Deus amou tanto que deu (II)

São João da Cruz de Dalí (1904-1889)
Jesus era o profeta por excelência, e nunca deixou de ser fiel a mensagem profética. Jesus anunciava um Deus incorruptível, que não se deixava seduzir por adulações nem se enganar por sacrifícios. Mas um Deus presente, que sofre com a injustiça, com a violência e com a miséria dos seus filhos. Era exatamente a mesma mensagem que os profetas pregavam: a justiça como a única forma aceitável de adoração a Deus. No entanto, a maioria dos profetas era composta de gente igual às pessoas para quem pregavam. Eles era pessoas simples, oriundas da classe mais baixa, na sua maioria pastores,
boiadeiros, lavradores etc. Homens que não dispunham de meios e nem conhecimentos para confrontar a cultura dos escribas e dos doutores da lei. Não há porque pensarmos que os profetas do AT tiveram relevância por possuírem uma concepção de Deus mais elevada do que a dos sacerdotes. Por conta disso, nunca tentaram se aprofundar nas doutrinas mais complexas sobre Deus.
Eles nunca tentaram explicar a essência ou a delinear uma forma de Deus. Mas colocavam a si mesmos no lugar dele, e sentiam na própria pele a dor que Deus deveria estar sentindo diante das situações de idolatria e injustiça que havia em Israel. Jesus, sendo o maior dos profetas, fez a mesma coisa. Nunca perdeu tempo em dar explicações a respeito da natureza ou da mente de Deus. Veio ao mundo anunciar o quanto Deus se importa conosco, e do quanto repudia este modo de vida egoísta e indiferente que a humanidade sempre viveu. Muito mais do que um teólogo que estuda a natureza de Deus para nos dizer o quanto estamos distantes da sua santidade, Jesus era um teopata que procurava anunciar que Deus e seu Reino estão muito mais próximos de nós, do que imaginamos.
Segundo um pensamento teológico antigo, mas ainda vigente, o grito desesperado de Jesus na cruz se deu porque Deus o abandonou naquela hora crucial. A concepção de santidade que essas pessoas tem de Deus, não poderia jamais supor que ele estivesse presente justamente na hora em que Jesus carregava sobre si todos os pecados do mundo. Para eles Deus não se mistura com o pecador. Esta ideia supõe um Deus que não quer se envolver, que não quer sujar as mão, e que nas horas de maior necessidade fica de longe apenas observando. Deus nada mais é do que aquela imagem de um olho sem pálpebra num triângulo. Mas Paulo disse justamente o contrário: Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo (II Co 5,19). Na teologia de Paulo, foi no momento da dor que Deus se aproximou mais de Jesus, quando esteve mais próximo que antes em qualquer situação.
É exatamente assim que Jürguen Moltamann, considerado o maior teólogo vivo, entendeu. Em seu livro o Deus Crucificado Moltamann afirma: Deus morreu na cruz, contrariando as doutrinas que pregam a passividade de Deus no Calvário, ele nos apresenta um Deus que é capaz de sofrer com o homem, pelo o homem e no lugar do homem. Um Deus que aceita abrir mão de sua divindade, ser contado como um de nós, ser humilhado como o mais humilde de nós. Tudo isso para pôr-se junto, ao lado da criatura a quem mais atributos concedeu.
Não seria possível que Jesus imbuído deste sentimento de cumplicidade, ao confrontar o amor de Deus com a maldade humana se dispusesse fazer este sacrifício pelos pecados do mundo? Não seria possível que ele mesmo tivesse se entregado, e vez de ser compelido a fazê-lo por seu Pai? Por hora vamos deixar sem resposta essa pergunta.
Jesus não foi o único a se mobilizar no sentido de atenuar a imagem de juiz implacável que o AT pintou de Deus. Numa linha de raciocínio parecida com a que Jesus usou, alguns rabinos escreveram um livro de interpretação bíblica chamado de Midraxe. A ideia básica que os levou a elaborar o Midraxe era investigar os textos complicados, e, por conta disso, mais mal interpretados do AT, para torná-los mais claros e mais compreensíveis. Eles debruçaram-se demoradamente sobre o texto bíblico e após longas reflexões e incessantes buscas de paralelismos dentro da própria Bíblia, conseguiram extrair o sentido exato que o escritor quis revelar em suas palavras originais. Tentaram com isso mostrar a verdade mais genuína e mais próxima de um Deus cujo caráter é essencialmente moldado pelo amor.
Vejamos um exemplo. Em Deuteronômio 21,22-23 temos: Quando um homem tiver cometido um crime que deve ser punido com a morte, e for executado por enforcamento numa árvore, o seu cadáver não poderá ficar ali durante a noite, mas tu o sepultarás no mesmo dia; pois aquele que está pendurado é objeto da maldição de Deus. Assim, não contaminarás a terra que o Senhor, teu Deus, te dá por herança. Os rabinos descobriram que neste caso havia um jogo de palavras bastante consistente. Eles descobriram duas palavras bastante parecidas, e propuseram que em vez de se ler kilelate, que significa a maldição de Deus, lêssemos kilate, que significa a dor. Então o texto ficaria assim: pois aquele que está pendurado é objeto da dor de Deus. Bem mais aceitável. Foi a partir desta iniciativa que os judeus passaram a ver Deus com outros olhos. Com olhar mais parecido com o olhar que Jesus o via. Fazendo com que o seu amor, e não mais a sua ira, fosse exaltado.
Usando a técnica do Midraxe vamos tentar entender o texto de João 3,16. Para isso precisamos avaliar a força que as palavras do texto tinham no final do primeiro século. Para a conciência comum da época, o filho primogênito do sexo masculino era tudo o que de melhor um pai poderia gerar, fosse ele de qualquer classe social. Neste caso, o filho primogênito representava o que de bom havia naquele pai. Ele era o seu lado excelente, a parte mais preciosa de si mesmo, era o seu maior orgulho e seu maior triunfo. Diante deste argumento, vamos ter em mente o que João quis de fato dizer quando disse que Deus deu seu Filho. Como todo bom judeu, João não adimitia que houvesse alguma outra criatura que se rivalizasse a Deus, mesmo que gerado a partir dele. Esta é uma possibilidade inconcebível para a fé monoteísta, Deus é único. Não é à toa que ele começa o seu evangelho dissipando qualquer dúvida a esse respeito: No princípio era o verbo... e o verbo era Deus.
Então o que João estava querendo dizer, quando disse que Deus entregou seu Filho, era que Deus estava dando sua melhor parte. A mais comporometida, a mais amorosa, a que compreendia mais o ser humano. Não a sua parte Onipotente, Onisciente e Onipresente. Não o seu lado criador, atento ao mínimo detalhe na busca da perfeição. Mas o seu lado redentor, que nos olha através da lente do seu Espírito, para não enxergar a nossa natureza vil e egoísta. Deus deu o melhor de si, a sua melhor parte, a parte que ama, fazendo com que ela encarnasse entre nós. Essa doação de Deus era algo tão excelente na mente de João, um homem do primeiro século, que somente poderia ser traduzido pela figura de um filho primogênito.
Para não corrermos o risco de imaginar que a personalidade de Deus possa ser parecida com a nossa, dividida em ego e superego, vamos recorrer a Jung, que concebeu um terceiro estado da consciência, o self. Para Jung o self é aquilo que há de melhor em nós, e que nos faz fazer as coisas mais excelentes, que por nossa vontade própria não seríamos capazes de fazer. Então, se este mesmo texto fosse escrito por Jung, ele ficaria assim: porque Deus amor tanto o mundo que deu o seu self, para que todo aqueleque nele crê não pereça. Não pereça para que não aumente mais a sua dor. Na realidade, para João Deus não designou alguém para sofrer em nosso lugar. Nada disso, entregou-se voluntariamente a si mesmo, tamanha era a sua dor pelas circunstâncias em que viviam o ser humano.
Olhar para Deus desta forma implica em mudanças imediatas. Imediatamente transferimos para ele qualquer mérito, Toda a iniciativa parte de Deus e nunca de nós. Wesley entendeu tão bem isso que formulou a doutrina da graça preveniente, onde Deus age antes de qualquer intenção humana. É essa nova visão de Deus que prevalece, a visão de um Deus que age, não um Deus distante, não um Deus exclusivamente soberano e intocável. Mas agora o Deus próximo, presente e atuante, o que implica em reconhecermos que não fomos escolhidos porque éramos os melhores e os mais bonzinhos, mas porque ele nos ama.
Tomemos de volta as perguntas que ficaram no ar. Será que Deus realmente sacrificou alguma outra pessoa, e não ele próprio em nosso lugar? O amor incondicional de Deus está em julgamento na morte de Cristo? Pode existir qualquer tipo de dúvida quanto ao comprometimento que este amor encerra? 
Nenhuma pergunta dessas é pertinente. As pessoas não estão querendo saber como é Deus, e na sua maioria não estão preocupadas em saber como ele pensa nem como se deve tratá-lo corretamente. Quem tem esta preocupação tem também outros interesses. Então, também não deveríamos tentar explicar como Deus é, e sim mostrar o quanto ele se importa conosco. Deveríamos fazer como faziam os pais da Bíblia. Quando os filhos lhes perguntavam quem é Deus, eles não desenvolviam um tratado teológico sobre o assunto, muito menos contavam histórias de um barbudo que não faz a barba há mil séculos. Eles diziam simplesmente assim: olhe para nós, meu filho. Olhe para a nossa família. Olhe como somos felizes. Mas antigamente não era assim, nós éramos muito tristes. Nós éramos escravos no Egito e Deus nos tirou de lá com mão poderosa e braço estendido; com milagres, com sinais e com espanto. Esse é Deus meu filho. Esse é o Deus que amou tanto que deu seu filho único para que não morrêssemos, mas tivéssemos vida eterna.

