Oprimeiro mandamento afirma categoricamente que Deus é um Deus zeloso, mas poucagente se dá conta de que a proibição de se fazer imagens sua, leva em conta justamenteisso. Deus zela pela sua imagem, e quem zela pela sua imagem tem critériosrígidos quanto à preservação desta imagem. Deus tem critérios rígidos de amor,de verdade e de justiça, e somente por esses critérios se deixa ser medido.
Nasinúmeras vezesem que Deus confrontou a sua santidade com a iniquidade do povo, levou em conta apenasesses critérios. Desafiava o povo a dizer quando tinha sido injusto, quando nãofoi verdadeiro ou quando foi infiel. Deus nunca se deixou medir pelos milagresque fez ou deixou de fazer. Contudo, apesar da Bíblia nos falar exaustivamentedestes critérios divinos, ainda assim ousamos criar critérios próprios ecometermos o absurdo de desafiar Deus através dos nossos critérios. É um tal deSenhor, se tu és Deus faze isso; manifesta-te aqui e prova o teu poder e a tuaglória. Alguns mais desaforados ousam dizer: Deus, nós viemos aqui cobrar astuas promessas.
Nasinúmeras vezes
Euimagino que Deus nunca foi tão cobrado quanto é hoje, e são cobranças depromessas que Deus efetivamente nunca fez, geralmente fundamentadas em versículosmal interpretados, ou interpretados completamente fora do contexto. É preciso meditarprofundamente sobre as práticas da pregação atual, que tantos se utilizam, efazem delas não somente o escopo da sua mensagem, como de todo o seuministério. É onde vamos descobrir que o chamado ministério profético hoje baseia-sepraticamente nisso: cobrança. Cobra-se de Deus o cumprimento das promessas,para poder se cobrar do membro a contribuição. A igreja de hoje é uma agênciade cobranças, parece que não tem um Senhor, ela sim é a senhora toda poderosa,a detentora da bênção, a razão de ser do evangelho.
Masrealidade vem nos mostrar que ela nunca esteve tão frágil e tão desprotegida.Segundo Ezequiel 13 não há ninguém que se coloque à frente dela, quando a sua muralhaespiritual da igreja cai. Não há ninguém para receber o primeiro impacto. Daí essa imensa quantidade de escândalos,essa carência moral, essa falta total de respeito. A igreja de hoje não temquem arrisque o pescoço por ela, quem coloque em jogo a sua carreira, seuministério, não tem o bom pastor, aquele que dá a vida pelas suas ovelhas. Desdesempre se discutiu muito a respeito das ameaças que a igreja vem sofrendo, e semprese atribuiu essas ameaças a fatores externos. Mas o versículo em questão nem delonge se refere a ameaças externas, ameaças causadas pelo inimigo, comocostumamos dizer. O real confronto que o versículo trata se dá contra o próprioDeus, e esse é o problema, quando é Deus quem vem fazer cobranças à sua igreja.Esta é a hora crucial, a hora em que o verdadeiro vocacionado tem que secolocar à brecha e interceder pela igreja, interpelar Deus por ela.
A Bíblia registra, para a nossa inspiração,alguns dos grandes interpeladores. Aqueles que na hora H, com todas as suaslimitações, se colocaram à brecha. Quando Sodoma e Gomorra iam ser destruídas, Abraãochega a ser impertinente, e se interpõe entre Deus e as cidades do mal, e arriscandoo seu próprio pescoço, pergunta: Castigaráso justo juntamente com o pecador? Não fará justiça o juiz de todo o universo?Moisés o fez por mais de uma vez. O salmo 106,23 diz isso, referindo-se a Êxodo32. Isaías, no capítulo 6, quando recebe a mensagem que deveria pregar, depoisda sua pronta resposta ao apelo vocacional, diz inconformado: até quandoSenhor? Mas nenhum deles foi tão eficiente na interpelação quanto Jeremias. E Jeremiasfoi tão persuasivo, que mais de uma vez Deus disse pra ele: Nem vem. Não comece porque eu não vou ouvir (Jr7,16. 11,14). Como eram doidos esses profetas. Criticavam o povo, denunciavam,xingavam, alguns até amaldiçoavam, mas sempre se colocavam à frente,intercediam pelo povo a quem tanto amavam, confrontando o próprio Deus por eles.
Mas o fato é que Deus sempre andou embusca desse homem e dessa mulher: Procureientre eles um que levantasse uma cerca, que por amor à terra aguentasse nabrecha diante de mim, para que eu não a destruísse; mas não o encontrei (Ez22,30). Deus busca desesperadamente o homem que seja capaz de confrontá-lodentro dos seus critérios, que seja capaz de interceder pelo seu povo com razãoe justiça. Ele fica feliz quando isso acontece. Imagino a felicidade de Deuscomo Pai, quando viu seu filho Abraão confrontá-lo com ética tão elevada, quepai não ficaria orgulhoso de um filho assim. Deus não quer condenar, Deus quersalvar. E esta, portanto, é a tarefa mais complexa que o profeta é chamado arealizar. A hora em que ele tem que converter o povo ao arrependimento, econverter Deus à misericórdia. Não se assustem quando eu digo converter Deus,porque é isso que Jesus faz na cruz: Pai,perdoa-lhes porque não sabem o que fazem. Este é o verdadeiro ato deconsumação do evangelho. O evangelho se consuma quando Jesus intercede, isto é,se coloca no lugar dos réus, quando se coloca à brecha em favor de nós, um povoque já estava de guarda baixa, porque a muralha que o cercava caiu. Estava,portanto, condenado.
Observem que na Bíblia, a palavrapecado quase nunca é usada para um individuo. Mesmo quando se referia aos reisde Israel, estava levando em conta toda a estrutura de governo. A crítica deJoão às igrejas da Ásia Menor já era mais abrangente: a igreja de Esmirna foiinfiel, a igreja de Laodicéia pecou, e os seus pastores com elas. Mas mesmoquando se refere a um indivíduo, o pecado, na Bíblia, antes de ser um ato é umestado, por isso essa palavra nunca deve ser usada no plural. Não se diz osmeus pecados, e sim o meu pecado de uma forma global e abrangente. Por tudoisso que a interseção se torna uma tarefa complicada. O pastor tem que intercederpela igreja, e ao mesmo tempo por si mesmo, porque ele está nivelado ao povo, nomesmo barco, passível da mesma punição. A intercessão é complicada tambémporque na maioria vezes não é uma tarefa de resultados rápidos e consequênciasimediatas, uma vez que o grande confronto se dará no Dia do Juízo. Esta era agrande preocupação de Ezequiel. Ele denuncia que os pastores eram bons em fazerprofecias, em determinar, em abençoar, em ditar regras de comportamento, mas nãoestavam preparados e nem preparavam povo para se defender no Dia do Senhor, quepara nós cristãos chama-se o Dia do Juízo.
Falei em dia de juízo, mas talvez eu seja a pessoamenos credenciada para falar disso. Eu sou péssimo escatologista. Não faço amenor idéia de como será esse Dia de Juízo. Não sei se vai ser diante de umjúri, ou numa conversa íntima. Mas eu sei de uma coisa e desconfio de outra.Tenho certeza de que um dia estaremos frente a frente com Deus, e tenho pra mimque naquele dia apenas uma pergunta se fará aos nossos corações. A pergunta deJesus a Simão Pedro: Tu me amas? Seassim for, que Deus nos capacite a responder essa pergunta da forma maistriunfante possível: Senhor, tu sabestodas as coisas. Tu sabes que eu te amo, e sabes que, tanto quanto me foipossível, me coloquei à brecha diante das tuas ovelhas.
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