Duranteo seu curtíssimo ministério Jesus selecionou doze homens que, para o seguirem,deixaram família, trabalho e bens. Neste período, compartilharam de uma vidacomunitária, cujo sucesso dependia da confiança que cada um depositava no outro.Nos Evangelhos de Marcos (3.16-19) e Mateus (10.2-4) temos os primeirosregistros dos nomes daqueles que deram início a arrancada para a implantação doReino de Deus na Terra. “Designou, pois, os doze, a saber: Simão, a quem pôso nome de Pedro; Tiago, filho de Zebedeu, e João, irmão de Tiago, aos quais poso nome de Boanerges, que significa: filhos do trovão; André, Filipe,Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu, Tadeu, Simão, o cananeu, eJudas Iscariotes, aquele que o traiu”.
Quemfoi este tal de Judas?
Ondenasceu?
Quaiseram suas convicções políticas?
Porque traiu seu adorado mestre?
Dentreeste universo de questões levantadas nestes quase dois mil anos, apenas umapode ser respondida com certeza. Judas era um judeu do primeiro século ediscípulo de Jesus. As demais tentativas de respostas transitam no campo daespeculação. Seu sobrenome, por exemplo, não tem paralelo na Bíblia e nunca seentendeu o que realmente significa Iscariotes – se é um nome de família, de umlugar, se é um apelido ou se descreve suas ações. Alguns dizem que Iscariotesvem de um ramo dos zelotes que significa SIC RIOS – assassino. A facção “xiita”dos zelotes. Teria sido ele um assassino que renunciou às armas para seguirJesus?
Osestudiosos concordam que Judas, assim como Jesus, nasceu na Judéia. Poderiamter sido parentes? Ou mesmo irmãos? Sabemos que Jesus teve um irmão chamadoJudas (Mc 6.3). Nas listas de Mateus e Marcos há somente um Judas, oIscariotes. Apenas nas listas posteriores é que apareceram dois discípulos comeste mesmo nome, sendo que um deles é identificado como filho de Tiago (Lc6.16). Assim sendo, o outro só poderia ser filho de José, o carpinteiro, irmãode Jesus. Porém, o que efetivamente aconteceu foi que, daí em diante, passamosa ter dois Judas: um bom – irmão de Jesus, e um mau – Iscariotes.
Irmãoou não, Judas não foi menos leal que os outros, senão, o mais confiável deles.A ele eram entregues as finanças do grupo. Teria Judas sido tentado pelapequena quantia que o grupo dispunha para suas necessidades básicas, quando jáhavia deixado para trás tudo o que possuía para seguir seu mestre? Teria sido aganância o motivo da traição? Por que somente João o chama de ladrão? Por quenunca o havia denunciado anteriormente? Teria sido uma interpretação pessoalfeita após a releitura dos fatos?
Estamosna época da Páscoa, a de maior tensão entre os judeus e os romanos.Celebrava-se a libertação do poder imperial do Egito, durante a opressão cabaldo Império Romano. Foi neste clima que Jesus chegou a Jerusalém. A profeciadizia que o Messias entraria em Jerusalém chefiando um poderoso exército. Queexpulsaria os opressores e daria início a uma nova era de glória em Israelsentado no trono de David. Quando Jesus se anuncia como Messias e se diz serrei dos judeus, não divino mas humano, Messias era um título humano. Aindaassim a entrada triunfal não iniciou um levante armado, nem os romanos se sentiramameaçados. Se os discípulos estivessem esperando um Messias guerreiro em Jesus,eles não poderiam se sentir traídos por esta entrada pacífica em Jerusalém?Jesus era o Messias e se esperava que agisse como tal. Mas Jesus não falava emreaver um trono, mas em amar os inimigos e bendizer os perseguidores.
Ossacerdotes viam Jesus no templo pregar a paz e amor incondicional de Deus, atéque um dia mostrou um lado violento até então desconhecido. “Chegaram, pois,a Jerusalém. E entrando ele no templo, começou a expulsar os que ali vendiam ecompravam; e derribou as mesas dos cambistas, e as cadeiras dos que vendiampombas” Mc 11.15. Será que, por este ato, tanto eles quanto Judas acharamque Jesus havia profanado o Templo, ou terá sido uma mera coincidência a traiçãoacontecer naquela mesma noite?
Pessoasdiziam que Jesus era um herege se dizendo ser filho de Deus, anunciandoprecocemente sua morte e ressurreição. Outros o consideravam realmente divino.Esta ambiguidade existe desde o primeiro século. Judas a expressou em toda asua inteireza. Poderia Jesus ter sido considerado um falso profeta, nocivo aopovo judeu merecedor, portanto, de ser entregue aos sacerdotes? Até hoje algunsdedos-duros são considerados heróis.
Umaquestão que chega a ser curiosa, é a condenação precoce de Judas nas traduçõesdos textos bíblicos. A palavra grega “paradwswn” somente é traduzida por trairquando se refere a ele, em todos os outros casos sua tradução é entregar, comopodemos ver abaixo.
Mt 17.22 - paradidosyai = entregue
Mt 20.18 - paradoyhsetai = entregue
Mt 26.2 - paradidotai = entregue
Mt 26.45 - paradidotai = entregue
Mat26.24 - paradidosyai = traído
ICo 11.23 - paredidoto = traído
APáscoa foi realizada em um ambiente de tristeza e apreensão por tudo que Jesushavia dito sobre sua morte. Judas estava sentado bem perto dele, a ponto departilharem o mesmo prato. Enquanto comiam Jesus lhes passava um ensinamentocheio de simbolismo: “isto é o meu corpo...”, e deste modo foiministrado o primeiro sacramento da ceia. Discute-se até hoje como Judas podeter participado da comovente cena, e logo após sair para trair Jesus. Lucastenta resolver este mistério dizendo que o demônio entrou nele após a ceia.
