Tudo é vosso

Com o apelo de 1Co 3, Paulo esperava por um fim em umcapítulo obscuro da história da igreja, a divisão do corpo do Cristo que fatalmenteacontece quando esta elege um pastor, um bispo ou algo afim como seu padroeiro.Exortando severamente aqueles que estavam rachando a igreja, Paulo objetivava maisdo que inverter a ordem vigente em Corinto, igreja onde cada grupo de pessoasse orgulhava de pertencer a um determinado líder religioso. Assegurando que nãoé a igreja que pertence a eles, pelo contrário, eles é que pertencem à igreja,coloca os coríntios frente a frente com importantes compromissos que eles, comocristãos, estavam negligenciando através da prática da tietagem pastoral.Paulo, Pedro, Apolo e todos os demais que se seguissem a eles, estavam sob asua responsabilidade direta como cristãos, assim como a vida, a morte, opresente e o futuro também estão. Ninguém melhor do que o pastor que conseguiulevar o evangelho mais longe para dizer isto. Podemos notar claramente que elenão está tentando, como se costuma fazer hoje, transferir as responsabilidadesdo ministério pastoral para os membros, está sim colocando a casa em ordem edeterminando quem é quem dentro da igreja.

Quandolemos o texto citado, verificamos que as funções eclesiásticas foramcuidadosamente bem definidas por Paulo. Aos apóstolos, como ele, cabem olançamento da base da fé da igreja. Foram eles os comissionados diretamente porCristo para a obra de construção do alicerce, sobre o qual toda a igreja que sediz cristã deve ser edificada. Este é um forte argumento pelo qual não podemexistir apóstolos hoje em dia, o seu trabalho já está completo, sua presençanão é mais necessária, as bases da igreja já estão lançadas, e ninguém maisninguém lançar outra base sobre aquela que foi lançada, ou mesmo reeditar olançamento das mesmas bases. Isto seria negar completamente a ação do EspíritoSanto nos 2000 anos da história da igreja. Quando fala da base da igreja, Paulonão está se referindo às questões doutrinárias pelas quais as denominações seidentificam, e sim da base que faz com que todos nós cristãos sejamos o que nofundo realmente somos: a única, santa e indivisível Igreja de Cristo.Colocando-se como modelo de ministério apostólico, fala do limite de sua obra: a mim coube apenas plantar. Obra querealizou com alucinada perseverança, tornando-se o maior disseminador deigrejas de toda a cristandade.
Já para o ministério pastoral, aproposta que Paulo apresenta é inconfundivelmente outra. A respeito dospastores, reconhece que eles são essencialmente os edificadores, ou, para usara expressão grega encontrada no texto, os arquitetos. A estes pertence aconstrução de uma igreja fiel a Deus e à sua palavra, como também aconsolidação das doutrinas, ritos e costumes, que são a sua identidade denominacionalprópria no grande rebanho de Cristo. A eles não pertence nem o cálculoestrutural do fundamento da fé e nem aquilo o que a igreja assumedenominacionalmente, eles não são, ou pelo menos não deveriam ser, criadores dedenominações separatistas, e sim consolidadores da denominação, para que estaexecute a tarefa que lhe foi outorgada na grande comissão do Reino de Deus. Ocálculo, já foi feito no lançamento do fundamento da Igreja Cristã e as regrasda denominação, já existiam quando aconteceu o seu chamado para o ministério.
Também não cabe aos pastores o uso oua apropriação da igreja para a promoção pessoal. Nestes casos, ainda vale aregra maior de João, o Batista: importaque ele (Cristo) cresça e eu diminua. Eles são, dentro da comparação quePaulo fez com o processo de semeadura, aqueles que depois de lançada a semente,tem a responsabilidade de regá-la, função para a qual, em Corinto, foidesignado Apolo, o pastor que deu continuidade à sua obra. Outro bom argumentopara que o pastor de igreja não seja denominando apóstolo, missionário ou coisaque o valha, é a equiparação das funções, ou seja, aqueles que plantaram, nocaso os apóstolos, e aqueles que regam, os pastores, têm a mesma importância,isto é, nenhuma. Ambos são apenas cooperadores de Deus, para ser fiel aexpressão grega empregada, trabalhadores braçais sem qualquer qualificação. Omais importante é Deus que dá o crescimento da igreja, que é composta depessoas, que é a seara de Deus e o edifício onde habita o seu Espírito. SemDeus no processo de edificação e sem a igreja, de nada adianta plantar comcritério, ou regar com cuidado. A tarefa de ambos é reconhecidamenteimportante, e para tanto, pastores e apóstolos receberão o seu salário namedida do seu trabalho na construção da obra quando esta for provada pelo fogodo tempo e pelas intempéries das circunstâncias. Visando a solidez da obra,reitera Paulo: veja cada um como edifica.
Quantoà tietagem pastoral, Paulo dá uma verdadeira bofetada nos que querem usar oevangelho como promoção pessoal, nos chamados galãs de púlpito. No capítuloanterior da mesma carta ele diz: Quandofui ter convosco não me não usei um vocabulário pomposo e nem meu prestígio deapóstolo. Estive entre vós cheio de fraqueza, receio e tremor. A inspiradasabedoria de Paulo já havia tomado medidas e cercado a igreja de modelos eexemplos, para que os promotores pessoais de fama e de prestígios não secriassem entre eles. Paulo preparou a igreja para que aqueles que se valem deretórica e das manifestações de poder, que ainda são recursos ampla edescaradamente usados, não influenciassem os membros a se inclinar por este ouaquele pregador, e sim focassem, como ele, exclusivamente a mensagem que vem acruz de Cristo. Ele, o grande apóstolo, era o mais humilde e o mais penitenteentre todos os de Corinto.
