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Campo de trigo com corvos de Vincent van Gogh (1853-1890) |
fazer esta oração pela primeira vez, e tentar captar os ecos que esta oração lançou para toda humanidade. Ecos que precisam ser ouvidos e entendidos por mim e por você hoje, segundo o contexto da em nossa época.
Pai Nosso
No judaísmo tardio já se tinha idéia de que Deus era Pai do seu povo nos mesmos moldes da oração de Jesus (Proclamarei o decreto do Senhor: Ele me disse: Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei. Sl 2,7). O que Jesus faz é evidenciar o que se tinha de melhor na concepção da paternidade de Deus. Jesus pensa comunitariamente, e nos manda dizer Pai Nosso, em vez de meu Pai. É a oração da comunidade constituída de pequeninos, aos quais Deus revela seu segredos na medida da necessidade de cada um, e na qual cada um é pessoalmente filho de Deus (... e teu Pai, que vê em secreto, em secreto te recompensará. Mt 6,6). Jesus enxergava muito além do universalismo que o judaísmo pregava, pois este ligava a paternidade à criação, de modo que: se havia um único Deus, e este havia criado tudo, consequentemente todos os homens teriam sido criados por ele e, portanto, todos seriam irmãos. (Não temos todos o mesmo Pai? Não nos criou o mesmo Deus? Ml 2,10). Entendiam que a piedade de Deus se estendia a toda carne, mas somente os justos de Israel poderiam senti-la plenamente em todos os seus efeitos. Somente para eles aplicava-se concretamente a determinação de Dt 8,5 (Sabe, pois, no teu coração, que, como um homem disciplina seu filho, assim te disciplina o Senhor, teu Deus), pois era suposto que a correção de Javé, inspirada em um amor paternal, levava em conta apenas a seleta parcela da criação de possuía capacidade para entendê-lo.
Para Jesus, é a comunidade dos pequeninos que fazem a vontade do Pai (Quem faz a vontade do meu Pai, que está no céu, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe. Mt 12,59) que pode se considerar como o filho a quem o Pai corrige. Este é o novo povo de Deus, o novo Israel, que está aberto a todos, basta aceitar humildemente esta paternidade única, e viver como crianças (A ninguém sobre a terra chameis vosso pai; porque só um é vosso Pai, aquele que está nos céus. Mt 23,7) que oram ao Pai, lhe tem confiança (Portanto, não vos preocupeis com o amanhã, pois o amanhã se ocupará consigo mesmo. A cada dia basta o seu mal. Mt 6,34), a ele se submetem imitando o seu amor universal, sua inclinação para perdoar, sua misericórdia e sua perfeição (Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste. Mt 5,48). Deus nunca é tanto nosso Pai como quando nos ama e nos perdoa. Nós jamais somos tanto seus filhos quando agimos da mesma forma com nossos irmãos.
Céu
O Reino dos Céus é a morada em que Deus reunirá seus eleitos. É o espaço inatingível muito acima de nós. Nada, nem mesmo Babel chegou lá. Contudo, a sua glória infinita é maior ainda que o céu (Nem os céus são puros aos seus olhos. Jó 15,15b). Jesus é a possibilidade única de vermos o céu aberto (Vereis os céus abertos sobre o Filho do homem. Jo 1,51). Embora use uma só palavra para ambos, a Bíblia distingue o céu físico, quando junta céus e terra no contexto de universo, do céu de Deus, o céu que não é a terra.
O céu que é a terra
Para o pensamento cosmológico da época, o céu firmamento fazia parte da terra, constituía-se de uma chapa sólida sustentada por colunas e por fundamentos, provida de reservatórios de chuva, neve, granizo e vento (Você alguma vez visitou os depósitos onde eu guardo a neve e as chuvas de pedra. Jó 38,22), guarnecida por janelas e comportas por onde saem os elementos armazenados e que também serve para fixação dos astros e estrelas.
O céu que não é a terra
Para os judeus contemporâneos de Jesus, o céu impunha ao homem o sentido imediato de impenetrável mistério. Ao homem pertence a terra, o céu, porém, lhe escapa (Os céus são os céus do Senhor, mas a terra, deu-a ele aos filhos dos homens. Sl 115,16). Ninguém subiu ao céu (Quem subiu ao céu e desceu? Pv 30,4a). É preciso ser um louco como o rei de Babel para pensar em subir ao céu e igualar-se ao Altíssimo que está no céu.
O plural (na realidade dual) céus tomou um sentido religioso que passou a ser empregado quando se quer falar do céu de Deus. A palavra céus se tornou tão importante a ponto da expressão Reino dos Céus ser igual a Reino de Deus. Embora distintos, não se estabeleceu como regra que céu designe o céu físico, e que céus, seja a morada de Deus. Como o judaísmo não conhecia dois tipos de céu, um material e outro espiritual, é no céu visível que ele tenta descobrir o mistério de Deus e a sua obra.
O céu morada de Deus
Tu estendes o céu como uma cortina, pões nas águas o vigamento da tua morada, tomas as nuvens por teu carro e voas nas asas do vento. Sl 14 2b,3. Esta e outras fórmulas não são imagens infantis nem hipérboles poéticas. São visões poéticas, mas certamente muito profundas e verdadeiras da realidade do nosso mundo e de um universo inteiramente submisso à soberania e à constante vigilância de Deus. Se ele é um Deus de perto, não é menos Deus de longe (Acaso, sou Deus apenas de perto, diz o Senhor, e não também de longe? Jr 23,23ss), não só porque sua glória enche toda a terra e céu (Alternando-se clamavam: Santo, Santo, Santo, o Senhor Deus dos exércitos, a terra está cheia de sua glória. Is, 6,3), mas também porque nada nesse mundo, ainda que fosse os céus, ou o céu dos céus, seria capaz de contê-lo (A sua glória cobre os céus, e a terra se enche do seu louvor. Hc 3,3b).
