Magia x Milagre

Na ansiosa busca pelodivino, é através dos milagres que podemos avaliar quais pessoas foram maisforam próximas de Deus na Bíblia. Embora não se encontre nas Escrituras nenhumareferência à palavra milagre, pelo menos da maneira como a entendemos hoje, tambémnão se pode encontrar nestas páginas nenhum compromisso firmado da parte deDeus no tocante a realizar ou não estes feitos extraordinários. Wesley em seusermão “A Vida no Deserto” é taxativo: Deus, na sua infinita soberania,pode fazer tudo o que quer, mas nós não temos razão nenhuma para esperar queele o faça.
Entre os ultimatoscontidos na Bíblia, um dos mais severos é: somente Deus pode realizar milagres.São de sua exclusiva competência o como e o quando realizar. Os milagresacontecem em apoio à sua Palavra, que tem por finalidade última o plano desalvação. Mas ainda que cercado por toda uma atmosfera de onipotência, até omilagre está subjugado à Palavra de Deus. Quandoprofeta ou sonhador se levantar no meio de ti e te anunciar um sinal ouprodígio, e suceder o tal sinal ou prodígio de que te houver falado, e disser:Vamos após outros deuses, que não conheceste, e sirvamo-los, não ouvirás aspalavras desse profeta ou sonhador; porquanto o SENHOR, vosso Deus, vos prova,para saber se amais o SENHOR, vosso Deus, de todo o vosso coração e de toda avossa alma. (DDT 13,1-3).
Além da predisposição da Bíblia em subjugar os milagres, ela faz umaclara distinção entre o feito exclusivo de Deus e as tentativas humanas deimitá-lo. Todos os povos da antiguidade tinham magos, adivinhos, necromantes,encantadores, prognosticadores, feiticeiros etc. Em Israel só era permitidoexistir profetas: homens e mulheres, que, embora estivessem a serviço de Deus,não possuíam poder sobrenatural algum, e estavam sempre sujeitos às represáliasde todos os que se sentiam indignados com a veemência de suas palavras. Reaçãobem diferente do temor que os magos infligiam à população pagã. Fica paraIsrael o seguinte desafio: aguardar pacientemente por um raríssimo milagre deDeus, ou seguir os encantamentos e magias que, entre os povos vizinhos, haviaem profusão. Mas algumas perguntas se tornaram pertinentes:
Por que os milagres não acontecem mais hoje em dia? 
E quando acontecem, porque que não possuem igual magnitude?
Por que a mente tecnológica do século XXI está sempre propensa a buscarna magia, ainda que de forma efêmera, a essência do milagre?
Indo ao encontro de mais questionamentos do que respostas, passemos erefletir sobre a cabal diferença entre estes dois apelos da natureza humana:magia e milagre.

Ex 7,8-12 – as pragas do Êxodo
De saída, uma diferença destaca-se como fundamental. O que os magosfazem pode ser repetido, o que os magos fazem pode ser explicado. O que Deusfaz não tem paralelos. A magia não pode concorrer em nenhum grau com o milagre,mas pode ser uma rival perigosa. Se não chove o povo recorre a magia. Se chovermuito o povo também recorre a magia. Contudo, os milagres acontecem paradesafiar a magia. 
Exemplo: quando Deus mandou as 10 pragas, não visava atingir o povo, masFaraó e seus deuses: Osiris – deus do Nilo; Ged – deus da Terra; Apis – o deustouro; Rah – o deus sol; Faraó – o deus na terra; seu primogênito, tambémconsiderado como um Deus.
O que Deus quer revelar com o envio das pragas é que toda a religiãoegípcia é embuste, é mentira. Existe algo acima. Embora haja por parte daciência moderna a tentativa de se explicar cada um dos milagres do Êxodo,ninguém explica o milagre maior: como um povo inteiro pode se libertar da maiorpotência mundial da época sem desembainhar uma espada sequer. Neste caso, a razãodos milagres foi a libertação, Deus não levou em conta os merecimentos, Deusouviu os lamentos. Os milagres são frutos da sua misericórdia. Os milagres são,como tal, somente do ponto de vista humano. Para Deus tanto o natural quanto osobrenatural são a mesma coisa, tanto o ordinário como o extraordinário estãosob o seu controle.

