Línguas no culto de profecias

ICo 14.1-22
Oque caracteriza um culto cristão? Quais são os elementos básicos e essenciaisque devem obrigatoriamente constar em um culto a Deus? Estas perguntasfatalmente irão desembocar em um litígio doutrinário e denominacional, a menosque sejam formuladas no sentido inverso: O que não é próprio a um cultocristão? Em vez de iniciarmos a extensa lista de impropriedades, vamos tomar umexemplo dentro da nossa tradição, e tentarmos aprender com a experiência daigreja primitiva mais problemática, entre todas, a que prestava o culto maisimpróprio a Deus, a Igreja (Metodista, Presbiteriana, Batista, Pentecostal) deCorinto.
Esteé assunto exposto exaustivamente em ambas as cartas que Paulo escreve a estaigreja, porém, no capítulo quatorze da primeira carta encontramos um resumo completoda problemática  do culto em Corinto,  baseado em dois tópicos apenas: profecia elínguas. Nestes destes dois tópicos estão simbolizados todos os elementos quesão pertinentes e apropriados, e aqueles que, embora aceitos pelo senso comumda igreja, não deveriam estar incluídos nos rituais de culto a Deus.
Para efeito de contextualização, todos sabemos que estaigreja era composta de pelo menos quatro sub-igrejas. Encontramos a igreja dePaulo, que eram aqueles que permaneceram debaixo da autoridade do apóstolo eque, muito provavelmente, são os que fizeram a denuncia da calamitosa situação.Temos o grupo de Apolo, o atual pastor que substituíra Paulo. Temos a igreja dePedro, que eram os que se mantinham fiéis aos costumes judaizantes da Igreja deJerusalém liderada por Tiago e Pedro. E, finalmente, o grupo de Cristo, queninguém sabe ao certo quem eram, e nem que apito que tocavam.
Como se não fosse suficiente, a Igreja de Corinto estavaenvolvida por uma densa nuvem de problemas morais, problemas de consciência,problemas de identidade e problemas judiciais. Irmão estava processando outrono tribunal secular. A igreja dividida e pronta para rachar. Abusos sexuais,bebedeira e glutonaria. Quando comparamos a Igreja de Corinto com as igrejasatuais, e quando nos lembramos que o seu pastor era nada menos que Paulo, aprimeira reação que nos ocorre é de desistir imediatamente. Mas Paulo não fazisso não. Escreve, segundo estudiosos, pelo menos quatro cartas para corrigir asirregularidades e restaurar a unidade da igreja.
O fato curioso é que não marretou sobre um pecadoespecífico, não bateu de frente com nenhum caso problemático em particular enem desfiou o rosário de exortações, como se podia esperar. Falou quase que exclusivamenteda espiritualidade no culto. Paulo detectou que todas as divergências morais,sociais e espirituais estavam intimamente ligadas ao conceito que os de Corintotinham sobre espiritualidade. E é esse conceito que torna a igreja de Corintotão estranha e tão imprópria.
Quandolemos estas cartas, não há como não identificar que o grupo mais visado peloapóstolo era o grupo denominado “os espirituais”. Eles são tão presentes, e ficaramtão famosos que até hoje se fala deles, os “Espirituais de Corinto”. Qualquersemelhança com nome de alguma banda gospel é mera coincidência. Pode-se muitobem notar que por trás de um de problema, lá estavam eles, os “espirituais”.Justamente aqueles que achavam que tinham uma sintonia maior com Deus, que porisso, eram mais espirituais que todos os outros.
Quemeram eles? Que evidência temos da sua existência? O que os tornou tão famosos? Paulodá umas dicas interessantes. Em ICo 3.1 ele fala mais ou menos assim: Eu pensei que vocês eram espirituais, masnão pude falar com vocês como se fala a um espiritual nem antes e nem agora.Em outra ocasião o apóstolo declara que a maioria desse grupo era composta demulheres. Olhem o que ele diz as mulheres de Corinto em ICo 14.36s: é vergonhoso que uma mulher fale naigreja... Porventura, a palavra deDeus partiu de vós? Chegou somente a vós?