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Deus amou tanto que deu (I)

Robert Powell em Jesus de Nazaré de Zefirelli -1977 
Mesmo sendo este o mais conhecido texto bíblico, ou, como muitos o chamam, “o evangelho dentro do evangelho”, parece que ele não tem sido suficientemente apreciado por nós cristãos. A maioria sabe de cor e uma boa parte o identifica logo que é citado. Mas a verdade é que há pouquíssimas reflexões sobre esse tema. Por outro lado, os não cristãos profissionais da suspeição com o intuito de melhor contestar a Bíblia, vão bem mais fundo nos assuntos que envolvem citações contundentes como esta. Eles fazem frequentemente esta pergunta: como o Deus cristão, que se apresenta como uma figura paterna e amorosa pôde entregar o seu próprio filho à morte?  Mesmo que nós nunca tenhamos nos detido mais  demoradamente sobre esse
assunto, ou que tenhamos sequer cogitado qualquer questão, não é hora de ficarmos melindrados, achando que vai cair fogo do céu na cabeça de quem faz perguntas como esta. 

A pergunta procede e tem deixado muitos dos amantes da teologia de saia justa. O contraste entre o amor de Deus e a paixão e morte de seu Filho é algo que na realidade só pode causar perplexidade. E é uma perplexidade que tende a aumentar à medida em que lemos as parábolas contadas pelo próprio Jesus, que enaltecem o amor de um Pai a despeito do descaso, da devassidão e do egoísmo do filho. Nestas parábolas Jesus faz questão de deixar claro o quanto o amor desse Pai é grande e o quanto ele é suficiente para superar em muito qualquer atitude avessa a esse amor, que o filho venha a tomar. E Jesus não fez isso somente através de parábolas, mas em todas as vezes que mencionava o caráter de Deus, o fazia com o seguinte princípio básico: Deus é um Deus que ama, pauta a sua justiça e o seu juízo exclusivamente no amor, e é da clareza deste princípio que surge a pergunta: Porque Deus amaria mais a nós, filhos egoístas e insensíveis, fazendo com que o seu Filho bom e fiel fosse castigado em nosso lugar? E nós cristãos, como podemos lidar com esta instigante questão sem apelarmos para argumentos fundamentalistas de que Deus sabe tudo e pode tudo?
 Muito embora não seja uma tarefa das mais fáceis, se procurarmos, encontraremos nos próprios evangelhos, principalmente no de João, algumas pistas que podem nos auxiliar no esclarecimento desta mais do que aparente contradição.
Primeiramente devemos levar em conta o ambiente cultural do primeiro século da nossa era. As pessoas comuns ainda não haviam assimilado a revolução cultural trazida pelos pensadores gregos, mas gostavam muito de assistir as famosas tragédias gregas, as novelas do passado, ainda que guardassem em seus pensamentos a concepção de um mundo povoado por deuses terrivelmente humanizados, que tinham inveja, ciúme e de todas as mazelas inerentes à natureza humana. Tais tragédias, grandemente influenciada por pensadores como Aristóteles e Platão, tinha como pano de fundo a separação do divino da crendice popular. Para estes pensadores, Deus estava além, acima e completamente isolado das paixões que eram próprias aos seres humanos. Para eles, Deus era uma inteligência incorruptível, que pouco ou nada tinha com a natureza corrompida da humanidade. Deus criou o mundo, deu corda, como que num relógio antigo, e o deixou à própria sorte para que se desenvolvesse sozinho. Se por um lado, esta nova visão concebeu Deus imune às mazelas, por outro, acabou isolando-o da vida cotidiana, transformando-o num ser inexplicavelmente distante.
Jesus nasce no exato momento onde este confronto de idéias se fazia mais acirrado. O mundo romano fazia um enorme apelo à racionalidade, dando total liberdade aos pensadores e pregadores de novas doutrinas, mas paralelamente usava a máquina do estado para exigir que todas as religiões divinizassem o imperador. Permitia os cultos exotéricos das religiões de mistério, desde que Cesar tivesse lugar de destaque no panteão. Ou seja, havia nos locais dominados pelo império, uma completa salada de cultos, filosofias, seitas e superstições. Neste contexto Jesus apresenta um Deus diferente, um Deus apaixonado. Um Deus que é movido por sentimentos puros, mas completamente distinto dos deuses antropomórficos do passado. Jesus apresenta o Teos Aphatós, o Deus apático. A palavra apático, que deriva da palavra grega pathos, tem sido muito mal usada nos dias de hoje. Ela tem servido para designar desinteresse ou mesmo impotência diante da vida, mas nos esquecemos de ela é da mesma raiz da palavra simpatia, que, por outro lado, denota aproximação e aceitação. No seu verdadeiro sentido, Deus Aphatós é o Deus que se importa, que faz questão de estar junto, que aceita, que quer de volta, mas que para isso, não estabelece um grau de reciprocidade. O Deus que ama, simplesmente porque ama.

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Surdo sim, amaldiçoado nunca

Anjo aparece a Balaão de Doré

No livro de Levítico, o que trata dos preceitos legais minimamente necessários para que Israel venha a postular ser aquela a quem Deus chamará de Nação Santa, vários aspectos do cotidiano são normatizados. E um dos mais curiosos fala do cuidado que se deve ter com as pessoas portadoras de deficiência auditiva, os surdos, como se dizia antigamente. Em Lv 19,14 está escrito: não amaldiçoarás o surdo. Não seria hora de nos perguntarmos por que essa simples inquietação tornou-se uma lei?

Embora eu também achasse estranho, algumas poucas ideias me ocorreram. Não seria porque o surdo, por não ouvi-la, e, desse modo, não tomando conhecimento, não teria como se defender da maldição lançada contra ele? Não poderia ser também uma prévia da lei do idoso e do deficiente? Ou seria Moisés, antevendo as dificuldades que lhe traria a sua gagueira, estivesse preparando terreno para incluir-se em algum benefício do INSS da época?
A palavra chave nesse pequeno trecho não é surdo e sim amaldiçoar. A Bíblia tem o mau costume de tratar o assunto maldição objetivando sempre o amaldiçoador e nunca o amaldiçoado. Por que isso? Por que as suas palavras são sempre para corrigir aquele que lança a imprecação, e nunca servindo como arma de defesa para aquele que a recebe? O que nós costumeiramente fazemos em primeiro lugar, nos confrontos entre ofendidos e ofensores, é defender a pessoa que está sofrendo a agressão, para depois, então, tratamos dos que a ofenderam. A troca do verbo amaldiçoar por ofender foi proposital para uma melhor contextualização desse tema. Hoje em dia quase ninguém amaldiçoa, xinga, fala mal, ofende, manda pro raio que o parta, até pra mais longe, mas amaldiçoar não está mais na moda. Se o Levítico fosse escrito hoje, fatalmente diria: não proferirás palavras pouco gentis contra o portador de deficiência auditiva. Essa seria a maneira politicamente correta.

Brincadeiras à parte. Por que a Bíblia está sempre nos ensinando a agir na contra mão da história? Quando nos flagramos sendo ofendidos ou mesmo sendo subtraídos de algum direito, o que nos ocorre de imediato é entrarmos com um processo legal, uma queixa na delegacia ou no tribunal de pequenas causas, isso, quando estamos com pressa. Mas a Bíblia nos ensina que é para cuidarmos do ofensor e não para comprar a briga do ofendido. Poderia muito bem estar escrito assim: o surdo que se sentir ofendido pode entrar com uma ação indenizatória no valor de até 50 (cinquenta) salários mínimos, mas não o fez.
Diante desse fato nós poderíamos supor, ainda que de forma embrionária, que ela não tem a intenção de dar a menor bola pra maldição nem pra ofensa? Que ela nunca leva em conta o poder que as palavras imprecatórias e injuriosas supostamente tem? Que na realidade ela pensa que isso tudo é uma grande besteira? Ela está nos dizendo que a maldição não pega, e nem a ofensa atinge aquele que tem a sua consciência sintonizada com os preceitos de Deus.
Mas então por que cuidar do amaldiçoador? Porque ela sabe que é esse quem está sofrendo de fato. Esse é o grande amaldiçoado, por assim dizer. De alguma forma ela entende que é ele quem de fato está com o espírito dilacerado e a alma em frangalhos. A Bíblia não ensina nenhum antídoto contra maldições, mas tem para a pessoa que amaldiçoa uma palavra libertadora, porque não são as palavras que saem da sua boca que a preocupam, mas sim a amargura que aquele coração está abrigando naquela hora. O hino sabiamente nos diz: vigia e ora, porque um coração pequeno, um temporal pode abrigarEssa é única maneira de cortar o mal pela raiz, de tratar das causas e não dos efeitos. 
Sem querer e nem ter competência para entrar no mérito da questão, me pego aqui imaginando o quanto seria bom se observássemos estes pequenos detalhes da lei de Deus. O quanto não nos pouparia de males maiores e de quanto não reduziria o volume de processos nos tribunais. Será que ainda precisaremos avançar mais dois ou três mil anos na nossa civilização para entendermos que a Bíblia está certa? Quem quiser contestá-la que o faça. Quem quiser colocá-la sob suspeita que a coloque. Mas no momento do confronto do indivíduo com a dor contida na sua alma, ela vai descobrir que é ele o surdo amaldiçoado, é aquele que não quis dar ouvidos ao a Bíblia diz. E aí, não vai poder deixar de admitir que aquele livro contém mais conhecimento do que o melhor jurista, que ele legisla melhor do que juiz mais justo, que ele é muito mais sábio do que o mais proeminente desembargador.