Números 20,2-12. As águas de Meribá
Vamos analisar este texto na ordem inversa. Por que Moisés foi punidopor este dado específico quando já havia demonstrado tanta insubordinação. Aordem clara de Deus era pra que Moisés ordenasse a rocha para que esta vertesseágua. O intuito claro era remeter a Deus o milagre, uma vez que a Palavra deDeus estava na boca de Moisés: para me santificares, diz ele. Mas Moisésclaramente está querendo se anunciar como milagreiro, e, numa atitudenotoriamente exibicionista, bate com a sua vara na pedra, chamando para si aautoria do milagre. Essa manifestação é contrária ao atributo exclusivo deDeus: somente ele faz milagres. O milagre aconteceu, mas a disposição de Moisésem rivalizar-se com Deus como milagreiro, foi punida.
Quando vemos a mudança do enfoque do divino para o humano temos que tercuidado. Deus teve declarada preferência por alguns personagens bíblicos: eleera completamente apaixonado por Abraão, por Moisés e por Davi. Mas quandoanalisamos a história deste homens, vemos o quanto eles eram maus. Abraãodeixou uma mulher e uma criança no deserto para morrer de sede, Moisésassassinou indiscriminadamente mulheres e crianças. Davi, então, não existecanalha maior na Bíblia. A Bíblia fala destes homens sem omitir as suasmazelas. E ainda assim, Deus fez o que fez através de pessoas como estas.Realizou seus milagres não por elas, não por suas virtudes, mas apesar delas.
Quando ouvirem alguém muito evidenciado dentro do evangelho, lembrem-sedas águas de Meribá. Lembrem-se que somos apenas canais das bênçãos de Deus, eque somos beneficiados com os seus milagres, sem termos nenhuma participaçãoneles. Para que eles aconteçam, Deus não precisa de nada ou de ninguém, nemmesmo desses canais, ou de canal algum. Devemos ter sempre em mente as palavrasde João Batista, que quando foi confundido com Jesus, disse somente: importaque ele cresça e eu diminua.
Quando vejo os tele-evangelistas tomarem o lugar de Jesus como centrodas atenções, só posso esperar algo terrível da parte deles. O delito maior jáfoi cometido, o escândalo que se segue, é uma questão de dias. 

I Sm 28,3-19 – a feitiçaria de En-dor
Este é um caso muito particular no qual temos que ter bastante critérioao analisar. Principalmente porque ele é único, e onde a Bíblia é lacônica, nãodevemos nos aprofundar. O que fica patente é que Saul, temendo pela sua sorte,tenta mudá-la a qualquer custo, desta feita, com uso da magia. Quando consultoua necromante, não estava querendo saber o seu futuro, ele estava ciente do queacontece aos que usam da autoridade para benefício próprio, ainda mais quandoessa autoridade é respaldada pela bênção de Deus. Ele tenta um último esforçopara salvar seu reinado, e mais uma vez desobedece a Deus.
Mas existe aí um fato inusitado. A necromante invoca a presença deSamuel, e quando este responde ao seu chamado ela grita de pavor. Uma pessoatão acostumada com a magia, não deveria se assustar com a invocação dos mortos.Mas o que aconteceu ali é algo que nunca vira antes: ela presenciou claramenteum milagre. Deus agiu através daquela mulher e, em um caso único em toda aBíblia, fez um morto falar. Por esta intervenção divina, Saul descobriu que a sualuta não é contra os filisteus, e sim contra Deus. Contra o exército inimigo, asua desesperada rebeldia talvez funcionasse, mas contra Deus era completamenteinócua. A mensagem deste pequeno e enigmático texto é simples: não se metam comestas coisas, porque quem se meteu, se deu mal.
Não existe na Bíblia uma prevenção maior do que a que Deus tem contra amagia (Dt 18,9-12). Eu acho que ela não pode ser mais clara. Ela não condenaapenas as magias portentosas e as mais sinistras, como a consulta aos mortos.Ela condena a nossa falta de fé, ela condena a nossa ansiedade quanto aofuturo. Por outro lado, estamos sempre querendo realizar coisas que Jesus sófez depois de ressurreto, a assim recorremos a esta terrível abominação, nãoconfiar em Deus e sim na magia. A narrativa da bruxa de En-dor é composta pormilagre e magia. Saul recorreu à intervenção de Deus, mas não pelosprocedimentos permitidos, mas pela magia. Milagre porque mesmo sem tentarelucidar o fato, talvez por ser uma prática proibida, Deus agiu de antemão.
  
