Queé uma das exigências fundamentais do Cristianismo e a primeira das chamadasVirtudes Teologais, todos estamos de acordo. Mas que se trata de um atributoexclusivo deste mesmo credo, poucos já atentaram para o fato. Para entendermoshoje o que significa a palavra fé, precisamos driblar as dificuldades temporaise entender o que ela significou no passado, ao longo da história da humanidade.Para isso, veremos alguns dos seus sinônimos, suas definições, bem como algunsaspectos da fé, no hebraico, no grego e no latim, em contrapartida ao queentendemos hoje no bom português.
Sinônimose palavras correlatas:ACREDITAR:Ter a convicção de um fato ou depoimento sem que para isso existam provascabais. Dar poderes ou crédito.
CRER:Possui o mesmo sentido de acreditar, mas por vezes assume o sentido religiosodo ato. Ter por verdadeiro.
CREDO:Declaração dos objetos e objetivos de uma crença.
CRENÇA:Sistema elaborado de dogmas e doutrinas que constituem o proceder religioso deuma pessoa ou grupo.
CRENDICE:Crença popular absurda ou ridícula.
Definiçõesda palavra fé:
FÉ (na língua portuguesa): Conjunto de dogmas e doutrinas.Adesão ou anuência a uma entidade superior. Firme execução de um propósito oucompromisso. Testemunho autêntico de quem tem força em juízo.
FÉ no A.T.:A Bíblia hebraica possui duas palavras de difícil tradução para tanto para o gregocomo para o Latim. Uma vez que as religiões dos outros povos que cultivaramestas línguas, não se pautavam pelo mesmo tipo de fé que era professado em Israel. Não eraprática religiosa dos gregos e romanos ter fé em seus deuses, e sim conquistarseus favores fazendo oferendas e sacrifícios ou erigindo monumentos e templosem seu louvor. Nestes tipos religião não cabia momentos de confissão deexclusividade de culto, ou mesmo de afirmação de confiança na divindadecultuada. Daí a dificuldade de se traduzir para outra língua e para outracultura, algo que era próprio do judaísmo. As palavras abaixo relacionadas nosdão algumas pistas desta dificuldade.
Hebraico significa Grego Latim significa
BATAH solidez, cortesia ekpis spes espera, temor, esperança
ekpifz sperare espera, pensar, crer
pepoihtgsir confido confiança, segurança
AMAN segurança, confiança pistis fides fidelidade
pisteuo credere confiar, crer, dar o coração
akgtheia veritas verdade
Basicamente,a fé de Israel estava fundamentada numa aliança feita com Deus. Desde Abrão,passando por Moisés e pelos profetas, homens que basearam as suas vidas na féem Javeh, nas suas vocações e nas suas missões. A aliança celebra oengajamento e a ação direta deDeus na história de Israel. É em retribuição a esta intervenção favorável, queIsrael obedece a Deus e à sua Palavra.
Noestágio inicial, os antigos entenderam que ouvir e obedecer a Javeh significavaprimordialmente crer nele: rebeldesfostes ao mandado do Senhor, vosso Deus, não crestes nele, e não obedecestes àsua voz. (Dt 9,23b). Mais tarde, em meio à descrença causada peloexílio babilônico, quando a fé na onipotência de Deus estava sendo questionada,em virtude da queda de Jerusalém diante de um povo e deuses estrangeiros, osprofetas proclamam que, a despeito das circunstâncias, só Javeh é digno deconfiança total. A fé, então, transpõe os limites de uma troca pessoal, e passaser um investimento no futuro e na preservação do povo como raça eleita.