Todos,inclusive Judas, ainda mostravam aversão quando Jesus anunciava a sua morte, e maisainda quando Jesus afirmara que o traidor estaria entre eles. Um a um osdiscípulos se perguntavam qual deles o iria trair. “É aquele a quem eu derum pedaço de pão molhado” (Jo 13,26). Jesus não só antecipou a época da suamorte como também viu o rosto do traidor. Por que, quando Jesus identificou semdúvida o traidor, os outros não o impediram de alguma forma? Não estaria Joãoescrevendo teologia no lugar de história, e desta forma afirmando: “Jesusestá no controle. Não Judas”?
Qualera a intensão de Jesus naquela hora? Estava aceitando passivamente o seudestino e a sua iminente traição? Ainterpretação tradicional assegura que foi tudo feito às claras, Judas saiu e omotivo da sua saída foi previamente discutido. Em sua última análise, Judas foifazer o que Jesus previamente tinha denunciado. Deveríamos nós pensar que Jesusapenas o liberou por que sabia que Judas o faria de qualquer maneira? Nuncasaberemos o que se passou entre ambos naquela noite, contudo, Jesus amaldiçoouaquele que o traíra (Mt 26.24).
Quantoao preço da traição existe outra controvérsia. Trairia ele a Jesus por tãopequena quantia? Aquelas trinta moedas de prata não pagavam um mês de salário deum operário. Não foi por dinheiro, isto está claro. Além do que, Judas nãoentregou Jesus a Pilatos e sim ao Sinédrio. Caifaz o fez. Naquela época, asuspeita de uma profanação deveria ser imediatamente relatada às autoridades dotemplo, no caso um sacerdote, sob pena de cumplicidade. Este era um atolouvável, previsto na lei judaica e recompensado com 30 moedas de prata.Denunciar um judeu a um poder estrangeiro, aí sim, constituía-se em uma sériatraição.
Judastem remorso quando se dá conta de que Jesus estava diante de Pilatos, e tentainocentá-lo, chamando para si o pecado por ter infringido um mandamento maiordo que aquele pelo qual acusara Jesus – falso testemunho. O que se havia feitocom muita tranquilidade, através de um beijo, transformou-se em uma tragédiaincontrolável. Quando viu seu mestre diante de Pilatos, seu mundo desmoronou.Quanto às suas atitudes posteriores, somente Mateus se manifesta. Segundo umteólogo do século XIII, Judas tentou chegar a Jesus para pedir-lhe perdão, masfoi impedido pela multidão. Na esperança de sofrer o mesmo destino de Jesus,enforcou-se.
Aimagem de Judas no mundo cristão tornou-se cada vez mais negativa. Veio numcrescendo. No princípio somente Mateus e Lucas no livro de Atos o citamrapidamente. Paulo, que escrevera anteriormente, nunca se deteve neste assunto.Com o passar do tempo, houve a necessidade de se associar a morte de Jesus auma intervenção efetiva do mal, e Judas foi o escolhido. Seria por que elepessoalmente era o traidor? Ou seria pelo nome Judas ser muito parecido comjudeu, povo que na Idade Média foi infamemente responsabilizado pela morte deJesus. Judas – Judeu. Se Jesus e seus discípulos eram também judeus, por quesomente Judas foi associado? E por que esta associação gerou tanto ódio?
A transformação de Judas de discípulo fiel na encarnaçãodo mal serviria para vários propósitos, principalmente para atingir o povojudeu, alvo principal da excomunhão papal. Esta correlação se deu não pelasEscrituras, mas por uma intensa propaganda anti-semitista. Neste caso, Judasrepresenta todos os judeus, e Jesus, todos os cristãos. Fica, deste modo,estabelecido o bem e o mal, cristãos e judeus, Jesus e Judas. Condenar Judas,até mesmo à malhação no sábado de Aleluia, tornou-se um serviço a Deus bemrecompensado.
Acondenação de Judas ainda está vigente hoje. Será que não nos damos conta deque Jesus, em seus últimos momentos, pediu perdão para todos os envolvidos, eDeus os perdoou a todos. Por que motivo ainda mantemos viva e presente estacondenação? Por que a aversão a este nome ainda perdura ao incondicional perdãode Deus?
1)Seria a dor definitiva na vida de uma pessoa ser traído por alguém a quem ama?
2)Ou, assim como Dante, classificamos a traição como o único pecado imperdoável?
3)Não nos damos conta de que a traição a Jesus se dá a cada momento das nossasvidas?
4)Não percebemos que o fato que levou Jesus à morte foi o meu e o seu pecado?
5) Ou seria queJudas, em meio a uma sucessão de fatos polêmicos, esteja sendo, até hoje,condenado por um crime que não cometeu?
1 comentários:
Caro Reverendo Sergio,
Será que podemos afirmar que, para Deus, não há pecado imperdoável? Humanamente haveria,seria qualquer pecado que aquele que o cometeu não se perdoasse.
Por quê há tantos chamados cristãos(evangélicos e católicos) que ainda afirmam ser o inferno eterno
porque Deus é justo, mesmo diante do incondicional perdão de Deus?
Se Jesus nos ordena a amar ao próximo como a nós mesmos, primeiro temos que nos amar, para então amar ao próximo. Paulo, porém, nos lembra que: "O bem que quero fazer não faço, o mal, que não quero fazer, este faço. A isto nós Psiquiatras chamamos de ambivalência afetiva. Por dedução a pessoa a quem mais traímos somos nós mesmos.
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