I Reis 18,20-39 – Elias no monte Carmelo
Assim como nos outros três casos, este é mais um onde o povo de Israelcorre risco de se extinguir como povo. Israel é governado por Acab, que temcomo esposa uma filistéia por nome Gezabel, talvez a figura mais odiada do AT.Ela, seguindo a tradição de seu país, é adoradora de Baal, e traz consigo seusprofetas. Esta aparentemente lucrativa aliança com os filisteus, coloca Israelem grande perigo. Desta vez não pela opressão, pela sede ou pela guerra, maspela fé. Neste clima, aparece um profeta de Deus que vai deflagrar um golpeduro aos magos e aos seus deuses.
Elias convoca o povo para assistir uma disputa inimaginável entre magiae milagre. Entre Baal e Deus. De um lado temos os 450 profetas de Baal, contraeles um único homem, o profeta de Deus, Elias. A intrepidez dos homens de Deusna História é coisa de assombrar até os super heróis das história emquadrinhos. Neste caso a realidade supera em muito a ficção. Elias não somenteestava só contra 450 adversários, ou mais; não somente jogou água no altar paradificultar a ação de Deus; não somente fez extinguir qualquer possibilidade deum fenômeno espontâneo, mas fez o que fez no QG do paganismo: no Monte Horeb.Lá, no extremo oposto à Terra Prometida, Elias convoca o povo para uma questãocrucial: de agora em diante, a quem seguireis? Assim, tentaresolver de vez esta questão, justamente no lugar onde Baal seria deus, teriatotal autoridade, ou teria mais poder.
São erigidos dois altares, e será aclamado como Deus aquele que consumircom fogo o seu altar. É sabido que os filisteus conheciam o fenômeno dacombustão espontânea, e já o usavam como truque de magia. Então, para osprofetas de Baal era uma disputa ganha. Elias não somente joga pelas regras doadversário, no campo do adversário e o juiz, Jezabel, é também do adversário.
Vendo a angústia dos 450 homens de Baal, Elias não hesita em zombardeles e expô-los ao ridículo. E o mais curioso de tudo, eles obedecem a Eliasfazendo o que ele sugere. Elias, por fim, consuma a disputa com uma simplesoração. O fogo dos céus consume o holocausto, a lenha, a água, o altar e até osprofetas de Baal. Depois deste grande milagre, desta inequívoca supremacia domilagre sobre a magia, o povo diz: o Senhor é Deus. Mais uma vez ummilagre tem proporções históricas. Mais uma vez o milagre desafia e aniquila a magia. Mais uma vez Deus supera a expectativa humana.
Mas ainda ficou no ar a pergunta: por que não acontecem estes grandesmilagres hoje? Os milagres existem para nos ensinar a caminhar. Uma vez de pé,já temos capacidade de caminhar por nós mesmo, e da mesma forma desafiar amagia que se opõe à vontade de Deus. O êxodo, as águas de Meribá, a bruxa deEn-dor e o Monte Carmelo vão simbolizar para sempre a ponte que existe entreluz e trevas; entre a fé no Deus verdadeiro e nos falsos deuses; entre omilagre e a magia. Uma ponte que sob hipótese alguma devemos atravessar.





  • Digg
  • Del.icio.us
  • StumbleUpon
  • Reddit
  • RSS

0 comentários:

Postar um comentário