Com a conquista da Palestinapelos selêucidas, pela primeira vez, o povo de Israel se vê exposto a umaperseguição religiosa sangrenta. Os mártires não morriam somente apesar da suafé, mas agora, por causa dela. Enfrentando esta suprema ausência de Deus, a fédeles não se abalava, pelo contrário, aprofundava-se a ponto de esperar pelafidelidade de Deus, não apenas nesta vida, mas também na ressurreição. Nestamesma época, passa por Israel uma corrente proselitista, quando numerosospagãos passam a crer no Deus de Abraão. Fato que inspirou a remota lenda daconversão dos ninivitas, povo pagão convertido pela pregação de um só profeta,Jonas, que, para a vergonha de Israel, é levado a crer em Javeh. Se aperseguição selêucida suscitou mártires, produziu também heróis. Homens e mulheresque se dispunham a lutar até a morte, para ver Israel livre. Embora admirável,esta fé não representava a pureza, pois coexistia com uma elevada confiança naforça e na vontade humana.
Fé no N.T.: Muitos podiam ouvir as palavras e ver milagresde Jesus que proclamavam a vinda do Reino. Mas crer nele, era atitude própriados discípulos, e este era o grande problema, suas palavras e seus milagres levantavamuma questão inescapável acerca de sua própria pessoa: quem é este homem? Eis a questão que se constituiu emprovação para João Batista (Mt 11,6), escândalo para os fariseus e em blasfêmiapara os sacerdotes. A fé requerida para entender os milagres, só era recebida quandoa divindade de Jesus era reconhecida. Foi Pedro quem finalmente resolveu a questãoao estabelecer a precisa relação de fé que se deve ter em Jesus, quando disse: Tu és o Cristo, o Filho do DeusVivo. Foi a partir desta confissão de fé que Jesus começa a serdiferenciado, aos olhos dos discípulos, dos demais heróis e messias que Israeljá havia tido.
Fé de Jesus: Em um momento crucial da vida de Jesus,ele toma a decisão irrevogável de ir a Jerusalém (Lc 9.51). Para tal assume apostura anunciada por Isaías no terceiro cântico do Servo, que diz: fiz do meu rosto uma pederneira (Is 50,7). Jesus enrijece suafisionomia, mostrando com esta atitude que a decisão que tomara exige uma provade fé incondicional no Pai, porque, das consequências inescapáveis que existem nocaminho que se propõe a seguir, somente Deus pode salvá-lo, ou, em últimaconsequência, resgatá-lo da morte iminente através da ressurreição.
Fé dosdiscípulos: A provação da paixão será para os discípulos motivo deescândalo, e exigirá muito da fé deles. O desânimo e o desencanto provocadospela prisão e martírio, pelo qual seu mestre estava passando, jogava por terratodo o poder que Jesus até então mostrara através das curas e milagres. Nestemomento de extrema dúvida, Jesus tem como preocupação máxima preservar-lhes afé. Faz isso particularmente orando pela fé de Pedro, e confiando a ele umatarefa que dependerá exclusivamente da fé que, ele Pedro, teria em Jesus: Mas eu tenho orado por você, Simão,para que não lhe falte fé. E, quando você voltar para mim, anime os seus irmãos(Lc 22,32). Jesus diz que chegou a hora em que a fé dele tinha que dar um passodecisivo para vir se tornar a fé da Igreja. Em resumo:
Jesusmostra sua fé em Deus indo para Jerusalém
A paixãoprovoca escândalos para os discípulos que ainda não tem fé.
Jesusora pela fé deles para que não desfaleçam e convertam outros.
A fé dos discípulos se torna a fé da Igreja.
Fé da igreja: O passo a ser dado, após várias hesitaçõespor ocasião das aparições de Jesus, é crer na ressurreição. Por este motivo, oproclamaram Senhor e Cristo, em quem estão cumpridas todas as promessas. A fédos discípulos, que agora é capaz de enfrentar a morte, passa a convocarouvintes para dela partilhar das promessas, e assim obter a remissão de seuspecados. Ter fé, partir daquele momento, é aceitar a pregação das testemunhas,confessando Jesus como Senhor.