Ade se considerar que culto pagão à Diana, predominante em Corinto, era celebradoexclusivamente por sacerdotisas, e que vem daí a autoridade que a mulheres destacidade estavam investidas. Devemos considerar que algumas dessas mulheres foramconvertidas e se tornaram membros ativos daquela igreja. Considerar também, quepor falta de orientação firme, elas naturalmente seriam tentadas a formar umgrupo exclusivo, não aceitando qualquer tipo de ensinamento, não se sujeitandoa qualquer. Sentiam-se, como era próprio sentir-se no paganismo, que estavam diretamentesob a autoridade da divindade, e recebessem de forma sobrenatural toda adoutrina e direção. Para este grupo todo o investimento da igreja resumia-se nabusca desta, assim chamada, espiritualidade. Não se importavam com a educaçãocristã, com a santidade e muito menos com a divisão da igreja.
Nãoseriam estes dois grupos, os de Cristo e os “espirituais", o mesmo grupo? Ambosse julgavam acima das autoridades constituídas da igreja, e não é por meroacaso que eram justamente eles os principais opositores de Paulo. Gente quereivindicava uma relação com Deus tão acima dos demais, que viviam em outromundo. Para eles a realidade era outra, parecia que o Reino de Deus já estavapronto e consumado. No capítulo 4, verso 8, o apóstolo os ironiza dizendo: Vocês já estão reinando! Quem dera eu poderreinar com vocês. Para esse grupo, o dom de línguas era sinal do mais altograu da espiritualidade. Como é que diz receber diretamente de Deus a revelação,poderia estar submisso a um pregador humano? Por que é que quem fala e entende alíngua dos anjos teria que se sujeitar a uma pregação na língua dos homens?Para que as mulheres precisariam usar um véu no culto, uma vez que este era osímbolo de submissão ao marido, se elas já possuíam sobre si a autoridadedivina? É aqui que começa a polêmica entre profecia e línguas. Este é o pontode partida para a corrosiva disputa de autoridade que infestou a igreja deCristo em Corinto.
Paulosem discriminar quem é quem, diz claramente:Profecia é melhor que língua. É melhor que profetizeis do que faleis em língua.É melhor eu falar cinco palavras inteligíveis do que dez mil que ninguémentende. Logicamente que Paulo não está falando desta profecia que anda poraí, cujo objetivo principal é adivinhar ou prognosticar o que vai acontecer navida dos outros. Não está falando dos profetas que dizem: O Senhor me revelou tal coisa assim, assim. Paulo fala que aprofecia é a palavra, que proferida no culto, serve para exortar, consolar eedificar, ou seja, está falando da pregação, do sermão, da ministração daPalavra, como preferirem. A profecia serve para edificação, mas não serve paraadivinhação.
Voltandoao tema, Paulo diz que o dom da profecia é mais próprio ao culto cristão do queo dom de línguas, porque a profecia edifica, consola e exorta a todos, e o domde línguas não faze nada disso. Foi baseado neste conceito que os reformadores,Lutero, Calvino e outros, logo de saída exigiram que os cultos passassem a sercelebrados na língua do povo e não mais em Latim, como era costume. O nossopapa está querendo voltar a este tempo. Ele deve ser um destes que ficammaravilhados no culto quando pessoas falam em linguagem estranha. Para estes,um HALABALA BARACHI era o sinal da espiritualidade plena, e foi estaespiritualidade que passou a ser o centro do culto em Corinto. Era o dommais desejado por alguns membros, porque era o que conferia mais autoridade e maisstatus. Mas Paulo diz que é o contrário, que deve se dar prioridade àquilo queedifica, que consola e que exorta. Fala que depois da adoração a Deus, este é oprincipal objetivo do culto cristão. Alcançar a espiritualidade plena éedificar e ser edificado, exortar e ser exortado, consolar e ser consolado. Então,no entender de Paulo, como a edificação é a meta, as línguas se tornam secundáriasno culto.
Épreciso que se entenda que rotuladas por “dom de línguas” estão listadas umasérie de novidades que foram introduzidas no culto simplesmente porque erabonito, porque era extasiante, porque era moderno e porque o povo gostava. Aíentram coreografias, mantras com repetições intermináveis, momentos de êxtase,cair no Espírito, unção do leão, dominó espiritual etc. E vem Paulo e acaba coma festa: Nada disso edifica, nada dissoconsola e nada disso exorta. Paulo não está dizendo que não é bonito, quenão é bom de se ouvir, nem diz não ser dom de Deus. Mas diz que não éedificante, e se não edifica, não cabe no culto. No culto, os dons de Deus temque se manifestar de forma inteligível. De nada adianta usar no culto um dom queninguém pode entender o significado. Se atrombeta der som incerto, quem esse preparará para a batalha?
