Pai Nosso (Nome -Reino -Vontade) Parte II

A Criação de Eva de Michelangelo (1475-1564)
NOME
Longe de ser uma simples identificação, para os antigos o nome define o papel que o ser desempenha no universo. Deus completa a criação dando à sua obra os nomes: dia, noite, terra, mares(Chamou Deus à luz Dia e às trevas, Noite. Houve tarde e manhã, o primeiro dia. Gn 1,5),mas encarregou Adão de dar nome a cada um dos animais por ele criados  (Havendo, pois, o Senhor Deus formado da terra todos os animais do campo e todas as aves dos céus, trouxe-os ao homem, para ver como este lhes chamaria; e o nome que o homem desse a todos os seres viventes, esse seria o nome deles. Gn 2,9)
As palavras denominar e dominar provém de um radical comum, talvez seja por este motivo que Deus não permitiu que Adão desse o nome à sua auxiliadora, Eva. Dar nome, neste sentido, significa mais do que determinar como o ser seria chamado e reconhecido. Ao denominar, o homem também ditava as características físicas e funcionais desse ser, ou seja, não somente a forma que o ser existiria, mas também a sua funcionalidade prática.

 O nome dos homens
O nome que o a pessoa recebe no nascimento exprime sua atividade e destino. As narrativas bíblicas nos dizem isso fartamente: Jacó é o suplantador, Nabal, o tolo. Mas o nome também pode evocar as circunstâncias do nascimento e o futuro previsto ou entrevisto pelos pais. Raquel moribunda chama sua criança de “filho da minha dor”, Jacó denomina Benjamim, “filho da minha destra”. Às vezes podia ser também uma oração ou um apelo, como Isaías que é “Deus o salve”. Não ter um nome de respeito é o mesmo que não existir (Mas agora homens mais moços do que eu zombam de mim. Os pais deles não valem nada; eu não poria essa gente nem com os cachorros que cuidam do meu rebanho. Jó 9,1), tê-los em quantidade significava, por outro lado, importância, como Jesus que é chamado por uma infinidade de nomes (Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz Is 9,6).
Se o nome é a própria pessoa, dar nome significa ter poder sobre o ser. Por isso o recenseamento romano foi uma maldição em Israel, pelo que significava escravidão. Um estrangeiro trocar de um judeu por um número era simplesmente destituí-lo de qualquer lampejo filiação divina.

Os nomes de Deus
Para todos os povos antigos era de muita importância o nome da divindade que cultuavam. Os babilônicos chegaram a dar cinquenta nomes a Marduk, seu deus supremo. Entre os cananeus o nome do seu deus era escondido sob o nome genérico de Baal. Já aos israelitas, foi Deus que se designou a dar o seu próprio nome. Anteriormente conhecido como Deus dos antepassados, perguntado por Jacó, se negou a dizer seu nome (Tornou Jacó: Dize, rogo-te, como te chamas? Respondeu ele: Por que perguntas pelo meu nome? E o abençoou ali. Gn 32,29) ao pai de Sansão se revelou através do adjetivo Maravilhoso e a outros com adjetivos de Shaddai, o da montanha, Terror de Isaque, ou o Forte de Jacó. Um dia, em Horeb, Deus revelou seu próprio nome a Moiséis. Entende-se pela expressão EU SOU O QUE SOU (O Deus de vossos pais me enviou a vós outros; e eles me perguntarem: Qual é o seu nome? Que lhes direi? Disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Ex 3, 13b,14a) muito mais do que um simples nome este é a afirmação daquele que é enquanto todos os outros deuses não são. Enquanto Marduk não é, enquanto Baal não é, o Deus de Israel é. Este é o único nome do qual todos os profetas dirão: Quanto ao nosso Redentor, o Senhor dos Exércitos é seu nome, o Santo de Israel. Is 47,4.
Alguns estudiosos interpretam o EU SOU como o anúncio de um ser não criado, pré-existente, ou que existe em si mesmo, autoexistente. Mas custa-me crer que a mente de um hebreu pudesse, naquela época, ser dotada de tamanho poder de abstração. O que me leva a imaginar que Deus está recriminando Moisés dizendo algo como: não te interessa quem eu sou, EU SOU O QUE SOU.
O nome de Deus vem a ser o próprio Deus. De tal maneira ele se identifica com seu nome que é por causa do seu nome que ele age em favor do povo que chama pelo seu nome. Os cristãos tem o dever de cuidar do nome de Deus (Por meio de Jesus, pois, ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que confessam o seu nome.Hb 13,15)e cuidar que a própria conduta não faça com que o nome de Deus seja blasfemado  (Pois, como está escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por vossa causa. Rm 2,24).


