarei fome sobre a terra, não de pão, nem sede de água, mas de ouvir as palavras do Senhor. Am 8,11). Para Jesus, o pão também possui este sentido, devemos nos saciar todos os dias tanto do alimento que perece quanto do que não perece. No evangelho de João, Jesus afirma ser ele o pão verdadeiro, do qual, aquele que crer, não terá jamais fome. Numa escala de valores do Reino ele coloca o pão da Palavra acima do pão alimento, quando diz que o homem pode viver sem pão, mas que não pode viver sem a Palavra de Deus (Também está escrito, não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus. Lc 4,4), como também nos ensina a buscar o Deus de todas as coisas, não somente o Deus do pão.


HOJE
A consideração sobre o tempo que os judeus primitivos tinham não era como a dos outros povos que a baseavam na cultura agrícola. O tempo para os seus vizinhos consistia simplesmente de uma sucessão de estações, mas para o judeu era o lugar onde acontecia a inédita e inimitável ação divina, que em nada se assemelhava com a monotonia da natureza (Este é o dia que o Senhor fez; regozijemo-nos e alegremo-nos nele Sl 118,24). Sua percepção do tempo lhes permitia esperar promessas e acontecimentos impensados para qualquer civilização contemporânea, como por exemplo, o futuro (Enquanto durar a terra, não deixará de haver sementeira e ceifa, frio e calor, verão e inverno, dia e noite. Gn 8,22).

Hoje na Bíblia
Nos escritos sacerdotais, por volta de 600 a.C., encontramos uma noção de tempo refletida e diferenciada. Já existe o interesse por datas cronológicas e por espaços de tempo definidos. Para eles é importante que o tempo que Israel viveu no Egito foram exatos 430 anos (Aconteceu que, ao cabo dos quatrocentos e trinta anos, nesse mesmo dia, todas as hostes do Senhor saíram da terra do Egito Ex 12,41), e que também exatos três meses após a sua saída, chegaram ao Sinai (No terceiro mês da saída dos filhos de Israel do Egito, no mesmo dia vieram ao deserto do Sinai. Ex 9,1). Mas é no Eclesiastes que o problema do tempo se torna determinante. Cada hora e cada dia já não significam espaços de tempos vazios, mas são as ocasiões reservadas para acontecimentos específicos (Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu. Ec 3,1). Este é um conceito que faz o homem ver os seus próprios limites e encarar os tempos e oportunidades de maneira diferenciada, porque é consciente de que não pode conseguir tudo ao mesmo tempo e, por isso, não deve se comportar sempre da mesma forma. Não é o homem que fixa os tempos, eles simplesmente vem a ele, sem que ele possa interferir. Cabe-lhe apenas aceitar de Deus as suas dispensações (No dia da prosperidade, goza do bem; mas, no dia da adversidade, considera em que Deus fez tanto este como aquele.  Ec 7,14.).

Hoje na História
O hoje de Deus não é igual ao ontem, e nem é como será o amanhã. O hoje de Deus é um tempo único e não se repete de forma igual. É o tempo da oportunidade, é o tempo para o qual se deve estar sempre preparado (Se hoje ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração. Sl 95,7). Contudo, mesmo este tempo tão absoluto em si, não é senhor do homem (E acrescentou: o sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado. Lc 2,27). É apenas um simplório servo de Deus (Porque o Filho do Homem até do sábado é Senhor. Mt 12,8). Por estas razões, o homem deve se lançar no tempo confiante em Deus, esperando dele, e não das circunstâncias o seu sustento. Avançar no tempo sem temer o futuro e sem desprezar o passado. Antigamente, quando os filhos dos judeus perguntavam aos seus pais quem era Deus, eles apenas diziam: Olhem no passado, quem éramos nós? Escravos no Egito, e quem somos hoje, pessoas dignas e livres, porque o Senhor nos tirou de lá com mão poderosa e braço estendido, com espanto, com sinais e com milagres (Dt 26, 7-8).
Quando se ora a Deus "dá-nos o pão de hoje", deve-se sempre ter em mente quem é ele quem nos tem sustentado e em quem temos crido.