Outroponto que Paulo ataca é que, para os coríntios, ser espiritual significava serestranho, bizarro e diferente. Os “Espirituais de Corinto” pensavam que quantomais estranho, mais espiritual. Diziam como se diz hoje que temos que abandonaro intelecto, porque se permanecermos no racional, jamais entenderemos osmistérios de Deus. Mas quem nos deu a capacidade de raciocinar e o dom dainteligência não foi Deus? Então como pode haver dissociação entre avivamento edoutrina, entre revelação e teologia, entre razão e fé? Se queremos serespirituais temos que ter embasamento doutrinário e teológico correto, senãovira misticismo e superstição. O grande diferencial da espiritualidade de Jesusera justamente a sua humanidade. Um ser tão humano quanto Jesus, só podia serdivino. A plenitude do Espírito de Deus em Jesus, se revela na sua humanidade,na sua humildade e na sua submissão ao Pai. Se queremos ser espirituais devemosnos tornar cada vez mais humanos, cada vez mais parecidos com Jesus encarnado,e jamais termos a pretensão de possuirmos a sua gloria. A espiritualidade noculto não está associada à manifestação sobrenatural e sim ao entendimento.
FinalmentePaulo chega a um ponto no capítulo 14 que ele parece dizer: Agora vamos falar sério. Parece que ele querdar um desfecho resumido de tudo o que queria dizer e chegara a hora. Atéentão, ele não proíbe que se fale em línguas, mas estabelece tantas restriçõesque é como se proibisse. Mas aqui é diferente, ele dá um verdadeiro cheque-mateno dom de línguas. Nos versículos 20 a 22 ele diz: A línguaé um sinal para incrédulos e não para crentes, a profecia, ao contrário, é umsinal para crentes e não para incrédulos.
Oponto é preocupante porque ele cita uma profecia de Isaías que se constitui emuma ameaça à desobediência do povo de Deus. Isaías diz que Deus falará porlínguas estranhas e o povo não entenderá. Esta profecia de Isaías é inspiradaem Deuteronômio 28, no capítulo que fala das bênçãos e maldições. Se por umlado relata as bem-aventuranças da obediência e da fidelidade, por outrosentencia a infidelidade com imprecações intermináveis, e uma delas, no verso49 diz assim: O Senhor levantará contrati uma nação longínqua, dos confins da terra, uma nação cuja língua nãocompreendes. Deus está dizendo que se o povo não quer ouvir a sua palavrade exortação em sua própria língua, ele os fará ouvir em uma língua estranhaque eles não entenderão.
Estesinal foi ignorado pelos contemporâneos de Isaías e de Jeremias. Quando osjudeus ouviram os primeiros cristãos falando no Pentecostes em línguas que elesnão entendiam deveria ter se lembrado da profecia de Isaías e se converterem.Deus está dizendo pelo profeta: Quando vocês que não cumprem os meus mandamentosouvirem pessoas falando línguas estranhas no meio de vocês, tomem cuidadoporque a chapa vai esquentar. Alíngua estranha é um sinal de juízo à incredulidade, ao passo que a linguageminteligível da profecia é um sinal de afirmação da fé. Paulo chama os coríntiospara que eles percebam que este filme já havia passado várias vezes. Todas asvezes que uma língua diferente e inteligível foi falada, não se constituiu emum sinal de bênção e sim de juízo. Se vocês querem um sinal, este sinal é aprofecia.
Amarca mais visível da igreja é o culto público. É o que caracteriza tudo o quea igreja credita e tudo o que a igreja é. É a sua vitrine, a sua face externa,porque é através do culto que a maioria das pessoas chegam à igreja. E o centrodo culto cristão reformado é a Palavra de Deus. A preocupação primeira é amensagem, e não o que se deve acrescentar para torná-lo atrativo ou agradável.O culto tem que ser o aceitável para Deus, o que. não quer dizer que não devaser alegre e atraente. Mas quando começamos a introduzir elementos estranhos emnome da modernidade e da contextualização, estamos desvirtuando o culto queDeus tanto preza e que tanto zela. Em Amós 2.8, Deus exorta o povo dizendo: ...bebem o vinho e usam o dinheirodaqueles a quem cobraram multas injustas na casa de deus. Este deus comletra minúscula não se trata de outro Deus senão o Deus de Israel, o Deus daBíblia. Mas é como um ídolo mudo e sem valor que ele se sente, quando o cultolhe é prestado de forma indigna e desvirtuada de propósito.

  • Digg
  • Del.icio.us
  • StumbleUpon
  • Reddit
  • RSS

0 comentários:

Postar um comentário