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Confissão, um pré requisito essencial

Baruc escrevendo as profecias de Jeremias de Doré 
Agora, Senhor, Deus de Israel, tu que fizeste sair da terra do Egito o teu povo com mão poderosa, com sinais e prodígios, com grande poder e com braço estendido, adquirindo assim uma fama que perdura até os dias de hoje, nós pecamos, agimos impiamente, temos sido injustos, ó Senhor nosso Deus, 
contra todos os teus mandamentos. Afaste-se de nós a tua ira, porque não somos mais do que um resto no meio das nações para onde nos dispersaste.
Escuta, Senhor, a nossa prece e a nossa súplica: livra-nos por causa de ti mesmo, e faze-nos encontrar graça diante dos que nos deportaram. Então saberá a terra inteira que tu és o Senhor nosso Deus, porque Israel e a sua descendência invocaram o teu Nome. Senhor, olha do alto da tua morada santa e pensa em nós; inclina, Senhor, o teu ouvido e escuta; abre, Senhor, os teus olhos e vê. Pois não são os mortos do Hades, aqueles cujo espírito foi retirado de suas entranhas, que renderão glória e justiça ao Senhor. Mas o ser vivo, embora cumulado de aflição, o que caminha curvado e enfraquecido, com olhar desfalecido e a alma faminta, eis quem te renderá glória e justiça, ó Senhor.
Não é apoiado nas obras de justiça de nossos pais e nossos reis que depomos a nossa súplica diante de tua face, ó Senhor nosso Deus. Pois desencadeaste o teu furor e a tua ira segundo havia falado por intermédio dos teus servos os profetas. Baruc 2.11-20
Uma parte excelente da herança que a mensagem profética, o judaísmo tardio e a igreja primitiva legaram ao Cristianismo está se escoando pelo ralo sem que se dê conta disso. Elemento fundamental e constante nas liturgias pré e pós exílicas, como também nos primeiros cultos cristãos, a confissão de pecados precedia qualquer manifestação de louvor, qualquer súplica, qualquer forma de pregação da Palavra e a qualquer desafio de conversão, o que faz com a negligência praticada hoje seja tão injustificável quanto absurda. Como imaginar que o Deus justo e verdadeiro decida inclinar seus ouvidos para alguém que o invoca com “as mãos sujas de sangue”? Foi com esta mesma pergunta que os profetas denunciaram as formas de culto que omitiam a confissão no passado. Sem confissão não há perdão de pecados, e sem perdão de pecados qualquer, forma de culto a Deus se torna nula de propósito.
Não seria no mínimo curioso que é de um dos livros que cobrem o período intertestamentário, omitido no cânon usado por algumas igrejas reformadas, que surge a mais perfeita e exemplar forma de confissão de toda a literatura bíblica. A confissão de Baruc, considerada apócrifa e mais tarde elevada à categoria de deuterocanônica, é inegavelmente a mais inspirada oração de contrição que já foi dirigida aos céus. Sem querer promover uma nova edição da Bíblia ou mesmo destacar a importância desta literatura para a educação cristã, devo dizer que o propósito desta meditação é enfatizar os pontos nos quais o escriba de Jeremias se firmou para se tornar mais um a denunciar as estranhas formas de culto ao Deus da Bíblia.
É norma exigida pela própria Bíblia que toda tentativa de aproximação de Deus deve começar com o reconhecimento do abismo que existe entre ele e o pecador. Reconhecer que Deus é Deus e santificar o seu nome, está acima de qualquer outro propósito na oração. Assim a confissão de Baruc começa, destacando o poder de Deus e a sua fama, palavra que hoje substituiríamos por glória, por estar menos desgastada. Mas é imprescindível que se entenda que este ato não tem por finalidade conferir glórias a Deus ou entronizá-lo, como se canta em algumas músicas atuais. Trata-se de conhecermos a nossa pequenez e de colocarmos no nosso devido lugar: o lugar de coisa nenhuma, o lugar de pecadores vis, o lugar de quem é inexoravelmente infame, sem fama. Somente quando estabelecemos esta distância é que nossa aproximação tem alguma chance de começar. Este ato, na sua simplicidade, elimina de vez qualquer tentativa de reivindicarmos a sua graça por mérito ou justiça. A justiça que se extinguiu com o descumprimento de todos os mandamentos, desde o menor até o mais relevante, um descumprimento que se deu tanto por mim como indivíduo, como pelo povo do qual sou integrante.
É importante que se diga também, que quem faz a oração não deve se valer do fato de ser o porta voz, e nem de ser o motivador da oração, para com isso diferenciar-se dos demais pelos quais está orando. Ele tem que ter a consciência de que está inteiramente contaminado pela cumplicidade em todos os delitos cometidos. É preciso estar mergulhado na multidão para que nos reconheçamos como povo, e é preciso assumir o pecado de todos como se fosse o próprio, para que não se estabeleça qualquer diferença entre aquele que ora e aqueles por quem se ora.
Outro dado importante da confissão é o reconhecimento de que não existe nada que nos faça minimamente merecedores do que estamos pedindo. O autor da oração acima, não encontrando em si o menor atributo de dignidade, invoca a Deus para que haja em seu favor tendo como único argumento a misericórdia desse próprio Deus. Unicamente pelo fato de Deus ser o que é, e não por qualquer promessa que houvesse feito e estivesse na obrigação de cumprir: Livra-nos por causa de ti mesmo. Este é o elemento vergonhoso da oração, o que Deus nos dá é pela sua graça, não havendo garantias nem compromissos. Baruc tira completamente Israel do pedestal de nação santa e escolhida que havia usurpado, e reconhece a si e ao seu povo como apenas um resto no meio das nações. É fundamental que a igreja entenda o significado teológico do “Resto de Israel” e da influência que este tema teve na mensagem de Jesus.  Quando começou a estabelecer o Reino de Deus, o fez a partir daqueles que eram considerados como resto em Israel, porque é do resto que Deus fará surgir a sua verdadeira nação santa. Qualquer manifestação de orgulho ou reivindicação de privilégio era imediatamente condenada por Jesus, quando comparou duas orações disse que a correta era essa: Tem misericórdia de mim, porque sou um pecador. Esta é a oração que deveríamos ter sempre na ponta da língua.
Um fator de elevada importância na confissão é entender que Deus reina muito acima dos limites estreitos que a natureza humana está condicionada a viver, e que o simples fato de Deus desviar o seu olhar para enxergar a nossa situação e de inclinar seus ouvidos para nos ouvir, já é em si muito mais do que se pode almejar. Era preciso que se entenda que Deus precisa fazer esforço para nos enxergar no meio do lodaçal em que vivemos, e que é preciso mais do que simplesmente inclinar ouvidos para compensar a enorme distância em que nos encontramos dele. Baruc destaca este fato, clamando a Deus que do alto de sua santa morada execute uma “escalada descendente” para nos atender. Sua oração pede que Deus pense em nós, que incline seus ouvidos para nos escutar para que finalmente abra seus olhos para nos enxergar. Utilizando-se deste recurso antropomórfico, ele quer deixar claro que várias etapas devem ser vencidas para que Deus se proponha a nos dirigir um simples olhar.
A Teologia do NT pode até nos mostrar um Deus muito mais propenso a conceder favores do que este que Baruc nos apresenta, mas antes devemos perceber que este é um beneplácito gratuito, que nós humanos não temos motivo algum para esperar que seja concedido. Do ponto de vista de pecadores indignos, só nos resta implorar para que Deus siga a trilha apresentada por Baruc e nos assista em nosso estado natural.
Por fim, Baruc se valendo da sua condição de inferioridade, interpela Deus com o argumento de quem não tem mais nada para argumentar. Por se encontrar no limite entre a vida e a morte o escriba coloca-se como a última fronteira entre o homem e o culto a Deus. Baruc ainda consegue encontrar na sua miserável vida a única condição que o coloca em um estágio superior aos que se encontram no mundo dos mortos. Ainda assim eu posso te louvar, eles não, essa é a derradeira defesa de quem se vê sumariamente condenado. Longe de fazer um elogio à indignidade, Baruc está fazendo o caminho inverso ao que foi proposto por Habacuc, que mesmo na carência absoluta ainda encontra motivos para louvar a Deus. Baruc quer dizer que a alma faminta do errante encurvado pode prestar culto ainda que no limite da existência, mas é da parte de Deus, exclusivamente da parte dele, que este resquício de manifestação da sua justiça e da sua glória, pode ainda ser revelado. Uma revelação que não tem por finalidade a glória do próprio Deus, mas para que "o ser vivo que caminha curvado e enfraquecido, com olhar desfalecido e a alma faminta”, encontre meios para sobreviver ao seu pecado. 
Por mais que se diga que vivemos sob um novo mandamento, não há como subestimar o valor da confissão, da oração contrita, oculta e silenciosa na vida cristã. Vivemos permanentemente entre o pecado e a graça. Moramos entre a tristeza da confissão e a alegria do perdão. Retirar de nossa vida qualquer um destes elementos é fazer com que percamos completamente a dimensão do evangelho e da sua mensagem. Baruc é quem está certo. Para que valorizemos a vida abundante que Deus pode nos dar, se faz imprescindível que sejamos apresentados pessoalmente ao limite da morte, porque é de lá que deve ecoar a voz embargada da humilde confissão, para em seguida, o gemido lúgubre implore o perdão.

