“Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos...” IICo 6.14
No texto do Levítico a preocupação era com os animais que estavam a serviço do homem. O preceito tinha por finalidade coibir o uso de parelhas de animais de espécies diferentes, onde o mais forte pudesse oprimir ou mesmo matar o mais fraco. Já no seu texto, Paulo resgata este estatuto para aplicá-lo às relações humanas, principalmente entre os membros das igrejas por ele assistidas e o povo pagão.
Como argumento, usa a incompatibilidade das relações do mundo natural, em contraste com as do mundo sobrenatural, que deveriam servir de exemplo.
Como argumento, usa a incompatibilidade das relações do mundo natural, em contraste com as do mundo sobrenatural, que deveriam servir de exemplo.
Justiça x Impiedade
Luz x Trevas
Cristo x Beliar (O Anti-Cristo)
Fiel x Incrédulo
Deus x Ídolos.
Paulo quer deixar claro o seu repúdio ao avanço de práticas e doutrinas pagãs no seio da igreja, mostrando que relações diferentes, neste nível, sufocariam a neófita igreja, o que levaria o rompimento com o seu fundador, ele, Paulo. Convém ressaltar que a prescrição não proíbe o contato dos cristãos com os pagãos, e sim de formar um relacionamento parelho, que possa assim configurar o jugo desigual. O preceito emprestado do Levítico previne contra parelhas que são formadas a partir de elementos de potencialidades diferentes, fato que inevitavelmente é prejudicial ao mais fraco.
Mas, como acontece com a maioria dos textos bíblicos, cada um faz a leitura que lhe convém, reduzindo a abrangência da mensagem a casuísmos mesquinhos. Assim como aqueles detectam o jugo desigual na união conjugal de jovens cristãos, principalmente moças, com pessoas das demais religiões. Alguns chegam a afirmar que o cristão que se casa com um não cristão, leva o próprio diabo para dentro de casa. Uma afirmação por demais infeliz, jamais sugerida ou sequer pensada pelo apóstolo. Suas igrejas eram basicamente compostas por pessoas cujas famílias permaneciam nas suas crenças de origem. Era muito raro encontrar uma família cujos membros era todos cristãos. Paulo não seria inconsequente a ponto de causar tamanha desestabilização familiar. No que diz respeito a este fato, bem frequente na igreja de Corinto, ele faz uma recomendação bastante contrária: “se um homem cristão é casado com uma mulher que não é cristã, e esta consente em continuar vivendo com ele, - ou vice-versa - que ele não se divorcie dela” (ICo 7,12-13). Paulo via com bons olhos esta união, desde que consentida por ambos, porque o cônjuge cristão se tornaria o canal de bênçãos, não somente para o não cristão, como para todo o lar, inclusive os filhos.
Ainda há aqueles que detectam jugo desigual até nas relações que igrejas evangélicas mantêm com outras denominações cristãs, mais especificamente, com a Igreja Católica Romana. Para estes, o estatuto divino aplica-se a diretamente ao Ecumenismo, pois na possibilidade de estreitamento entre igrejas cristãs, reside o total descumprimento de uma lei, que inicialmente era aplicada a animais, e, posteriormente com Paulo, visou combater o paganismo dentro da igreja. Bem se sabe que o Ecumenismo propõe um horizonte bem mais abrangente do que o circuito denominacional cristão.
Mas ficam aí as perguntas: Estaria Paulo se referindo a este circuito denominacional da sua época? Seria este o alerta máximo para aqueles que “eram de Paulo” não se aproximassem dos que “eram de Apolo”? Jamais se assentassem à mesa com “os que eram de Jesus”? Estavam terminantemente proibidos de frequentar reuniões em que estivessem presentes os que “eram de Pedro? Parece que não, porque é justamente para esta igreja, Corinto, a advertência de Paulo contra os movimentos internos de ruptura que ameaçavam a unidade da Igreja de Cristo.
