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A Destruição de Sodoma e Gomorra de John Martin (1789-1854) |
Sinônimos e palavras correlatas:
ACREDITAR: Ter a convicção de um fato ou depoimento sem que para isso existam provas cabais. Dar poderes ou crédito.
CRER: Possui o mesmo sentido de acreditar, mas por vezes assume o sentido religioso do ato. Ter por verdadeiro.
CREDO: Declaração dos objetos e objetivos de uma crença.
CRENÇA: Sistema elaborado de dogmas e doutrinas que constituem o proceder religioso de uma pessoa ou grupo.
CRENDICE: Crença popular absurda ou ridícula.
Definições da palavra fé:
FÉ (na língua portuguesa): Conjunto de dogmas e doutrinas. Adesão ou anuência a uma entidade superior. Firme execução de um propósito ou compromisso. Testemunho autêntico de quem tem força em juízo.
FÉ no A.T.: A Bíblia hebraica possui duas palavras de difícil tradução para tanto para o grego como para o latim. É certo que as religiões dos outros povos que cultivaram estas línguas, não se pautavam pelo mesmo tipo de fé que era professado em Israel. Não era prática religiosa dos gregos e romanos ter fé em seus deuses, e sim conquistar seus favores fazendo oferendas e sacrifícios ou erigindo monumentos e templos em seu louvor. Nestes tipos religião não cabia momentos de confissão de exclusividade de culto, ou mesmo de afirmação de confiança na divindade cultuada. Daí a dificuldade de se traduzir para outra língua e para outra cultura, algo que era próprio do judaísmo. As palavras abaixo relacionadas nos dão algumas pistas desta dificuldade.
Hebraico significa Grego Latim significa
BATAH solidez, cortesia ekpis spes espera, temor, esperança
ekpifz sperare espera, pensar, crer
pepoihtgsir confido confiança, segurança
AMAN segurança, confiança pistis fides fidelidade
pisteuo credere confiar, crer, dar o coração
akgtheia veritas verdade
Basicamente, a fé de Israel estava fundamentada numa aliança feita com Deus. Desde Abrão passando por Moisés e pelos profetas, homens que basearam as suas vidas na fé em Javeh, nas suas vocações e nas suas missões. A Aliança celebra o engajamento e a ação direta de Deus na história de Israel. É em retribuição a esta intervenção favorável, que Israel obedece a Deus e à sua Palavra.
No estágio inicial, os antigos entenderam que ouvir e obedecer a Javeh significava primordialmente crer nele: rebeldes fostes ao mandado do Senhor, vosso Deus, não crestes nele, e não obedecestes à sua voz (Dt 9,23b). Mais tarde, em meio à descrença causada pelo exílio babilônico, quando a fé na onipotência de Deus estava sendo questionada em virtude da queda de Jerusalém diante de um povo e deuses estrangeiros, os profetas proclamam que, a despeito das circunstâncias, só Javeh é digno de confiança total. A fé, então, transpõe os limites de uma troca pessoal, e passa ser um investimento no futuro e na preservação do povo como raça eleita.
Com a conquista da Palestina pelos selêucidas, pela primeira vez, o povo de Israel se vê exposto a uma perseguição religiosa sangrenta. Os mártires não morriam somente apesar da sua fé, mas agora, por causa dela. Enfrentando esta suprema ausência de Deus, a fé deles não se abalava, pelo contrário, aprofundava-se a ponto de esperar pela fidelidade de Deus, não apenas nesta vida, mas também na ressurreição. Nesta mesma época, passa por Israel uma corrente proselitista, quando numerosos pagãos passam a crer no Deus de Abraão. Fato que inspirou a remota lenda da conversão dos ninivitas, povo pagão convertido pela pregação de um só profeta, Jonas, que, para a vergonha de Israel, leva Nínive a crer em Javeh. Se a perseguição selêucida suscitou mártires, produziu também heróis. Homens e mulheres que se dispunham a lutar até a morte, para ver Israel livre. Embora admirável, esta fé não representava a pureza, pois coexistia com uma elevada confiança na força e na vontade humana.
Fé no N.T.: Muitos podiam ouvir as palavras e ver milagres de Jesus que proclamavam a vinda do Reino. Mas crer nele, era atitude própria dos discípulos e este era o grande problema, suas palavras e seus milagres levantavam uma questão inescapável acerca de sua própria pessoa: quem é este homem? Esta questão constituiu-se em provação para João Batista (Mt 11,6), escândalo para os fariseus e blasfêmia para os sacerdotes. A fé requerida para entender os milagres, só era recebida quando a divindade de Jesus era reconhecida. Foi Pedro quem finalmente resolveu a questão ao estabelecer a precisa relação de fé que se deve ter em Jesus, quando disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus Vivo. Foi a partir desta confissão de fé que Jesus começa a ser diferenciado aos olhos dos discípulos, dos demais heróis e dos Messias que Israel já havia tido.
Fé de Jesus: Em um momento crucial da vida de Jesus, ele toma a decisão irrevogável de ir a Jerusalém (Lc 9.51). Para tal assume a postura anunciada por Isaías no terceiro cântico do Servo, que diz: fiz do meu rosto uma pederneira (Is 50,7). Jesus enrijece sua fisionomia, mostrando com esta atitude que a decisão que tomara exige uma prova de fé incondicional no Pai, porque das consequências inescapáveis que existem no caminho que se propõe a seguir, somente Deus pode salvá-lo, ou, em última consequência, resgatá-lo da morte iminente através da ressurreição.