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Graça e Paz

Anunciação da Virgem Maria de Sandro Botticelli (1445-1510) 
Uma das características marcantes de uma cultura é a forma como as pessoas se saúdam. A saudação, antes de ser mera formalidade, é tanto a revelação do estado emocional de quem saúda como a demonstração de empatia com quem é saudado. Ao longo da história algumas formas de saudação ficaram marcantes. Entre a simplicidade do aloha dos havaianos e o complexo protocolo da coroa inglesa, várias formas e maneiras podem ser observadas. Porém, jamais existiu uma saudação tão abrangente e tão carregada de sentimentos como a que Paulo faz nas cartas às igrejas do primeiro século: Graça e Paz.
Dita assim ou acrescentada de pormenores pessoais, o que parece aos olhos da tradição cristã um simples cumprimento, é um volume de manifestações e expectativas que trazem o mais completo ensejo que o espírito humano pode expressar. Paulo, nesta saudação, não somente apresenta o saudável otimismo e a profunda alegria do pensamento grego encerrada na palavra XARIS (alegra-te e passa bem), como abre a casca da sisuda tradição judaica expondo o seu melhor fruto, o SHALOM.
É bastante difícil para o pensamento tecnológico e especializado da atualidade, entender como simples palavras possam conter tamanha diversidade de significados. XARIS, que traduzida por graça, é expressão da benevolência, da beleza, do respeito, da recompensa, do prazer, da alegria, do regozijo, da felicidade, da paz interior, como também de uma série de outros beneplácitos, somente rivaliza com a profunda significação do SHALOM. Aquilo que traduzimos simplesmente como paz, evoca a mais complexa rede de interpretações que se pode pensar. Estar no SHALOM é ser completo e inatingível. É a alegria de se completar uma habitação, tanto na construção como nos utensílios. É a restauração de coisas em absoluta integridade. É apaziguar um feroz credor. Enfim, a paz do SHALOM não é um simples estado de oposição ao tempo de guerra. É o estado em que o homem vive em paz pela certeza de ser responsável diante da natureza, da justiça com relação ao seu vizinho e da retidão perante Deus. Então, que importância teria uma simples saudação dirigida às igrejas primitivas para merecer destaque que agora fazemos?
Para estabelecermos um ponto inicial deveremos fazê-lo a partir do próprio autor da saudação que é, até onde sabemos, nada menos que o apóstolo Paulo. Então o que seria graça e paz para Paulo? Se pudéssemos trazer Paulo para os nossos dias, constataríamos a sua eficiente adaptabilidade a qualquer ambiente. Criado como cidadão romano na cultura grega e na tradição rabínica, ao se converter ao cristianismo, herda o pior dos mundos. Deixa para trás a milenar e respeitável religião judaica, e não adere às religiões de mistério que predominavam no supersticioso Império Romano.
Para quantificarmos a profundidade da cultura de Paulo, tomemos como exemplo dois fatos marcantes em sua vida. Primeiramente, quando confronta a comunidade de Corinto que estava confundindo manifestações do Espírito Santo com fenômenos originários do paganismo, tais como a glossolália. Paulo desafia aos que, afirmando-se superiores, seduziam a igreja através da introdução de uma nova cultura, como sendo mais culto que eles todos: “Dou graças a Deus, porque falo em outras línguas mais do que todos vós” I Co 14,18. Um segundo episódio, se dá no palco central da capital cultural do mundo, o Areópago em Atenas. Paulo ali faz um sermão, que do ponto de vista da oratória é simplesmente fantástico, encantando as mentes mais brilhantes que a civilização conhecera. Mas felizmente para o mundo cristão e para a progressão do evangelho, este é o sermão que assinala a conversão do exímio orador em um obstinado pregador.
Outro aspecto nos dá conta da complexa vocação do apóstolo. O que Paulo tem nas mãos é o difícil compromisso de não deixar que a nova fé se torne um novo ramo do judaísmo, mas que também não venha a descambar para o misticismo pagão das seitas, crenças e religiões da época. Paulo tenha a plena consciência de que o seu ministério o colocará em reta de colisão contra esses dois mundos. Paulo, o apóstolo dos gentios, traduz o evangelho para as diversas línguas, culturas e tradições do vasto mundo romano. Somente uma pessoa com a visão acurada das virtudes e bênçãos, das mazelas e contradições das culturas gregas e hebraicas, tem a autoridade moral para a elas se dirigir com propriedade e de forma igual para com todos. É esta a visão que ele mesmo esboça em seus textos quando escreve: “já não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher”.
Graça e paz é a saudação que indistintamente todos podiam entender. É apelo de um homem à unidade que fora exigida pelo seu Senhor e Mestre, “para que todos sejam um”, que agora está profundamente maculada pela discriminação que os “evangélicos” fazem a outras denominações e outros credos.
Outra indagação, diz respeito ao impacto que a saudação visava provocar. Ao estender a bênção de Abraão aos povos, cujas expectativas não iam além de ter um dia de paz longe da ira dos seus deuses, Paulo anuncia que “nós que não éramos, agora somos povo de Deus e agora também herdeiros da promessa”. Quer você diga boa noite, hi, aloha, benevindo, Xaris ou shalom, você está incluído, você é aceito. Não pelo que você é ou pelo que fez, mas pelo que Cristo fez por você. Com esta saudação, Paulo não faz um discreto convite no pé da página, e escreve no cabeçalho com letras gigantes: “são benditas todas as famílias da Terra”.
Esta é a fé cristã, um mover do Espírito que transforma um simples cumprimento, num impregnado de bênçãos e desafios que fazem com que nos importemos uns com os outros. Então ficam as perguntas: Por que em nossas saudações, em vez de procuramos nos esmerar em combinar adjetivos e virtudes, não recorremos à simplicidade do óbvio e à praticidade do que já deu certo? Por que buscarmos nas formas de saudação estranhas à nossa fé e aos olhos dos não cristãos elementos que comprometem e dificultam esta aproximação tão desejada? Por que tentar inventar quando o que já nos foi ensinado é tão mais completo e oportuno? Quem sabe seja a hora de tomarmos posse de uma verdadeira benção, a de usufruirmos do maior legado que este apóstolo nos deixou? A pura e simples fé em Cristo: “Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei”. 

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Apostasia: como, quando e onde.


Bezerro de ouro, Cosimo Rosselli (1439-1507)
A palavra apostasia, de onde deriva o verbo apostatar que é muito traduzido por renegar a fé, recebe significados diferentes de acordo com a época. Não havia ateus no AT, nem mesmo entre os povos estrangeiros, por isso, apostatar não era simplesmente renegar seu deus, era seguir outro deus que não o seu. O contexto da apostasia no AT estava sempre relacionado à quebra da aliança. Aliança entre Deus e seu povo. Uma ruptura, a troca de um deus por outro, era um fenômeno realmente raro naqueles tempos, e a Bíblia quer nos fazer acreditar que só acontecia
com o povo de Israel. Acaso trocou alguma nação os seus deuses, que, contudo não são deuses (Jr. 2.11). Pelo menos Jeremias não tinha notícia de que fato semelhante acontecia entre os povos pagãos, a não ser, e com bastante frequência, com o seu próprio povo. Sem intenção de querer dizer que os fins justificam os meios, o AT nos mostra que num momento crucial da vida de Jó, sua mulher sugere que ele renegue Deus amaldiçoando-o, o que levaria Jó a se livrar definitivamente do seu mal. Os teólogos chamam a atitude sugerida pela mulher de Jó de eutanásia teológica, pois segundo a crença da época, quem amaldiçoasse Deus morria fulminado em seguida.
Mas apostasia não era somente renegar Deus amaldiçoando-o, era atentar contra tudo que estava contido nas prescrições da aliança. Nas páginas do AT uma aliança com Deus era que algo responsável que era comparado ao matrimônio, e o rompimento desta era considerado adultério. Mas é no NT que a quebra da aliança torna-se complexa e muito mais sutil. Embora o cristão possa deliberadamente de várias maneiras apostatar, infringindo qualquer dos fundamentos do evangelho, é muito mais difícil se detectar tal atitude. Não é uma palavra pronunciada ou uma intenção levada a cabo que joga de imediato uma pessoa nas trevas da apostasia. Talvez seja por isso que a apostasia se tornasse um dos sinais mais alarmantes da literatura escatológica. João, o visionário, desdobra-se em argumentos, imprecações e ameaças para dizer à sua igreja que não é somente sob o rigor da perseguição romana que a fé deles será posta à prova, mas principalmente nas sutilezas. Paulo já tinha feito esta advertência anteriormente: Tende cuidado para que ninguém vos engane com suas filosofias e sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo (Cl 2,8-9).