Reino
O tema central das pregações do profetismo bíblico era uma nova ordem na organização mundial quando Deus assumiria na prática o governo do mundo. Esta idéia contraria tudo o que se pensava acerca de um Deus distante, voltado apenas para as honras e louvores recebidos nos cultos e totalmente despreocupado com o cotidiano dos homens. Ver Deus sentado em um trono e exercendo diretamente a justiça, era para o injustiçado, a última esperança de obtê-la em vida. E o dia em que este novo governo se estabeleceria era aguardado para breve e se chamava “O Dia do Senhor” (Tocai a trombeta em Sião e dai voz de rebate no meu santo monte; perturbem-se todos os moradores da terra, porque o Dia do Senhor vem, já está próximo; Joel 2:1).
Mais tarde, já na era messiânica, o inimigo do Reino já não eram mais os injustos de Israel, mas o Império Romano, e a expectativa do povo era que esse reino viesse para destruí-lo. João Batista e Jesus empenharam-se em anunciar que um novo estado de coisas não começava pela mudança de governo, mas sim pela mudança do indivíduo através da sua entrada no Reino de Deus, que se dava através do arrependimento e pela fé (Naqueles dias, apareceu João Batista pregando no deserto da Judéia e dizia:  Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus. Mt 3,1)
Para entender essa nova e maravilhosa realidade precisamos conhecer o que ela significava para os evangelistas. Contudo, é preciso estar ciente de que esta visão de esperança não começou com Jesus, ela está presente no Antigo Testamento sob a forma de denúncias contra as injustiças que contrastavam com aquilo que era esperado como o Dia do Senhor (Ai de vós que desejais o Dia do SENHOR! Para que desejais vós o Dia do SENHOR? É dia de trevas e não de luz. Am 5:18 ). Os profetas subverteram o consenso de que este seria o dia em que Deus viria restaurar a nação de Israel, colocando todas as outras sob o seu domínio, apenas fazendo uma inversão na ordem política e econômica do mundo. Quem era dominado passaria a ser dominador. Plenamente de acordo com eles, não é este o Reino que Jesus veio anunciar, não é esta a Boa Nova do Evangelho, uma simples troca de governo tirânico. O Reino que Jesus prega é uma realidade misteriosa cuja natureza só ele pode revelar, e ele o faz senão aos humildes e pequeninos mas não aos sábios e capacitados deste mundo (Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos. Mt 11,25).
Jesus começa o seu ministério e logo de saída coloca o Reino como prioridade, expõe os seus mistérios pedagogicamente em revelações progressivas através de parábolas e paradoxos. Para aqueles que esperavam a chegada do Reino de Deus de forma grandiosa e imediata, Jesus mostra uma interpretação bem diferente, como uma semente atirada na terra que tem que crescer (O reino dos céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo; Mt 13, 24b). Crescerá pelo seu próprio poder contra todas as expectativas e circunstâncias contrárias, assim como faz o grão quando cai em solo pedregoso (A terra por si mesma frutifica: primeiro a erva, depois a espiga, e, por fim, o grão cheio na espiga). Levedará o mundo, assim como o fermente colocado na massa. O paradoxo de um começo humilde diante do indescritível porvir. Para aqueles que o recebem, propõe o desafio de torná-lo abrangente, como uma imensa árvore na qual se abrigarão todas as aves do céu. Acolherá todas as nações, pois não está vinculado a nenhuma delas, nem mesmo aos judeus.

As fases do Reino
Para que o Reino seja chamado a crescer, precisará contar com o tempo, mas em certo sentido ele está completo e presente, desde João Batista a era do Reino está iniciada. Mas as parábolas de crescimento do grão de mostarda, do fermento, do joio e do trigo e da pesca, fazem antever uma demora entre a inauguração histórica e a sua plenitude. Mais complicado para se entender é que , atualmente, o Reino sofre violência, pois forças contrárias querem impedir que ele continue crescendo através da pregação(Desde os dias de João Batista até agora, o reino dos céus é tomado por esforço, e os que se esforçam se apoderam dele. Mt 11:12). Contudo, o final deste tempo já está determinado, não em dias como pregam os fundamentalistas, mas pela esperança de aproximação da Páscoa Universal, traduzida pelo banquete escatológico em que os convidados, vindo de todos os lados, festejarão junto com os patriarcas, profetas, apóstolos e mártires. E todos serão convidados a herdar este Reino que não terá fim (Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Mt 25,34). Este é o Reino que precisa vir.