Em uma olhada mais atenta podemos perceber que praticamente todas as questões do cristianismo de hoje estão à sombra daquilo que a igreja primitiva tinha de mais destoante. Não há como presumir que os membros das igrejas do primeiro século, não procurassem conviver bem com pessoas não cristãs, e que no conjunto da sociedade que formavam, e que, em comum acordo, da melhor forma possível, não tentassem resolver problemas que eram afetos a todos, cristãos e pagãos. Então, por que motivo somente a igreja doutrinariamente mais fraca e moralmente mais problemática foi alertada? Ainda que houvesse uma velada intenção em Paulo em preservar as igrejas fundadas e pastoreadas por ele, das que tinham orientação judaizante de outro apóstolo, sua preocupação estava focada em um só ponto: preservar a doutrina, ou como ele mesmo chamava, “o primeiro amor”. Nisto ele estava sendo fiel a uma ordem expressa de Jesus, que diante de situação parecida não proibiu a si, nem aos seus discípulos de relacionamentos estreitos com publicanos, prostitutas ou samaritanos. Disse apenas: “acautelai-vos do fermento – da doutrina - dos fariseus”. Paulo não somente conviveu, como também absorveu muito de bom que outros grupos possuíam. Com os bereanos, por exemplo, aprendeu a confrontar qualquer nova doutrina com o ensino das Escrituras.
Podemos concluir que a única preocupação de Paulo no estreitamento de relações entre grupos de cristãos distintos, ou mesmo com outros grupos religiosos, era o zelo pela doutrina. Justamente o que parece ser o que menos importa para nós hoje. Podemos cantar qualquer coisa que contenha a palavra Jesus. Podemos imitar qualquer atitude, mesmo que seja esdrúxula, desde que seja feito em nome do Espírito Santo, ainda que este nunca tenha se manifestado na Bíblia, ou na história da igreja desta forma. Podemos pular, gritar, cair, girar, macaquear o evangelho de todas as formas, porque isso pode vir a ser sinal inequívoco da presença de Deus em nossas vidas. No culto de ação de graças pela experiência de Wesley em 2005, ouvi uma menina que teria no máximo 12 anos dizer do púlpito: Se a sua igreja não tem um ministério de coreografia, ore a Deus, porque deste jeito ela vai muito mal. Naquele momento senti muita pena de Wesley, tentando dançar num túmulo apertado.
Visto que muitos elementos já foram apresentados como candidatos a jugo desigual, eu pessoalmente gostaria de apresentar o meu. Aliás, a palavra candidato vem bem a calhar nesta exposição, porque para mim, não pode haver uma relação onde o jugo venha a ser mais desigual do que esta que a igreja estabeleceu com a política partidária. Não pode haver um risco maior para uma igreja cristã do que dar aval a um partido político ou a sua bênção a um candidato.
Talvez não tenha sido especificamente sob essa ótica que Paulo tivesse advertido a sua igreja, mas o perigo real e imediato de hoje, não provém de uma união conjugal com pessoas de credos diferentes, ou mesmo de reuniões ecumênicas com os católicos. A espada pendente sobre as nossas cabeças chama-se Bancada Evangélica. Vereadores, deputados, governadores e senadores que se elegeram quase que exclusivamente com votos de nossas igrejas. Entendam que para formar parelha com católicos ou islâmicos não implica em rezarmos a Ave Maria ou nos virarmos em oração para Meca. Quando nossos filhos se casam com pessoas de religiões diferentes, o fazem guiados pelo amor, que é o primeiro e o mais válido critério que a Bíblia aponta e o único capaz de vencer qualquer barreira. Situações que em nada se assemelham ao comprometimento com um político.
Quando votamos em um determinado candidato, estamos acreditando na sua integridade. Que ele seja realmente íntegro para votar leis justas para todos, quer nos beneficiem ou não como igreja. A justiça deve ser estabelecida independentemente de quem será atingido, isso se a nossa justiça pretende exceder a dos escribas e fariseus, caso queiramos um lugar no Reino de Deus. Se porventura o político, avalizado pela igreja, subverter o menor preceito com o intuito de beneficiá-la, duas pragas recairão imediatamente ela: a igreja conquistou algo que não lhe faz justiça, no dizer dos profetas, procurou socorro no Egito; a igreja abriu precedente para que o parlamentar agisse desta forma em outros assuntos ilícitos, inevitavelmente, levando-a a reboque como cúmplice.
A despeito de todos os jugos, sejam iguais ou desiguais, temos por mandamento tomar sobre nós o único jugo que nos é válido, o jugo daquele que andou pela Terra fazendo o bem. Daquele que curou o servo do centurião do opressor, que exaltou a perseverança de uma estrangeira, que ficou feliz com o carinho de uma prostituta, mas que aos honrados, chamou de sepulcros caiados. Contra o ranço judaico que punia severamente quem se casasse ou negociasse com estrangeiros, Deus enviou seu Filho, para que também pudesse ser seu o que antes era estranho, ilegal e profano. Para que, através do povo que se chama pelo seu Nome, o seu amor alcançasse o mundo, o mundo para muito além do estreito limite das relações consideradas lícitas pela igreja.
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