 

Ex 16

Temos aí uma denúncia clara contra a apostasia? Qual seria o tipo ou a forma de apostasia praticada? Neste caso o povo não faz exatamente uma troca de deuses, não existe a intenção de se seguir outro deus, nem de adorar a Ged, Rah ou Anubis, etc. A apostasia, neste caso, se dá pela subversão do projeto libertador de Deus pela escravidão egípcia. A liberdade traz consigo responsabilidades, as quais o povo escravo não estava acostumado. Eles eram forçados ao trabalho vil, mas seu sustento material era providenciado pelos seus opressores. Quando o povo se vê no deserto, tendo que contar apenas consigo mesmo, é tentado a voltar e subjugar-se novamente a Faraó. O povo não queria saber do pão minguado, que é tudo o que a liberdade podia oferecer no momento, mas isso não é tudo. Temendo uma retaliação violenta dos opressores, eles pedem a Deus que os acompanhe na sua volta à escravidão.
Eles tinham saudade das panelas de carne e da aparente segurança que o Egito representava, mesmo que para isso fossem reprimidos e tivessem que abrir mão do exercício da vontade própria. Para eles era melhor a fartura na opressão que a miséria na liberdade. Eles não queriam servir ao Deus Libertador, queriam sim um deus que os servisse na escravidão. Esta é uma apostasia bastante evidente em nosso meio também nos dias de hoje. Aceitar o mau acordo em detrimento de uma boa briga, como diz o ditado popular. Assim como o povo recém liberto, temos verdadeiras ânsias de voltar à escravidão, seja ela de qualquer tipo. Basta que detectemos a perda de alguma mínima vantagem para que a liberdade nos é proposta suma pelo ralo.
Este é um pecado contra o caráter libertador de Deus. De um deus que não se deixa levar por barganhas, que não aceita conchavos, que não se manifesta através de meias mediadas, mesmo quando essas se mostram eficazmente benéficas. Estas são características dos ídolos, dos falsos deuses que recebem oferendas para desviar o olhar da iniquidade do povo. Deuses que não se importam com a moral, apenas com sacrifícios. Amós dizia: Também se deitam junto a qualquer altar sobre roupas empenhadas, e na casa de seu deus bebem o vinho dos que têm sido multados (2,8).Estranhamente ele escreve Deus co m “d” minúsculo, porém está se referindo ao Deus verdadeiro, mas que se sente como um simples ídolo, quando é adorado com ofertas que são fruto da exploração e da injustiça.

Ex. 32.1-7

Este é o conhecido texto do bezerro de ouro. E as perguntas são as mesmas: Temos aí uma denúncia contra a apostasia? Qual seria o tipo ou a forma de apostasia praticada? Logicamente que os hebreus não eram burros. Eles sabiam muito bem que aquele bezerro construído há dez minutos não era o deus que os libertara do Egito. É bem mais provável que o bezerro representasse Moisés, que havia subido ao monte e os havia abandonado num vale de incertezas. Até então, eles não se importavam de não terem visto Deus, eles tinham Moisés. Aquele povo estava recém liberto de um longo período de escravidão de uma nação onde o que mais importava era o visual. Quando se fala em Egito nos lembramos imediatamente de pirâmides, e cada Faraó queria fazer maior e mais vistosa que o seu antecessor, da esfinge. Até o mundo dos mortos para eles era visível, eles o faziam através das múmias. O povo hebreu é desafiado a uma nova realidade. É chamado a cruzar o deserto onde não há nada para se ver. Uma realidade onde aquilo que é mais real, que é Deus, é invisível.
O pecado aí é contra a transcendência de Deus. Neste caso, não importa tanto a questão visível-invisível, ou mesmo se tratar de um culto a outro deus. O que prevalece é que o bezerro foi fabricado em ouro, símbolo máximo do poder, para representar a sede do poder de Deus. Eles estavam circunscrevendo o poder de Deus aos limites da influência da estátua e ao seu valor em ouro. Este é um sinal de que apostasia pode muito bem se dar no culto ao Deus Verdadeiro, desde que considerados apenas os atributos de Deus que nos são convenientes. 

I Rs 12.26-33

O cenário é o cisma. A divisão do povo hebreu em dez tribos do norte e duas tribos do sul. Ao morrer, Salomão não havia preparado devidamente o seu sucessor. Roboão, seu filho, fez um governo que conseguiu oprimir ainda mais o povo, que aquela altura já estava sobrecarregado de impostos. As tribos do norte, que há muito estavam esgotas financeiramente, rebelaram-se contra essa injustiça lideradas por Jeroboão, deixando deste modo de se subjugarem ao rei em Jerusalém. Estabeleceram sua capital em Samaria e ali coroaram Jeroboão seu novo rei. Mas ainda havia um problema a ser resolvido. O templo ficava em Jerusalém, e segundo o seu antigo costume, o povo tinha que ir constantemente a Jerusalém para adorar a Deus. Assim voltamos às mesmas perguntas de sempre: temos aí uma denúncia contra a apostasia? Qual seria o tipo ou a forma de apostasia praticada?
Esse não era de forma alguma um problema de cunho religioso. Havia ainda nas tribos do norte a consciência do seu compromisso com a aliança com Deus, o problema era político. Jeroboão viu que se o povo continuasse a ir ao templo em Jerusalém, fatalmente iria reconhecer o rei de Jerusalém como seu rei. Não querendo perder o seu poder político, lançou mão de um artifício religioso. Em vez de lutar contra a divisão do seu país, preferiu garantir a coroa. Para evitar o seu drama, construiu dois altares, um em Dã e outro em Betel para que o seu povo, nesses lugares, fizesse sacrifícios a Deus. Através dessa arremedo dividiu o povo, e o povo dividido virou presa fácil na mão dos impérios vizinhos. O cisma aconteceu em 931 a.C., logo depois, em 722, o reino do norte foi varrido do mapa pelos assírios. O povo foi sacrificado no mesmo altar que havia construído.
Existe aí uma inequívoca tentativa de manipulação de Deus. Mas para tanto eles precisam antes torná-lo material, porque é impossível se manipular um espírito, ainda mais o Espírito de Deus, que de forma alguma emprestaria seu nome a tal arranjo. Esta é apostasia que se revela quando tentamos através de artifícios religiosos contornarmos situações as embaraçosas da nossa vida secular.

Jo 20.19

Temos aí uma denúncia contra a apostasia? Qual seria o tipo ou a forma de apostasia praticada? O evangelista João fez questão de registrar uma falha no comportamento de todos os discípulos denunciando a sua covarde reclusão por medo dos judeus, ainda que o próprio Jesus já os tivesse alertado quanto a este perigo: Não temais os que matam o corpo, e não podem matar a alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo. Seria esse medo uma forma de apostasia?
Primeiramente nós não devemos confundir ter medo com apostatar. A situação para os cristãos se apresentava perigosa tanto por parte dos judeus quanto por parte dos romanos. A violenta e injusta morte do seu mestre ainda estava latente em seus pensamentos. Mesmo depois do derramamento do Espírito, havia temor entre eles, e temor muito bem fundamentado em virtude das perseguições que se seguiram. O Espírito Santo os dava coragem, mas não os anestesiava, ou alguém pensa que eles não sofreram com as dores das mutilações e violências narradas no capítulo 11 de Hebreus. A exigência da fé era de ser fiel mesmo diante da morte, mas em momento algum os encorajou ao suicídio ou à morte prematura e voluntária.
Existem muitas falhas de nossa parte quando julgamos as atitudes dos nossos irmãos do passado. Variamos entre ser complacentes demais, buscando exaltar somente os seus melhores momentos, ou os executamos sumariamente pela primeira impressão que a leitura de um texto sem qualquer aprofundamento no contexto, nos causa. Talvez seja porque estejamos sempre querendo competir com a fé de deles, para nos tornarmos, aos olhos de Deus, heróis na fé. O rev. Forsyth tem muito a nos ensinar sobre isso. Ele disse: Seria muito bom se nos libertássemos da ideia de que fé é uma questão de heroísmo espiritual, que apenas alguns cristãos seletos conseguem ter. Existem os heróis da fé, é verdade; mas a fé não é apenas para heróis. É uma questão de maturidade espiritual; é para adultos em Cristo.

