Ame-a ou deixe-a

Prepara-te para encontrar-te com o teu Deus.Am 4,12
Adespeito da mensagem de perdão incondicional e amor irrestrito contida naBíblia, existe uma inquestionável responsabilidade do crente em Jesus Cristo emrelação ao evangelho. Seguramente, com um tom diferente das mensagens dosprofetas do VI século, que eram, em suma, ameaçadoras, o Novo Testamento trazconsigo advertências que são mais que suficientes para nos colocar em alertamáximo. É bem sabido que não estamos vivendo o perigo de invasão estrangeira enem corremos risco de genocídio, como era a situação da época dos profetas. Masse tais perigos não existem, o progresso da injustiça, a manipulação da Palavrade Deus e o descaso com a sua vontade soberana, que foram as causas dadegradação do povo de Israel,
são hoje, para sermos otimistas, tão reais eiminentes como àquelas que nossos irmãos profetas denunciaram. Não estamossendo invadidos por potências estrangeiras ou por exércitos de mercenários,sofremos invasões muito mais sutis e refinadas, o que permite causarem devastaçãoem semelhante magnitude.
Nãotemos por intuito fazer comparações de gerações de cristãos do passado com anossa, mas é certo que muitos de nós estão simplesmente eufóricos, vivendo aexpectativa de um fim dos tempos próximo, contudo, glorioso apenas para si, etrágico para os demais. E estão concluindo este desfecho, baseadosexclusivamente em leituras superficiais de eventos cósmicos e incontáveisachismos bíblicos. Com relação aos textos citados acima, estas pessoas responderiamcom convicção a Amós: Estamos preparados,e a Malaquias: Deixe que venha. Masserá que o reino pode mesmo vir por que já estamos prontos? Sei que eu nãoestou. Quando confronto a minha vida com os padrões exigidos pelas parábolas deJesus a cerca do Reino, mal posso calcular a distância que me separa deles. Nemdigo a respeito da busca da perfeição cristã, mas de coisas bem mais simplescomo: andar a segunda milha, ser ingênuo como uma criança, amar ao inimigo eser mais justo que um fariseu.
Podemostranquilamente nos orgulhar de conhecer a maioria dos louvores cantados nasrádios e TVs, ou de recitar de cor metade dos versículos bíblicos ou mesmo deencantar multidões com testemunhos tocantes e triunfalistas, mas isso é obastante para alguém estar pronto para encontrar-se com Deus? Podemos dar aulasdos assuntos mais intrincados da educação cristã, podemos formular os sermõesmais inspirados e desafiadores, mas isso basta para encarar Deus frente afrente? Podemos discorrer sobre fé e sobre a graça com a mesma desenvoltura de Paulo,podemos até dizer que combatemos que encerramos a carreira, mas seria própriodizer como ele, que combatemos de fato o bom combate?
Eusei que Deus nos perdoa, essa é a nossa única esperança. Porque se Deus não éamor e se ele não nos perdoa, estamos perdidos, não somente agora, mas paratodo o sempre. Mas sei também que este perdão não vem nada fácil, e não é tãosimples como se pode pensar. A graça de Deus é de graça, mas não é barata não.Ela custa o inimaginável. Precisamos urgentemente saber qual é o valor destagraça, sob o severo risco de ficarmos nos iludindo debaixo de falsas premissasda graça. A verdade é que eu jamais poderei entender o significado da graça deDeus em minha vida se eu não souber medir a extensão do meu pecado. Jamais podereiser atingido pela graça se não me conscientizar do mal que estou causando aosoutros. O perdão está ao alcance de todos, mas como posso ser perdoado se nãosei nem do que? Precisamos apreciar a graça de Deus muito antes de nosempenharmos em cálculos apocalípticos e muito antes de tirarmos as medidas dasvestes brancas da salvação. A primeira questão é essa: será que temos apreciadosuficientemente a graça de Deus?