O céu como esperança de bênção
Deus é um Deus salvador, logo, em sua casa, ele está com a verdade (Tua Palavra, Senhor, no céu está firme para sempre) Sl 119,89), sua graça e fidelidade e para difundir a salvação. O céu é o símbolo da salvação preparada na terra. Do céu descem a chuva e o orvalho como bênçãos. Israel sempre aguardou por um acontecimento vindo do céu.
Jesus, o céu presente na terra
Jesus fala bastante sobre o céu, mas sempre ligado e dependente de Deus. Veio falar do Reino dos Céus como recompensa de tesouros acumulados, mas tudo isso porque Deus está no céu. Deus é o prêmio, o tesouro e a bênção. Para ele, Deus é a presença paternal, invisível e solícita que envolve o mundo, os pássaros, os justos e injustos com a sua inesgotável bondade (porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos. Mt 5,45). Mas em seu estado natural os homens são cegos para essa presença, para que ela se torne viva e triunfante, para que o venha o Reino dos Céus, Jesus veio falar sobre o que ele viu no céu. Desta reconciliação operada por Jesus os sinais foram dados, os céus se abriram, desceu o Espírito Santo, uma intensa luz. Cristo cumpriu a promessa.
Santificado
A liturgia proclama Deus três vezes como santo, aclama Jesus como único santo (Santo, Santo, Santo, o Senhor Deus dos exércitos, a terra está cheia de sua glória. Is, 6,3b), reconhece o valor dos santos, celebra a semana santa e nos conclama a sermos santos. Diante disso, a santidade parece uma realidade muito complexa. Fala dos mistérios de Deus, mas também do culto à moral. A princípio, parece coisa reservada a Deus, mas é constantemente atribuída a criaturas.
A palavra godês, coisa santa, parece vir de um radical que significa cortar, estripar, separar partes, ou seja, separar, separar o sagrado do profano (Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus. Rm 1,1). A simples aproximação deste mistério, dessa pureza sobrenatural, provoca em nós sentimentos de pavor e de fascínio, porque nos faz conscientes da nossa pequenez. Mas a palavra santo na Bíblia é muito mais, ela não fala somente das reações diante do divino e da separação do profano, ela define santidade na sua própria origem, Deus.
Deus é santo e se mostra santo.
A santidade de Deus é inacessível ao homem (porque eu sou Deus e não homem, o Santo no meio de ti; Os 11,9). Para que este a reconheça, é preciso que Deus se mostre santo, mostrando a sua glória. Essa glória que aparece no Sinai, assustadora em meio a fumaça e fogo, não se confunde com a chamada ira divina, porque se manifesta sempre com a intenção de mostrar amor e perdoar (Não te escolhi porque era o maior dos povos, pelo contrário, eras o menor. Eu te escolhi porque eu te amo. Dt 7,7-8).
No templo Deus aparece a Isaías como um rei. Objeto de um culto que só os serafins podem prestar, aliás, nem eles mesmo são suficientemente santos para contemplar-lhe a face. O livro de Jó diz que nem mesmo os céus ou as criaturas que ele contém são dignos de Deus (Até dos seus santos ele desconfia. Jó 15,15a). No entanto, esse Deus inacessível, preenche a distância que o separa das criaturas. A santidade de Deus não se restringe à separação ou à transcendência, inclui tudo o que Deus tem de riqueza, de vida, de poder e de bondade. É mais que um atributo divino, é a própria característica essencial de Deus. O Hebraico reflete esta convicção quando ignora o adjetivo divino e considera o nome de Deus e a palavra santo sinônimos. (Deus vem de Temã, e do monte Parã vem o Santo.Hc 3,3).
Deus quer ser santificado
Esta frase da oração tem origem nos Mandamentos “Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão”. Mas Jesus a leva ao PLEROMA, à plenitude, à perfeição. Mais do que uma simples ordem de não tomar o nome de Deus em vão, em Jesus a frase vai muito mais além do que a preservação do seu nome. Deus quer que ele seja santificado, glorificado e exaltado entra as nações. Deus quer zelo impoluto e obediência exclusiva no culto que é seu por direito. (porque não adorarás outro deus; pois o nome do Senhor é Zeloso; sim, Deus zeloso é ele; Ex 34,14). Quer ser reconhecido como santo e tratado como único e verdadeiro Deus (porque antes de mim deus nenhum se formou, e depois de mim nenhum deus haverá. Is 43,10). Quer manifestar através de nós a sua santidade. Exige que seu santo nome não seja profanado. Exige uma liturgia bem celebrada porque esta faz brilhar a sua glória. Mas este culto só tem valor se exprime a obediência à sua justiça, fé irrestrita e louvor pessoal ilibado.
Ao longo do tempo, Deus prescreveu normas cultuais pelas quais se mostra santo, mas não reservou para si lugares (Terra Santa, santuários, templos), pessoas (sacerdotes, levitas, primogênitos, nazireus e profetas), objetos (sábados, anos jubilares). Opostamente a isso fez santo aquilo que há muito era profano e imundo (Aquilo que Deus purificou não consideres imundo. At 10,15).
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