At 5.1-10

Talvez este seja o mais enigmático de todos os textos do NT justamente pelas diversas interpretações que lhe são sugeridas. A ruptura abrupta desta narrativa colabora mais ainda com a confusão geral, e é por isso que devemos nos concentrar exclusivamente nos aspectos que nos interessam para o momento.
O final do capítulo quatro do Livro de Atos narra o cotidiano dos cristãos no começo da igreja: viviam em comunhão, eram um só coração, uma só alma. A narrativa desce aos detalhes da vida econômica da igreja primitiva: vendiam o que possuíam e entregavam aos apóstolos, e repartiam tudo em comum. É bom frisar que esta é uma característica da Igreja de Jerusalém, e não um paradigma para as demais igrejas cristãs. Também não devemos nos esquecer que a expectativa da volta de Cristo era urgente, naquele mês ou, no mais tardar, no mês seguinte. Tudo colaborava para a firme convicção no final dos tempos, onde Jesus voltaria e resgataria do mundo a sua igreja.
Dentro deste quadro aparecem Ananias e Safira que são contados entre os discípulos dos apóstolos. Depois do deu-não-deu, vendeu-não-vendeu, voltamos às nossas perguntas pertinentes: Temos aí uma denúncia contra a apostasia? Qual seria o tipo ou a forma de apostasia praticada? Para darmos resposta a essas questões vamos investigar as outras questões que o próprio texto levanta: Enquanto o possuías o terreno, não era teu? E se fosse vendido, não estava o valor em teu poder? Por que é que combinastes entre vós provar o Espírito do Senhor? Provar aí não é sinônimo de experimentar, mas sim de testar, de colocar a prova. O casal quis pagar, ou no caso, não pagar para ver. Eles queriam saber o quanto eles poderiam estar dentro, estando fora.
Percebe-se que neste conjunto dos capítulos quatro a seis deste Livro dos Atos dos Apóstolos essa interação entre a comunidade cristã e o povo de Jerusalém. Já nesta altura, passados os confrontos do Pentecostes, aquelas acusações de que estavam bêbados, os cristãos haviam conquistado o respeito e a estima dos habitantes de Jerusalém. Em Atos 5 lemos: E muitos sinais e prodígios eram feitos entre o povo pelas mãos dos apóstolos. E estavam todos de comum acordo no pórtico de Salomão. Dos outros, porém, nenhum ousava ajuntar-se a eles; mas o povo os tinha em grande estima; e cada vez mais se agregavam crentes ao Senhor em grande número tanto de homens como de mulheres, a ponto de transportarem os enfermos para as ruas, e os porem em leitos e macas, para que ao passar Pedro, ao menos sua sombra cobrisse alguns deles.
Ou seja, não somente a comunidade cristã respeitava e tinha compaixão do povo, como, da mesma forma o povo os considerava pessoas de bem. Ananias e Safira talvez estivessem ainda no grupo dos admiradores, ainda se sentiam discípulos, mas, ao mesmo tempo, queriam fazer parte do grupo seletos dos admirados pelo povo, e escolheram conquistar esse status por outro caminho. Se eles tivessem pregado a Bíblia nas praças, ou se prostrassem nos altares dos templos fazendo orações intermináveis, ou ainda se autointitulassem profetas, bispos, apóstolos e posassem frente às congregações como enviados exclusivos de Deus, tudo bem. Estariam eles enganando a si mesmos e a alguns incautos. O que eles não podiam, e ninguém deve tentar, é enganar ao Espírito Santo de Deus.  
Estas não são simplesmente apostasias, não se trata de abandonar uma religião e transferir-se para outra, ou mesmo trocar de denominação. Estas são tentativas sórdidas de negar o caráter de verdade e de justiça de Deus, de querer fazer dele um ídolo cego, surdo e, principalmente, mudo, de esconder a verdade debaixo de doutrinas e regimentos. Mas do que nunca precisamos reconhecer que somos carentes da graça mais do que realmente imaginamos. Pois só ela pode nos fazer enxergar de onde viemos, onde estamos e que caminho temos seguindo. Para mim, o rev. John Newton, autor de Amazing Grace, tem a oração que encerra e resume tudo o que foi dito em apenas uma frase: Não sou o que devo ser, não sou o que quero ser, não sou o que um dia espero ser; mas graças a Deus não sou o que fui antes, e é pela graça de Deus que sou o que sou.

