Natal é assim, ou não é Natal

Lc 3,1-14
Para os evangelistas, João Batista é ogrande sinalizador da chegada do Natal. É alguém que, de uma forma bastanteobjetiva, prepara o caminho para o nascimento do Filho de Deus, sem o que nãoirá acontecer. Ele é o precursor, é a Voz que Clama no Deserto que profetizouIsaías e aquele que vai aplainar os caminhos tortuosos para que o verdadeiro Natalaconteça.
A despeito do Batista ter a sua mensagemmuito bem contextualizada e cronologicamente bem registrada, dando-nos a realsituação política e religiosa dom seu tempo, devemos sempre nos perguntar: seráque esta mensagem seria atual se fosse proclamada em nossos dias, uma vez queele falou às multidões, falou aos publicanos e também aos soldados de suaépoca? E para quem esta mensagem falaria hoje, tendo em vista que Cristo jánasceu há dois mil anos?
Se considerarmos os soldados do seu tempocomo sendo a força policial e instrumento da justiça de hoje, imagino que Joãotenha muito o que dizer. A situação da época era amplamente favorável a quemestivesse investido de alguma autoridade, fosse ele soldado um romano ou mesmoum soldado do templo. Podia prender qualquer um por qualquer motivo, e atémesmo sem motivo algum. Bastava uma simples denúncia, mesmo que fosse falsa. Aoacusado cabia o ônus da prova, era ele quem tinha que provar a sua inocência.Isso nem parece ter dois mil anos, mas como diz o ditado: atrás do mentirosovem o ladrão. Se a denúncia falsa fazia parte da prática policial, o subornopara inocentar também.
Mas o que isso tem a ver com o nascimentode Cristo? Deixe o corrupto pra lá, vamos nós aqui comemorarmos o nascimento deCristo. Vamos cantar Pinheirinhos que alegria, Surgem Anjos, Glória a Deus nasAlturas. Sim, mas espere aí, Noite Feliz não dá pra cantar não. Se essa“parada” não for resolvida, não haverá uma única Noite de Paz para o extorquido,e sequer uma Noite de Amor para o corrupto. A mensagem de João Batista é maisque atual. Basta abrir o jornal cuja manchete traz o Secretário de Segurançacomo chefe de uma enorme quadrilha. Somente a crueza desta mensagem, que mostrao risco que é a vida de corrupção e que é possível se viver agora a perspectivade um novo tempo, pode fazer com que o soldado se arrependa e tome consciênciade que não deve usar de violência gratuita contra as pessoas, de que não é segurodenunciar falsamente, e de que deve viver dignamente somente com o seu soldo.
Mas e o publicano, o que faz na históriado Natal? Mais conhecido como cobrador de impostos, o publicano era o judeu quetinha uma função no governo romano. Era o funcionário público dos nossos dias.Nesta qualificação podemos enquadrar desde o mais humilde servidor até osupremo mandatário. A presidente é tão funcionária publica e tão publicana comoqualquer outro. Mas o que João Batista tem com isso? Quem o nomeou fiscal dopovo? Quem ele pensava que era? Uma figura estranhíssima, todo peludo, cabelo ebarba sem corte, vestido de pele de animais, comendo mel e gafanhoto e saídodas profundezas do deserto. Um recluso social.
O curioso é que esta pergunta tem serepetido ao longo da história: quem você pensa que é? Ela foi feita para osrecém saídos do anonimato, como o boiadeiro Amós, o nazareno Jesus, orecém-convertido Paulo de Tarso, o faquir maltrapilho Mahatma Gandhi, o pastornegro Martin Luther King e o seringueiro Chico Mendes. Por que será que ésempre do improvável que surgem as denúncias? Por que será que a voz que clamapor justiça vem sempre do deserto? Um dos motivos, senão o principal é porqueos cidadãos que têm voz, que têm prestígio e que têm autoridade para fazê-losimplesmente não o fazem.