perdoar
A palavra que é traduzida por dívida, falta ou por ofensa não é outra senão a antiga e conhecida palavra pecado. A oração é dita mais ou menos assim: Perdoa o nosso pecado contra ti e perdoa o nosso pecado contra o nosso próximo. Porque se o pecado não fere a Deus em si mesmo, aumenta ainda mais o abismo que nos separa dele (Mas as vossas iniquidades fazem sepa­ração entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que vos não ouça. Is 59,2), fere aquele a quem Deus ama (O que só prevalece é perjurar, mentir, matar, furtar e adulterar, e há arrombamentos e homicídios sobre homicídios. Os 4,2). É difícil não fazer esta associação: pecado contra Deus é sempre pecado contra o próximo, e o pecado contra o próximo é sempre pecado contra Deus (desprezaste a palavra do Senhor, fazendo o que era mal perante ele? A Urias, o heteu, feriste à espada; e a sua mulher tomaste por mulher. II Sm12,9).

Perdão é oportunidade
O efeito do pecado consiste na recusa do amor que Deus generosamente quer nos dispensar. Esta recusa se dá quando rejeitamos viver neste amor ou quando achamos que ele é desnecessário. E é claro, não será tirado, apagado ou perdoado se o pecador não aceitar amar de novo e ser aceito novamente por Deus (Converte-nos a ti, Senhor, e seremos convertidos; renova os nossos dias como dantes. Lm 5,21). Quando se implora o perdão a intenção oculta é: Quero voltar, eu quero ter uma nova chance.

Perdão na História da Salvação
Falando em termos de estrutura, esta petição é um reflexo fiel da história da salvação, que nada mais é do que a história das incansáveis vezes que o Deus criador quis arrancar o homem do seu pecado (Jerusalém, Jerusalém, que mata os seus profetas e apedreja os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir teus filhos, como a galinha que junta os seus pintinhos debaixo de suas asas, e vós não o quisestes! Mt 23,37). E com Jesus não seria diferente, pois o Servo veio para livrar o homem do pecado (Todavia, ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado, Is 53,10).

Causa e efeito
Para livrar o homem do seu pecado Deus simplesmente o chama para si. É um encontro em meio à separação em que se encontra o homem. Como nenhuma outra, a parábola do Filho Pródigo mostra a extensão deste perdão de Deus. O filho, que além da desobediência ao ensino recebido, ofende o pai de várias maneiras: privando-o de exercer o seu amor de pai eficazmente, ignorando a sua autoridade, exigindo a sua parte na herança e, consequentemente, ignorando a presença viva do pai; atitudes que só seriam cabíveis após a sua morte. E este filho, que sem perspectiva alguma de sobrevivência e desprovido de qualquer dignidade humana, é acolhido ainda que em um confuso processo de arrependimento, é recebido com honra de quem é ansiosamente esperado e, sobretudo, com alegria por quem definitivamente se esqueceu das ofensas recebidas.

Quando Jesus nos ensina a pedir o perdão, porque mesmo sabendo que previamente o seu Pai já nos perdoou (Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo. I  Jo 2,1), ele conhece a nossa vital necessidade de nos sentirmos perdoados e novamente aceitos, pois é justamente aí que entra a contrapartida. Somente aquele que experimenta a certeza de que seu pecado foi perdoado reúne as verdadeiras condições para perdoar (Zaqueu se levantou e disse ao Senhor: Senhor, resolvo dar aos pobres a metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, restituo quatro vezes mais. Lc 19,8). O perdão incondicional à ofensa do próximo somente se dá, quando sentimos que, ainda que não mereçamos, somos incondicionalmente aceitos

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