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Cumpre a ti dominá-lo

Portões do Paraíso de Lorenzo Ghiberti (1378-1455)
Gn 4, 1-9
Do que exatamente trata este texto? Seria apenas uma narrativa fria e parcial do primeiro homicídio? Parcial porque a intenção do crime é algo inconclusivo, e fria porque relata mais um caso de morte por motivo torpe e banal. Mas se o texto tratasse somente disso não mereceria estar na Bíblia, naquela que acreditamos ser a Palavra inspirada por Deus. Visto deste ângulo, esta narrativa figuraria melhor na capa de um jornal sensacionalista. Contada desta maneira fica parecendo um filme de ficção, um fato que aconteceu há muito tempo numa galáxia distante.
Mas alguém poderia perguntar se esta é uma abordagem válida. Penso que sim. Afinal, não há nada de errado em colocar as coisas nos seus lugares, em dar nome aos bois. O assassino foi mesmo Caim e ele matou por motivo vil. A partir dessa premissa podemos desenvolver todo um processo de condenação, cujo crime, embora não estejamos livres, estamos bem distantes de cometer. Depois disso, só precisamos abrir o Inferno de Dante e determinar em que nível do inferno Caim passará a eternidade. A abordagem é fiel, mas ela nos é suficiente? A Bíblia se ocuparia em nos fazer chutar cachorro morto, ou o texto tem algo mais profundo que tenta nos falar mais de perto?
Como ponto de partida temos este pequeno texto para nos servir de base: o pecado está à tua porta, cumpre a ti dominá-lo. Algumas traduções o expõe sob forma de pergunta: o pecado está à porta, podes tu domina-lo? Para que se faça uma leitura séria é preciso perceber que existe uma questão legal por trás dessa história: o direito à terra. Quem tem o direito à terra, o agricultor Caim, ou o pecuarista Abel? Este é um impasse milenar cuja solução está bem longe. Os dois segmentos são imprescindíveis, tanto a agricultura quanto a pecuária. Os dois são legítimos, os dois estão dentro da lei, os dois são interdependentes. Contudo, para a economia selvagem são completamente excludentes. Um depende do outro mas não conseguem conviver, principalmente quando se trata do terreno semiárido da Palestina, onde as faixas de terra fértil são escassas.
Tanto hoje como naquele tempo é uma disputa constante entre os grandes latifundiários e os pequenos pastores. Essa luta tem a idade da humanidade. Desde que, segundo a arqueologia, este ser se chamou humano, a luta pela terra existe, e é por isso que desde que o homem é homem, o mundo jamais experimentou um único dia de paz.
Alguém pode alegar que não era o caso específico dos dois irmãos, afinal, eles tinham o mundo todo. Porém, mesmo que aceitemos a versão literal, que entendamos a história como fato, temos que nos lembrar que o texto foi escrito tardiamente, quando o conflito era real, quando pessoas se matavam por muito menos que um pedaço de terra. A Bíblia não está simplesmente contando uma história, está fazendo uma denúncia das atrocidades que aconteciam e continuam acontecendo. Porque mesmo que não venhamos a matar, esta morte é um problema que podemos sentir de perto. Este é o pecado que podemos chamar de universal. Desde muito cedo ele espreitou à porta de Caim e continua a espreitar à porta da humanidade, e como diz a Bíblia: cumpre a nós domina-lo. Será que podemos?
Seria preciso identificar de antemão contra quem é esta luta. Quem são os promotores da guerra os profetas denunciavam há tempo. Isaías 5,8 diz: ais dos que ajuntam casas a casas, juntam campos com campos, até não deixar lugar, e viver só eles no meio do país. Miquéias 2,1 é muito mais enfático: Ai daqueles que planejam iniquidades e tramam o mal em seus leitos. Ao amanhecer eles o praticam, porque o poder está em suas mãos. Se cobiçam os campos, eles o roubam, se casas, eles as tomam. O culpado é sempre o poder, porque o poder sempre se achou no direito de ter qualquer coisa e de fazer qualquer coisa para que isso aconteça.
Voltando à nossa história, na cultura semítica, o filho mais velho representava esse poder. Ele era o sucessor imediato do pai, aquele que recebia a maior parte da herança, quem mantinha os demais irmãos sob a sua autoridade. Na sucessão patriarcal o irmão mais velho sempre representou ameaça ao irmão mais novo. A predileção de Deus por Abel em detrimento de Caim vem trazer à tona essa questão. A Bíblia repete sistematicamente este tema. Foi assim com Jacó e Esaú, com Ismael e Isaque, com Raquel e Lia, assim também é com Abel e Caim. Estes textos tentam focar a predileção pelo mais fraco, pelo oprimido, pelo filho mais novo, pelo caçulinha, como dizemos.
Mas será que Deus como um Pai justo toma partido do mais fraco no sentido de ter um carinho especial por ele, ou será que quer dar um sinal da sua repulsa por aquilo que mundo considera natural e válido? Não poderia também ser a sua sentença sobre aquilo que o mundo julga ser imutável? Em suma: existe a tal opção preferencial de Deus pelo mais fraco em detrimento do mais forte? Não se trata aqui de predestinação, não é uma escolha definitiva de um povo em detrimento de outro, ou de uma religião em desprezo da outra. A história de Israel é a prova mais cabal desta realidade. Quando Israel era escravo das nações vizinhas, Deus vinha em seu socorro, para libertá-lo. Mas quando era Israel quem oprimia e escravizava outros povos, Deus também vinha, mas dessa feita como juiz, para puni-los.
A questão não para por aí, ela está mais próximo de nós que imaginamos. Podemos comprová-la na realidade mais atual. Existe em paralelo com a questão da terra um modismo, uma tendência cultural de época. No Brasil, a propaganda, os meios de comunicação e algumas pessoas influentes, tentam inculcar em nossas cabeças alguns dogmas. Os ambientalistas são muito bons nisso. Eles tentam fechar a questão em favor de um dos lados, e nos induzem a pender para um lado específico, sem questionar as razões para tal. Para os ambientalistas brasileiros, todo agricultor carrega uma enxada nas costas, ao passo que todo pecuarista tem centenas de milhares de cabeças de gado. É estereótipo do Jeca Tatu na sua luta inglória contra os latifundiários. Sei que muita gente não sabe o que é isso. Mas o cinema brasileiro por muito tempo bateu nessa tecla, da luta do pequeno lavrador rural contra os megaprodutores. Pouca gente sabia que eram os próprios pecuaristas que financiavam os tais filmes para dar um tom de vingança a uma causa que já estava perdida.
Os menos jovens vão se lembrar da Política do Café com Leite. Em São Paulo, nos anos de 1930, a classe dominante eram os cafeicultores, ao passo que em Minas, eram os pecuaristas. Esses dois grupos elegeram e depuseram presidentes. Mas para nós hoje o modismo segue outro modelo. A política agrária aceitável é essa: aumentar o rebanho, desde que não interfira na agricultura. Incrementar a produção agrícola, desde que preservem as florestas. E é uma política aplicada a todos os estados, não importando o grau de desenvolvimento nem o nível social.
Jesus conheceu bem de perto esse modismo. Sempre teve na sua mira o os saduceus, que ao lado dos fariseus, eram partidos políticos que existiam em Israel. Eu vou deixar que o mestre Clodovis Boff fale por mim quem eram os saduceus. Nesse partido se encontravam a classe rica, o alto clero, os proprietários de terra (anciãos como eram conhecidos). Como dá para desconfiar, era um partido totalmente “capacho”, pró-romano. Não tinham nenhuma posição crítica frente ao poder imperial. Por quê? Ora, porque ele era mantido sem nenhuma perspectiva messiânica. Eles não acreditavam na ressurreição e nem na vinda do Messias, porque o Messias significava mudanças e a ressurreição, nova vida. Eles se opunham a qualquer mudança, porque se beneficiavam da situação tal como ela era, e mantinham a ideologia da conservação. Eram extremamente conservadores e reacionários. Este partido se concentrava em torno do templo, tinha os papéis principais do governo colegiado do Sinédrio e detinha o todo poder político abaixo de Roma.
Ao sistema imposto pelos saduceus, deu-se o nome de legalismo, porque exigia o cumprimento rígido da lei. Como eram eles próprios que criavam algumas leis, e interpretavam as existentes com exclusividade esotérica, o sistema servia apenas para acobertar as iniquidades dos poderosos e manter o povo sob dominação. Como a sociedade em Israel era teocrática, isto é os governantes eram representantes de Deus na terra, vamos descobrir que não se tratava de uma dominação simplesmente política, era religiosa também. Jesus pregou com veemência contra isso: ai de vocês, escribas e fariseus hipócritas, que sequestraram as chaves da casa do conhecimento. Não entram e não deixam ninguém entrar.
Eu tenho um amigo que dizia que, quando a inflação acabasse no Brasil, dois segmentos iriam perder muito: os economistas, que não iam mais ser chamados para dar entrevistas, e os banqueiros. Ele estava só 50% certo. Só quem perdeu foram os economistas, os banqueiros ganharam mais e muito mais. E com essas leis ambientais, quem realmente ganha e quem realmente perde? Estamos falando do pecado que está à nossa porta como um animal feroz. Será que temos condição de dominá-lo? Quando é o caso de uma família que está precisando desmatar uma pequena área para sobreviver, para criar duas cabeças de gado ou para plantar uma rocinha? Diante desse fato o que as cartilhas ambientalistas mandam fazer? Rezar com os conservacionistas? Será que a solução é não desmatar e deixar esta geração morra de fome para que as outras sobrevivam? Há vários casos de pessoas que foram presas, e estão presas ainda, porque pescaram três peixinhos ou caçaram um gambá em reservas ambientais simplesmente porque estavam com fome. O que conta neste modismo é ser do partido do jacaré do papo amarelo, do boto cor de rosa ou do mico leão dourado, qualquer coisa fora que fuja deste contexto é crime inafiançável.
 Vamos terminar trazendo o problema para dentro de casa. Já falamos do pecado universal, do pecado nacional, agora vamos falar do pecado pessoal. Esta disputa territorial ocorre também dentro da nossa casa. O mundo moderno coloca frequentemente pais contra filhos, irmãos contra irmãos, cristãos contra cristãos. O pecado já não está mais à porta e sim dentro de casa, quando dois irmãos trabalham para firmas concorrentes que disputam o mesmo mercado, ou o mesmo cliente. Pais e filhos que advogam causas entre adversários. Para não comentar situações mais degradantes que envolvem sexo e drogas. Como pais, como mães e como irmãos, o que fazer nessa situação? Não vou mutilar o meu irmão, mas vou fazer o diabo para enfraquecer os seus argumentos. Não vou assassiná-lo, mas vou desqualificar a sua empresa para que a minha seja a preferida. Não seria isso uma forma de matar também? Em nome de uma competição absurda, coloca-se em jogo a sobrevivência. Nas situações de pecado anteriores é uma questão de vida ou morte. Ou o meu gado morre de fome ou a sua plantação vinga. Aqui é de morte ou de vida.
Essa deveria ser a decisão de Caim: escolher o lado para o qual pendeu a vontade de Deus, mesmo que lhe resultasse em perda imediata. A sua oferta, a oferta do poder foi rejeitada. Cumpria a ele acatar e mudar de lado, mas infelizmente ele preferiu o lado em que lhe era imediatamente benéfico, e assim fazendo declarou guerra contra a vontade divina eliminando sumariamente qualquer oposição a si. Notem que o texto nem fala da existência de um pecado anterior. O pecado de Caim não foi matar Abel, isto foi a consequência da escolha que fizera anteriormente. Deus ainda o advertiu: se você tivesse escolhido certo, agora estaria feliz e não irado como está agora. Assim fazendo, não deu a Deus outra possibilidade de escolha. Esta é também uma escolha nossa? Claro que é. Podemos até não ter influência para grandes decisões, mas é nas pequenas coisas que as nossas escolhas são reveladas. Quando escolhemos ficar do lado do poder, e nos assustaríamos em constatar as inúmeras vezes que isso acontece, quando esta opção nos é conveniente. O pecado também está à nossa porta, cumpre a nós dominá-lo. 
Deus sempre foi enfático em desprezar o poder; contra reis e sumo sacerdotes, enviou profetas, contra exércitos poderosíssimos, enviou sua Palavra, contra um mundo hostil, enviou uma criança. É exatamente este aspecto da natureza humana que Deus quer sensibilizar: a compaixão pelo mais fraco que existe dento de cada um de nós. Para isso ele nos diz que o improvável vence o inexorável, que a incerteza triunfa sobra a convicção, de que o fraco vence o violento e de que o humilde faz o exaltado morrer de vergonha. Diz-também nos para estarmos atentos, porque nem sempre somos os humildes, que nem sempre somos os mais fracos, que nem sempre somos os oprimidos. Podemos até levar a vida com ares de Abel, mas na realidade somos Caim na maioria das vezes. Muitas vezes não percebemos que a nossa oferta está sendo rejeitada em favor de outras que julgamos infinitamente inferiores. Por um lado, é até bom quando não percebemos, porque vamos nos flagrar em um sentimento profundo de irritação e de abatimento. Olha aí o pecado à nossa porta. Cumpre a nós dominá-lo. Será que podemos?

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Rei ou servo? Louvor ou serviço?

O Lava-Pés - artista holandês anônimo
O cristão é humilde? Uma das marcas visíveis do cristianismo de hoje é a humildade? As manifestações e expressões naturais do modo de ser de um cristão evidenciam esta virtude? As liturgias praticadas, nossos rituais de louvor e aquilo que cantamos através da hinologia atual testemunham esta marca indelével com qual Cristo marcou a si e a seus primeiros seguidores? Penso que antes de fazermos qualquer movimento na direção de buscar uma resposta para estas questões, devemos primeiramente analisá-las para sabermos se são ou não
 pertinentes ao nosso contexto. Pois, se por um lado constatamos que a piedade gregoriana e a humildade franciscana já não são mais consenso nem mesmo entre os fizeram a tais votos, por outro entendemos que os momentos de reflexão nas igrejas estão ficando cada vez mais escassos e por este motivo não podemos nos dar ao luxo de elucubrações além do extremamente necessário.