Finalmente aos membros, o verdadeiro corpo de Cristo,cabe a responsabilidade da conservação, do uso e da aplicação prática do edifícioconstruído na obra de Deus no mundo. Muito embora, alguém tenha tido a infelizidéia de usar estes versículos para promover dietas espirituais, do tipo nãocoma isso ou não beba aquilo, quando Paulo diz que somos o templo de Deus e queo Espírito Santo habita em nós, está se referindo à responsabilidade que todostemos na conservação da igreja para que esta seja pura, santa e incorruptível comonum todo. Uma responsabilidade que não permite meio termo, ou assumimos ou caímosfora, porque sobre ela pesa uma severa advertência: Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá. Paulo estádizendo que somente aquele que é membro, aquele que faz parte do corpo, aqueleque está dentro da igreja, possui a capacidade de conservar íntegra ou de destruira igreja de Cristo desfigurando-a.
Atentem para o fato de que nem mesmo os apóstolos nopassado tiveram sobre si tal poder; nem os pastores em todos os tempos conseguiram,embora muitos houvessem tentado, e nem ainda as portas do mais terrível infernoforam capazes de fazê-lo. Somente o membro, um simples membro é quem tem sobresi o poder de destruir a igreja. Não bastasse a destacada importância que Deusconferiu aos membros de sua igreja, que faz com que não tenhamos motivo algumpara procurar em quem quer que seja motivo de orgulho, ainda pesa sobre nós aresponsabilidade maior sobre a sua obra, porque, como garante Paulo, tudo nos pertence:os apóstolos, os pastores, a morte, a vida, o presente e o futuro, tudo nospertence e tudo está sob a nossa responsabilidade. Tanto o membro mais antigoquanto à ovelha mais recentemente chegada ao rebanho gozam do mesmo privilégioe dividem os mesmos encargos.
Justamente por este motivo, quando fala da hierarquia entreos membros, Paulo utilizando-se, do capítulo um de 1Co, nos apresenta umargumento incontestável, quando a si mesmo se eximiu de ser objeto da tentaçãode ser visto pelos coríntios como “pai espiritual” de alguns poucosprivilegiados. Graças a Deus eu batizei amuito poucos nesta igreja: disse ele. Com este simples cuidado pretendiaevitar que se criasse entre eles uma casta de membros com pretensasuperioridade sobre os demais, alguém que quisesse se destacar pelo fato de tersido batizado diretamente pelas mãos do apóstolo. Paulo havia tomado cuidadopara que isso não acontecesse, para que ninguém se sentisse tentado a dizer: Eu sou de Paulo.
Uma rápida olhada no tempo presente constatará que oensino de Paulo naufragou completamente. O que mais se vê hoje são divisões daigreja lideradas por este ou aquele pastor e subdivisões dentro de uma mesmaigreja insufladas por membros cuja má liderança induz a sua separação em gruposrivais. São pastores que querem ostentar títulos cada vez mais escabrosos emembros querendo assumir funções pastorais simplesmente para se colocar em destaqueacima dos demais irmãos. A importância do ministério pastoral se elevou tantoacima da condição de membro, que qualquer pessoa agraciada com um domdiferenciado se autoproclama imediatamente pastor. O que mais se vê por aí sãocantores pastores e cantoras pastoras, cujo ministério se resume a cantar aquie acolá sem nenhum compromisso com o rastro que fica atrás de si. Nem mesmo aordem protocolar obedecem, colocando o título de pastor à frente de qualqueroutro.
Além do que, se hoje é pastor de um grupo, ditando umasérie de regras de conduta e fé, logo mais à noite ou quem sabe amanhã, será deoutro grupo completamente distinto, proclamando a sua verdade com as mesmaspalavras, e a si mesmo com invencionices cada vez mais ridículas. Isso não éregar, é desperdiçar água. Isso não é pregar, é jogar conversa fora. Isso não éevangelho, é uma seita inventada para ganhar prestígio e muito, muito dinheiro. 
Paulo,com as rápidas palavras do versículo que intitulam esta meditação, nos orientaem toda ordem de atitude e responsabilidade. Tudo é nosso, no sentido de quetoda a obra de Deus no mundo e tudo aquilo que é usado nela pertence à igreja.Não a um membro mais do que a outro, não a pastores ou líderes religiosos e nemmesmo à denominação seja ela qual for, mas ao grande rebanho de Deus que é simeste a sua igreja. Esta, por sua vez, pertence a Cristo, por ter sido compradaa um preço impagável, por ter sido resgatada de onde de onde não havia maisesperança. A igreja pertence a Cristo, mas não como sua propriedade exclusiva,por ela ele morreu em obediência ao seu Pai, e a ele quer entregá-la no fim dostempos, íntegra e imaculada. Onde não mais existiram judeus ou gregos, brancosou negros, homens ou mulheres, apóstolos ou pastores, e onde em uma vitóriafinal sobre toda o egoísmo e a indiferença, Deus será tudo em todos.

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