Vontade
No essencial, a vontade de Deus coincide com o seu plano (Deus quer que todos os homens sejam salvos I Tm 2,4). Neste versículo São Paulo resume todos os oráculos proféticos, toda mensagem de Jesus e toda a motivação e razão de ser da Igreja Primitiva. Todas as manifestações da vontade divina no decorrer da história são coordenadas de acordo com um plano conjunto em um desígnio de sabedoria. Porém, cada uma destas manifestações diz respeito a um acontecimento individual, e é para aceitar o domínio de Deus sobre estes acontecimentos que oramos: Seja feita a tua vontade.
Mas essa vontade universal de Deus também assume forma particular quando se manifesta a respeito do homem, este deve conformar-se com ela e cumpri-la fielmente (Vá dizer a eles tudo o que eu mandar. Não tenha medo deles agora, pois, do contrário, eu farei com que você fique com mais medo ainda quando estiver no meio deles. Jr 1,17 NTLH). A despeito disso ela se apresenta não como uma fatalidade, e sim como um apelo, uma exigência, um mandamento. O Pentateuco reúne o conjunto das vontades divinas claramente expressas, mas sob uma forma estática, porque assume forma de instituição. É preciso esforço para se encontrar por trás dela essa vontade pessoal que a cada momento fica sendo um acontecimento, provoca uma resposta, inicia um diálogo.

Onde Deus revela sua vontade
Na história.
É principalmente através da ação de Deus que Israel aprende a conhecer a sua vontade.  Ele está resolvido a libertar Israel do Egito e fazer dele seu povo (não desam­­­pa­rará o seu povo, porque aprouve ao Senhor fazer-vos o seu povo. ISm 12,22). Através da sequência dos castigos e livramentos, Israel deve reconhecer que Deus não quer a morte, mas a vida, não a desgraça, mas a paz.
Na reflexão inspirada
A fim de melhor cumprir essa vontade, os profetas, os sábios e salmistas, acentuam-lhe este ou aquele aspecto:
Soberania. Deus age segundo a sua vontade, e não segundo o conselho humano (Deus quer, quem o fará mudar?”  Jó 23,13).
Sabedoria — A aceitação deste mistério não se baseia na negação da inteligência, mas numa fé profunda na providência divina (Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei. Sl 42,5).
Benevolência — Em todas as línguas querer alguém é amar esse alguém. Neste sentido Deus quer seus filhos, seu povo e seus justos. Eles os ama com misericórdia, com perdão e com bondade, para que nenhum deles se perca (Pois misericórdia quero, e não sacrifício, conhecimento de Deus, mais do que holocaustos.Os 6,6). 
As mais frequentes denúncias dos profetas, não eram contra a falta de religiosidade do povo, e sim contra a prática de uma religião que desconsiderava a justiça. Para Deus, de nada adiantavam cultos lotados, festas frequentes, hinos de louvor, orações incessantes ou jejuns prolongados, se a sua imagem mais perfeita, o ser humano, estava sendo profanada e tratada sem qualquer dignidade. Para Deus, a justiça tem que anteceder o culto, esta é a sua vontade (sim, quando multiplicais as vossas orações, não as ouço, porque as vossas mãos estão cheias de sangue. Is 1,15).
Desde que em Jesus se realizou a vontade de Deus na terra como no céu(desci do céu, não para fazer a minha própria vontade, e sim a vontade daquele que me enviou. Jo 6,38), o cristão pode estar seguro de ser ouvido em sua oração dominical. Mas como discípulo, deve reconhecer e praticar essa vontade.

PS:Durante o Carnaval será postado um esboço para estudo da oração do Pai Nosso dividido em quatro partes. O objetivo deste ensaio não é estudar a oração do Pai Nosso como apenas mais uma forma de oração, mas estudá-lo em cada uma das suas partes isoladamente, buscando conhecer o que as pessoas da época Jesus efetivamente entenderam das palavras proferidas por ele.
Não é uma proposta de se mergulhar na profundidade da etimologia do Grego e do Hebraico esgotando o sentido das em toda a sua essência, mas uma tentativa de viajar para o tempo em que viviam as pessoas que ouviram Jesus fazer esta oração pela primeira e única vez, e tentar captar os ecos que esta oração lançou para toda humanidade. Ecos que precisam ser ouvidos e entendidos por mim e por você hoje, segundo o contexto da em nossa época.

  • Digg
  • Del.icio.us
  • StumbleUpon
  • Reddit
  • RSS

0 comentários:

Postar um comentário