Como ponto de partida para a análise da prática da humildade hoje, devemos buscar na história da salvação as razões que fizeram com que o movimento inaugurado por Jesus, encontrasse, nessa virtude, fundamentos condicionais para a sua própria essência e existência. A mais destacada ênfase dada à humildade de Jesus na Bíblia se encontra em um cântico de louvor da Igreja Primitiva, que Paulo, muito sabiamente, incorporou à Carta aos Filipenses que, em rápidas palavras, diz: Pois ele sendo Deus, não julgou ser importante ser Deus. Abriu mão da divindade e a si mesmo se esvaziou, assumindo a figura de um servo. Este cântico não somente traçou um retrato fiel da vocação do enviado de Deus, como também estabeleceu um rompimento definitivo com as expectativas de um Messias que se anunciaria pela força, poder e prestígio.
Os falsos profetas não mediram esforços para deturpar a verdadeira mensagem do advento que os profetas de Deus anunciaram, para colocá-la nos moldes que a ansiedade do povo o imaginava. Daí então surgiu o Messias nobre, filho legítimo da realeza que assumiria pela força o trono da casa de Israel, o protótipo do super homem. Pouco havia de comum entre a mensagem profética e a expectativa do povo, por isso, para que se a verdadeira face do Ungido fosse revelada, foi necessário que Deus vocacionasse um profeta oriundo da nobreza de Israel, alguém que conhecia a intimidade promíscua de um rei, alguém que nascera dentro de um palácio e convivera de perto com a podridão da realeza, para que enxergasse o óbvio. Isaías concluiu que Deus não enviaria alguém tão ridículo como um rei, para executar o seu mais maravilhoso propósito. Longe de imaginar um Messias Rei, pois bem sabia o que era de fato um rei, Isaías anteviu o Messias inverso ao rei, um Messias Servo, submisso, sofredor e humilde.
A este sim dedica não um, mas quatro cânticos que radicalmente irão subverter tudo o que era esperado e tudo o que se havia sido profetizado até então. Se tomarmos como referência a fábula A roupa do rei, de Hans Christian Andersen, onde se descobre que o rei está nu, vamos perceber que os cânticos de Isaías vão muito além. Para Isaías, o Messias não é um rei despojado e nu, ele simplesmente não é rei. E o que essa mudança implicaria? Como reagiria o povo diante desta novidade? Como ficariam aqueles que, resguardados pelas mais sagradas tradições, esperavam um rei de fato? Não teria toda Israel ridicularizado o jovem Isaías? Menino louco! Menino burro! Não vê a roupa nova do rei?  A razão humana pode bem argumentar: Por que um rei poderoso, tão esperado e tão requerido, imbuído de todos os atributos e requisitos necessários para tanto, escolheria voluntariamente ser nada mais que um humilde servo?
Não há de fato nenhuma sensatez nisso.Toda essa nova visão se colocava diretamente na contramão da história, porque se existe uma relação estabelecida desde que o mundo é mundo é essa: o poder pertence ao mais forte. E este poder somente troca de mãos se e quando surge alguém comprovadamente mais forte ainda. As constantes mudanças na ordem mundial da nossa civilização foram conseguidas através de um único artifício: a tomada do poder pelo poder. Mesmo cientes de que sempre que um poder perverso foi destituído, seu substituto se mostrou ser ainda mais perverso, quando muito, mais sutil, mas igualmente perverso.
Eu sou um Deus, não sou um homem. Um santo no meio de ti. Imagino que apenas esta palavra de Oséias bastaria para que entendêssemos de vez que Deus não faria a sua extrema intervenção na história da humanidade nos mesmos desgastados métodos que nós humanos já sabemos ser ineficientes. Um Deus que santifica o seu nome e zela pala sua imagem, simplesmente não pode pensar ou agir como um usurpador de tronos. Deus foi criativo em todas as suas obras, por que não o seria justamente quando estava para trazer a novidade definitiva. É a partir deste conceito que o Messias profetizado por Isaías começa a fazer sentido. Um Messias que agiria contra os poderes estabelecidos completamente desarmado e de mãos vazias. Desprovido de qualquer prestígio; trazendo sobre si a repugnância de um mutilado e a vergonha de um excluído. Um Messias que veria nas entrelinhas das Escrituras que a maneira pela qual Deus triunfará, não será combatendo o mal com os instrumentos próprios do mal, mas espantosamente permitindo que o mal vá ao extremo, fazendo o seu pior, para que através do sofrimento do seu escolhido o poder do mal venha a se exaurir completa e definitivamente. Onde está morte a tua vitória?  Este é grito que desafia o poder. Tragada foi a morte pela vitória. Este o grito que anuncia que o seu servo finalmente venceu.
Não bastasse o fundamento histórico, a vida e a pregação do Messias, os seus mandamentos, não deixaram dúvidas quanto à importância da humildade no desenvolvimento e prática da fé. Os escritos do primeiro século registraram a rígida observação na conduta pessoal e comunitária, para que o menor sinal de orgulho vaidoso fosse alvo da devida admoestação. Não foram raras as situações em que Jesus e os herdeiros diretos da sua mensagem exaltaram a humildade ante a soberba. Jesus afirmou a humildade em suas parábolas, em seus sermões, em suas conversas íntimas e também nas respostas que dava aos que o questionavam diretamente. Desta forma, não há motivo algum para alguém imaginar que a prática da humildade seja circunstancial ou reservada aos momentos de culto. Contudo, esta é uma questão da maior complexidade e merecedora de cuidadosa reflexão. Devemos sempre perguntar a quem interessa de imediato que o cristão seja uma pessoa humilde: ao progresso do evangelho ou a este século que desdenha a humildade e idolatra a soberba?
Caso sejamos invadidos por idéias de levar em conta diferenças contextuais, lembremo-nos que estamos aqui para sermos imitadores de Cristo e não somente ouvintes da sua Palavra. Mas também é preciso considerar a real dificuldade que é criarmos filhos com princípios de humildade e altruísmo para os lançarmos em um mundo predador e egoísta. Ninguém disse que seria fácil, que seria exigido apenas o básico. Ou acreditamos que o fraco vence o forte, que o louco confunde o sábio e que o vil envergonha o exaltado, ou vamos para casa, porque é vã a vossa fé e vazia a nossa pregação. Então, como alguém ainda pode manifestar a humildade exigida pela consciência cristã? Quais as suas implicações disso para hoje? O que os seguidores imediatos de Cristo faziam que nós não fazemos?
Podemos começar pela diferença dos hinos. Enquanto o que se canta hoje o louva pela sua exaltação de servo a rei, os antigos o louvavam pelo despojamento no qual o soberano Deus se transformou em um humilde e sofredor servo. Não se trata de uma simples troca de posição social ou de empobrecimento ilícito. A troca se dá entre o sublime e o desprezado, entre o esplendoroso e o rejeitado.
A Igreja Primitiva no confronto com as demais religiões, inclusive com o judaísmo que lhe era próximo, não exaltava o seu Deus como poderoso acima de todos os deuses. A soberania de um único Deus não era assunto de discussão. Ela exaltava o seu Deus por uma atitude inconcebível a qualquer outro Deus, não pela medição de forças, não pelo desfile de poderes, mas pelo seu amor e misericórdia. Um Deus que não exigia nem oferendas nem sacrifícios, muito menos efígies ou templos em sua memória. A igreja louva um Deus que se antecipa a qualquer manifestação humana de se religar a ele, fazendo do seu próprio corpo o sacrifício e do seu próprio sangue a oferta pelo resgate.
Então, não sou eu quem o louvo, não somos nós que o entronizamos. O máximo que conseguimos ter é gratidão pelo que ele já fez. Nós o amamos porque ele nos amou primeiro. O mérito é exclusivamente dele. Somos apenas servos inúteis, que nada fazemos além do mínimo exigido.
Mas que finalidade prática tem isso? A que lugar isso nos leva que os hinos atuais também não o fazem? Em primeiro lugar nos leva à responsabilidade no serviço: Vocês de chamam de Senhor e Mestre, e têm razão, pois eu sou mesmo. Se eu, que sou o Senhor e o Mestre, lavei os pés de vocês, o que seria humilhante vocês fazerem uns pelos outros? Onde estará o limite do nosso serviço? Que missão estaria acima de nossa capacidade? Que tarefa estaria abaixo da nossa dignidade? Se Cristo lavou os pés de indignos de joelhos, como ainda nos resta a pretensão de servirmos aos outros de pé? De igual para igual? Paulo em I Co 4.11 nos dá as verdadeiras implicações deste serviço: Somos amaldiçoados e bendizemos, somos perseguidos e suportamos, somos caluniados e consolamos, somos considerados o lixo do mundo e a escória do Universo.
A segunda implicação diz respeito à hierarquia. Quando nos imaginamos seguidores de um Deus rei, imediatamente tomamos sobre nós as prerrogativas de amigos do rei. É um fator inerente a este status. Mas quando assumimos que somos servos de um Deus servo, estas prerrogativas desaparecem num piscar de olhos. Já não estou mais acima do bem e do mal, não sou mais imune às mazelas e atribulações que passam um humano qualquer. Eu sou sim, o mais indigno e humilde servo, e é aí que entra a exaltação à humildade. Sabemos que é extremamente complicado alguém ter a convicção de que adora o único e verdadeiro Deus em toda a sua onipotência, onipresença e onisciência, e ter como exigência considerar o semelhante, por mais miserável que possa ser, superior a si na hierarquia cristã. Como é duro ter que aprender desde muito cedo, que mendigos e prostitutas nos precederam no Reino dos Céus.
Em terceiro lugar entra a questão da matemática divina. A fórmula não é igual a do paganismo: quanto mais eu sacrifico, quanto mais eu louvo, quanto mais eu oferto, tanto mais Deus me abençoa. A fórmula passa a ser: quanto mais eu o amo e quanto mais eu lhe sou grato, tanto mais eu tenho obrigação de servir o próximo. É aí que toda a adoração e todo louvor se traduzem de repente em serviço.
Como uma visão antecipada do Juízo Final, podemos observar o que no juízo pessoal foi perguntado a Pedro na despedida Jesus Cristo do seu ministério terreno: Pedro tu me amas? Para qualquer resposta favorável a sentença proferida será sempre: Apascenta as minhas ovelhas

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