Esta é uma mensagem inicial, transmitida como uma tradição oral,mas que deve ser enriquecida através de ensinamento. Essa fé abre àinteligência, o mistério da sabedoria e do conhecimento que está em Cristo, quese contrapõe radicalmente ao conhecimento do mundo. Levados pela fé até obatismo, aderem-se plenamente à Igreja. Aquele que creu na palavra, agoraparticipa do ensinamento do Espírito, dos sacramentos e da liturgia da igreja.Através da igreja, Deus realiza o seu plano, pondo em prática a salvação dosque crêem. A fé se desenvolve na obediência a este plano incutindo: solidariedade,valor moral, amor fraternal, fidelidade, confiança e destemor.
Fé dePaulo: Tantopara a igreja nascente como para Jesus, a fé era um dom de Deus. Quando ospagãos se convertiam, era o próprio Deus quem purificava os seus corações pela fé.Eram recebidos na igreja da mesma forma que os judeus crentes. Isso de imediatocausou o dilema da necessidade ou não de circuncisão dos novos convertidosoriundos do paganismo. Paulo julgava absurdo forçá-los a judaizarem-se, poisfoi a fé em Cristo que salvou, a eles e aos próprios judeus; não rituais oupráticas que eram exigidos na lei judaica. Por mais que pareça uma discussãosem propósito, esta se tornou a primeira crise entre lei e fé, e estabeleceu, apartir daí, uma reflexão profunda sobre a fé em detrimento à lei na história dasalvação.
DesdeAdão todos os homens, judeus e pagãos, são culpáveis perante Deus. Feita paradar vida, a lei só engendrou pecado e morte. A vida e a morte de Cristo põem umfim neste paradigma, manifestando a justiça de Deus que pode ser obtida somentepela fé. A promessa feita a Abraão está plenamente cumprida em Jesus, ondetodos os povos são abençoados pela justificação pela fé. O homem é justificadopela fé sem as obras da lei. Esta afirmação de Paulo não somente proclama queas práticas da lei, sob o regime da fé, são nulas, assim como anuncia que asalvação não é algo que se obtém por mérito, mas um dom gratuito de Deus,recebido pela fé.
Fé vempelo ouvir: Portanto, a fé vem pelo ouvir; ouvir a mensagem; mensagem vempor meio da pregação; pregação que aponta para Jesus, o Cristo. Este é o dadoque evidencia a diferença da palavra fé dos seus sinônimos e correlatos, e afaz ser de uso exclusivo para o Cristianismo. Muito embora, o emprego destapalavra por outros credos seja comumente aceito, seu uso é seguramenteindevido. A fé descrita na Bíblia atravessou uma longa e traumática trajetóriapara que chegasse a nós desta forma, tão transparente, tão completa e tãoobjetiva, para por fim, constituir-se na única condição para se agradar a Deus.Paulo dá o cheque-mate quanto à sua aplicabilidade prática: a fé vem pelo ouvir e ouvir a palavra deDeus, que aponta senão para Cristo.
Conclusão: Não háqualquer possibilidade de existir fé fora do Cristianismo, e nem há paralelospara a fé em outros credos. Pois Cristo, como foi exposto, constitui-se noúnico e suficiente objeto daquilo que entendemos como fé. Logicamente que estaé uma reflexão dirigida exclusivamente a cristãos e, mais logicamente dirigidaainda, a cristãos que não farão uso dela para afrontar pessoas de outroscredos. Mas é de extrema necessidade que saibamos que a fé que professamos nãoé fruto de mera concepção filosófica ou de visões e experiências alucinatórias,nem ainda de combinação de fatores, situações ou elementos favoráveis.
Pertencemosa uma longa cadeia de fidelidade de homens e mulheres que para fazerem com queesta fé chegasse até nós íntegra e verdadeira, depuseram, sem hesitar, seu prestígio,seus bens, sua saúde e mesmo sua vida, aos pés daquele em quem creram. Nossa fénasceu frágil, em uma obscura aldeia da Palestina, mas que de forma tãoabsurdamente avassaladora, foi capaz para transtornar de forma irreversíveltodo o universo visível e invisível. Mas que também, por motivos que jamaisentenderemos, foi plenamente suficiente para nos alcançar, apesar da nossapequenez e insignificância.
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