Amóse Malaquias não possuíam o entendimento sobre a graça como Paulo, mas mesmo assimnão conceberam qualquer outra possibilidade da salvação para o povo que nãofosse o arrependimento sincero e a conversão imediata. Eles estavam seguros quesomente um povo arrependido e contrito acharia salvação em Deus, uma vez que asalvação individual, tão enfatizada hoje, era, sequer, cogitada por eles. Nasentrelinhas das mensagens proféticas podemos sentir as suas agonias, poissabiam que se não fossem ouvidos, sofreriam as mesmas desolações que anunciavamao povo. Por certo, seus lamentos não eram por si mesmos, mas sim pelo povo aquem tanto amavam.
Ogoverno militar brasileiro da época de 1960 criou um slogan nacionalista quedizia: Brasil, ame-o ou deixe-o. Este slogan é bastante copiado por muitasigrejas cristãs e é o preferido de muitos pastores. O que mais se ouve é: quemnão está satisfeito com sua igreja deve mais é procurar outra. Foi exatamente oAmasias, sacerdote de Betel, disse a Amós: Fora daqui, seu profeta! Volte para a sua terra de Judá eganhe a vida por lá com as suas profecias.
É curioso como Deusage por caminhos bastante estranhos ao nosso entendimento. Alguns humoristasque profeticamente faziam oposição ao governo, mudaram radicalmente o sentidoda frase com apenas um pequeno acréscimo: Brasil, ame-o ou deixe-o como está. Nãoconsigo imaginar uma mensagem tão atual para a Igreja quanto esta: Igreja,ame-a ou deixe-a como está. Não foi justamente esta voz que Amós e outrosprofetas ouviram? Não foi o amor pelo seu povo que os moveu a confrontar,apenas com a Palavra de Deus, altas autoridades políticas e religiosas de seutempo com o risco da própria vida?
Elesnão se dobraram ao lógico, não fizeram o que era recomendável: tão somente deixaro povo morrer na sua injustiça, e mudar de país. Optaram por se empenhar em nãodeixar passar em branco. Nãose conformaram em deixar o povo como estava, iludidos que os cultos queprestavam na sua iniqüidade, e cantando louvores complacentes com a corrupção,imaginando que assim poderiam subornar Deus e garantir a salvação. Diantedisso, qual seria o modo mais cristão de se amar a Igreja hoje? E esta é a segundagrande questão: Quem poderá suportar o dia da sua vinda?
Eu sei quenada do que façamos ou imaginemos é suficiente para nos preparar para oinevitável encontro com o nosso Deus. Apreciar a sua graça e não se conformarcom a nossa maneira de ser igreja, não são suficientes para nos tirar doatoleiro da inanição. Como disse o rev. Antônio Gonçalves:
Esforçosda terra, precário destino,
Empenhodos homens, riqueza, o que for,
Nãovalem a bênção do reino divino:
Por isso eu preciso de ti, meu Senhor.
Ocomplemento vem por conta do amor que Deus incondicionalmente dedica à suaigreja e ao seu povo. Vem na lembrança do que um dia deu certo. Vem na históriade uma igreja, ainda que falha, num breve passado, que deixou em muitos a suamarca, e provou com resultados o quanto o esforço humano é capaz de fazer todoscaminharem na direção do Reino. Uma Igreja onde se cantava hinos com versos eufóricos,mas que nas entrelinhas se encontram palavras que não conseguíamos pronunciar, quenos obrigavam a engolir em seco a verdade divina que afrontava a nossarealidade pecaminosa.
Umaigreja que tinha professores de Escola Dominical que nos desafiavam com temas impertinentes,mas as suas conclusões nos faziam chutar o balde, e sairmos dali com a promessa,nunca cumprida, de jamais voltarmos. Uma igreja cujo pregador somente se faziade exemplo apenas era para confessar o seu pecado e a sua falha, mas cujasmensagem simples fazia tremer os mais firmes alicerces das nossas convicções políticas,sociais e tecnológicas.
Uma igrejaem que uma irmã sofrida dava o testemunho de que havia perdido seu único filho,arrimo de família; perdido seu emprego, por ser velha demais; perdido suasaúde, por não ter como pagar consultas médicas, mas que, apesar de tudo, nuncaperdera a sua fé.
Esta é aterceira e última questão: deixar como está, ou empenhar-se em mudar?

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