Mesmo sendo este o mais conhecido texto bíblico, ou, como muitos o chamam, “o evangelho dentro do evangelho”, parece que ele não tem sido suficientemente apreciado por nós cristãos. A maioria sabe de cor e uma boa parte o identifica logo que é citado. Mas a verdade é que há pouquíssimas reflexões sobre esse tema. Por outro lado, os não cristãos profissionais da suspeição com o intuito de melhor contestar a Bíblia, vão bem mais fundo nos assuntos que envolvem citações contundentes como esta. Eles fazem frequentemente esta pergunta: como o Deus cristão, que se apresenta como uma figura paterna e amorosa pôde entregar o seu próprio filho à morte? Mesmo que nós nunca tenhamos nos detido mais demoradamente sobre esse
Muito embora não seja uma tarefa das mais fáceis, se procurarmos, encontraremos nos próprios evangelhos, principalmente no de João, algumas pistas que podem nos auxiliar no esclarecimento desta mais do que aparente contradição. Primeiramente devemos levar em conta o ambiente cultural do primeiro século da nossa era. As pessoas comuns ainda não haviam assimilado a revolução cultural trazida pelos pensadores gregos, mas gostavam muito de assistir as famosas tragédias gregas, as novelas do passado, ainda que guardassem em seus pensamentos a concepção de um mundo povoado por deuses terrivelmente humanizados, que tinham inveja, ciúme e de todas as mazelas inerentes à natureza humana. Tais tragédias, grandemente influenciada por pensadores como Aristóteles e Platão, tinha como pano de fundo a separação do divino da crendice popular. Para estes pensadores, Deus estava além, acima e completamente isolado das paixões que eram próprias aos seres humanos. Para eles, Deus era uma inteligência incorruptível, que pouco ou nada tinha com a natureza corrompida da humanidade. Deus criou o mundo, deu corda, como que num relógio antigo, e o deixou à própria sorte para que se desenvolvesse sozinho. Se por um lado, esta nova visão concebeu Deus imune às mazelas, por outro, acabou isolando-o da vida cotidiana, transformando-o num ser inexplicavelmente distante.
assunto, ou que tenhamos sequer cogitado qualquer questão, não é hora de ficarmos melindrados, achando que vai cair fogo do céu na cabeça de quem faz perguntas como esta.
A pergunta procede e tem deixado muitos dos amantes da teologia de saia justa. O contraste entre o amor de Deus e a paixão e morte de seu Filho é algo que na realidade só pode causar perplexidade. E é uma perplexidade que tende a aumentar à medida em que lemos as parábolas contadas pelo próprio Jesus, que enaltecem o amor de um Pai a despeito do descaso, da devassidão e do egoísmo do filho. Nestas parábolas Jesus faz questão de deixar claro o quanto o amor desse Pai é grande e o quanto ele é suficiente para superar em muito qualquer atitude avessa a esse amor, que o filho venha a tomar. E Jesus não fez isso somente através de parábolas, mas em todas as vezes que mencionava o caráter de Deus, o fazia com o seguinte princípio básico: Deus é um Deus que ama, pauta a sua justiça e o seu juízo exclusivamente no amor, e é da clareza deste princípio que surge a pergunta: Porque Deus amaria mais a nós, filhos egoístas e insensíveis, fazendo com que o seu Filho bom e fiel fosse castigado em nosso lugar? E nós cristãos, como podemos lidar com esta instigante questão sem apelarmos para argumentos fundamentalistas de que Deus sabe tudo e pode tudo?
Jesus nasce no exato momento onde este confronto de idéias se fazia mais acirrado. O mundo romano fazia um enorme apelo à racionalidade, dando total liberdade aos pensadores e pregadores de novas doutrinas, mas paralelamente usava a máquina do estado para exigir que todas as religiões divinizassem o imperador. Permitia os cultos exotéricos das religiões de mistério, desde que Cesar tivesse lugar de destaque no panteão. Ou seja, havia nos locais dominados pelo império, uma completa salada de cultos, filosofias, seitas e superstições. Neste contexto Jesus apresenta um Deus diferente, um Deus apaixonado. Um Deus que é movido por sentimentos puros, mas completamente distinto dos deuses antropomórficos do passado. Jesus apresenta o Teos Aphatós, o Deus apático. A palavra apático, que deriva da palavra grega pathos, tem sido muito mal usada nos dias de hoje. Ela tem servido para designar desinteresse ou mesmo impotência diante da vida, mas nos esquecemos de ela é da mesma raiz da palavra simpatia, que, por outro lado, denota aproximação e aceitação. No seu verdadeiro sentido, Deus Aphatós é o Deus que se importa, que faz questão de estar junto, que aceita, que quer de volta, mas que para isso, não estabelece um grau de reciprocidade. O Deus que ama, simplesmente porque ama.
0 comentários:
Postar um comentário