Fé dos discípulos: A provação da paixão será para os discípulos motivo de escândalo e exigirá muito da fé deles. O desânimo e o desencanto provocados pela prisão e martírio, pelo qual seu mestre estava passando, jogava por terra todo o poder que Jesus até então mostrara através das curas e milagres. Neste momento de extrema dúvida, Jesus tem como preocupação máxima preservar-lhes a fé. Faz isso particularmente orando pela fé de Pedro, e confiando a ele uma tarefa que dependerá exclusivamente da fé que, ele Pedro, teria em Jesus: Mas eu tenho orado por você, Simão, para que não lhe falte fé. E, quando você voltar para mim, anime os seus irmãos(Lc 22,32). Jesus diz que chegou a hora em que a fé dele tinha que dar um passo decisivo para vir se tornar a fé da Igreja. Em resumo:
1- Jesus mostra sua fé em Deus indo para Jerusalém.
2- A paixão provoca escândalos para os discípulos que ainda não tem fé.
1- Jesus mostra sua fé em Deus indo para Jerusalém.
2- A paixão provoca escândalos para os discípulos que ainda não tem fé.
3- Jesus ora para que fé deles não desfaleçam e sirva de inspiração para converter outros.
4- A fé dos discípulos torna-se a fé da Igreja.
Fé da igreja: O passo a ser dado, após várias hesitações por ocasião das aparições de Jesus, é crer na ressurreição. Por este motivo, o proclamaram Senhor e Cristo, em quem estão cumpridas todas as promessas. A fé dos discípulos, que agora é capaz de enfrentar a morte, passa a convocar ouvintes para dela partilhar das promessas, e assim obter a remissão de seus pecados. Ter fé, partir daquele momento, é aceitar a pregação das testemunhas, confessando Jesus como Senhor.
Esta é uma mensagem inicial, transmitida como uma tradição oral, mas que deve ser enriquecida através de ensinamento. Essa fé abre à inteligência, o mistério da sabedoria e do conhecimento que está em Cristo, que se contrapõe radicalmente ao conhecimento do mundo. Levados pela fé até o batismo, agregam-se plenamente à Igreja. Aquele que creu na palavra, agora participa do ensinamento do Espírito, dos sacramentos e da liturgia da igreja. Através da igreja, Deus realiza o seu plano, pondo em prática a salvação dos que creem. A fé se desenvolve na obediência a este plano incutindo: solidariedade, valor moral, amor fraternal, fidelidade, confiança e destemor.
Fé de Paulo: Tanto para a igreja nascente como para Jesus, a fé era um dom de Deus. Quando os pagãos se convertiam, era o próprio Deus quem purificava os seus corações pela fé. Eram recebidos na igreja da mesma forma que os judeus crentes. De imediato isso causou o dilema da necessidade ou não de circuncisão dos novos convertidos oriundos do paganismo. Paulo julgava absurdo forçá-los a judaizarem-se, pois foi a fé em Cristo que salvou, a eles e aos próprios judeus, não rituais ou práticas que eram exigidos na lei judaica. Por mais que pareça uma discussão sem propósito, esta se tornou a primeira crise entre lei e fé, e estabeleceu a partir daí uma reflexão profunda sobre a fé em detrimento à lei na história da salvação.
Desde Adão todos os homens, judeus e pagãos, são culpáveis perante Deus. Feita para dar vida, a lei só engendrou pecado e morte. A vida e a morte de Cristo põe um fim neste paradigma, manifestando a justiça de Deus que pode ser obtida somente pela fé. A promessa feita a Abraão está plenamente cumprida em Jesus, onde todos os povos são abençoados pela justificação pela fé. O homem é justificado pela fé sem as obras da lei. Esta afirmação de Paulo não somente proclama que as práticas da lei, sob o regime da fé, são nulas, assim como anuncia que a salvação não é algo que se obtém por mérito, mas um dom gratuito de Deus, recebido pela fé.
Fé vem pelo ouvir: Portanto, a fé vem pelo ouvir; ouvir a mensagem; mensagem vem por meio da pregação; pregação que aponta para Jesus, o Cristo. Este é o dado que evidencia a diferença da palavra fé dos seus sinônimos e correlatos, e a faz ser de uso exclusivo para o Cristianismo. Muito embora o emprego desta palavra por outros credos seja comumente aceito, seu uso é seguramente indevido. A fé descrita na Bíblia atravessou uma longa e traumática trajetória para que chegasse a nós desta forma, tão transparente, tão completa e tão objetiva, para por fim, constituir-se na única condição para se agradar a Deus. Paulo dá o cheque-mate quanto à sua aplicabilidade prática: a fé vem pelo ouvir e ouvir a palavra de Deus, que aponta senão para Cristo.
Conclusão: Não há qualquer possibilidade de existir fé fora do Cristianismo, e nem há paralelos para a fé em outros credos. Pois Cristo, como foi exposto, constitui-se no único e suficiente objeto daquilo que entendemos como fé. Logicamente que esta é uma reflexão dirigida exclusivamente a cristãos e, mais logicamente dirigida ainda, a cristãos que não farão uso dela para afrontar pessoas de outros credos. Mas é de extrema necessidade que saibamos que a fé que professamos não é fruto de mera concepção filosófica ou de visões e experiências alucinatórias, nem ainda de combinação de fatores, situações ou elementos favoráveis. Pertencemos a uma longa cadeia de fidelidade de homens e mulheres que para fazerem com que esta fé chegasse até nós íntegra e verdadeira, depuseram, sem hesitar, seu prestígio, seus bens, sua saúde e mesmo sua vida, aos pés daquele em quem creram. Nossa fé nasceu frágil, em uma obscura aldeia da Palestina, mas que de forma tão absurdamente avassaladora, foi capaz para transtornar de forma irreversível todo o universo visível e invisível. Mas que também, por motivos que jamais entenderemos, foi plenamente suficiente para nos alcançar, apesar da nossa pequenez e insignificância.
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