João Batista olha para o presidente, parao governador, para os fiscais do imposto de renda, para os que distribuemsenhas nas filas do INAMPS, para os publicanos em geral, e diz: destamaneira não vai haver Natal não. Eu me recuso terminantemente a anunciá-lo emmeio à situação que vive o povo. Se vocês não se pautarem por medidas justas epelo rigor da justiça, o Natal para aqui. Se não houver Natal para nós, nãohaverá Natal para vocês também. O machado já está posto à raiz da árvore. Todaárvore que não produzir bons frutos, será cortada e lançada ao fogo.
Por fim, ele falou também às pessoascomuns, gente como a maioria de nós. Ele falou às multidões. Ao falar,focalizou grupos bastante distintos. Primeiro àqueles que recorriam a ele pelasimples razão da novidade. Pessoas que queriam estar incluídas na mensagem dasalvação somente por que estava na moda. Sem ter a menor consciência do que elatratava e do que ela implicava. Raças de víboras, quem vos ensinou a fugirda ira vindoura? Se querem o batismo do Reino, produzam frutos que mostrem oseu arrependimento.
Mas havia no meio da multidão, engrossandoas suas fileira, um segundo grupo. Aqueles que se aproximavam da mensagem comares meritórios. Como se a novidade os incluísse naturalmente. Afinal eram osbaluartes da religiosidade, eram os guardiões da moral e dos bons costumes. Tenhocomo pai Abraão. Estou na igreja há 275 anos, já fui superintendente da EscolaDominical, sou ministro do louvor. João Batista os confronta: Deus podefazer destas pedras melhores filhos de Abraão e adoradores mais fiéis que vocêstodos juntos. Parece que ele está olhando para dentro das nossas igrejas dehoje. Parece que ele está de pé ali na porta.
Se tem um batismo por imersão, to dentro,se tem besuntamento de óleo, eu quero, mesmo sabendo que estas práticas não sãocristãs. João Batista parece que está presente em um culto de cura elibertação. A estes, ele está dizendo: Se querem a cura, a libertação e salvação, que em linguagem bíblicaquerem dizer a mesma coisa, saiam da superstição, do sincretismo e do modismoinconsequente e se arrependam. Celebrem o Natal como novidade de vida e nãoapenas porque está na época. Valorizem essa graça de Deus como a nossa únicaesperança.
Parece que ele também foi a um cultosolene. Um culto de crentes fervorosos. Aqueles que esperavam alcançar asalvação por algo que fizeram ou pelo têm feito. A estes a mensagem foi maisdura ainda. Não foram nem comparados a animais peçonhentos e sim classificadosabaixo de objetos inanimados. A dura mensagem a eles foi: Nas mãos de Deus,esta pedra é melhor que você, faz mais do que você, contribui mais que você. Afunção que ela exerce, mesmo estando parada, é mais importante do que esta quevocê tanto se orgulha. Deixe de lado a falsa religiosidade, de buscar asalvação própria e comece a preparar um caminho melhor para que o Natalaconteça de fato e para que o povo possa ver a salvação.
Ao que parece, nem todos os presentesforam assim tão duramente afrontados. Dentre aqueles havia um pequeno grupopara quem foi dirigida uma mensagem bem mais afetuosa, sem, contudo, seenquadrar dentro da realidade e da necessidade do cotidiano. Estes que comsinceridade de coração, embora transbordantes de dúvidas sobre o como procederdiante da nova ordem que se anunciava, perguntaram: o que havemos pois defazer? É justamente nesta hora que João evoca o mais preciso sentido doNatal. O dar-se como um presente que se dá a um amigo muito querido, a doar-seuma boa árvore que dá bons frutos, a fluir como uma fonte inesgotável deesperança. Quem tiver duas túnicas, divida com quem não tem; e quem tivercomida, faça o mesmo.
Por fim, queria pegar uma carona no que opoeta germânico Angelus Silesius disse em meados de 1650: se Jesus nascermil vezes em Belém e nenhuma eu teu coração, você pode até fazer uma bela efraterna festa no dia 25 de dezembro, mas perderá seu tempo. Porque estarámuito longe de comemorar o verdadeiro Natal, e assim, Cristo nunca nascerá emti.

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