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Moisés em litografia publicada em 1907 |
“poréns”. Jesus concorda com ele em gênero, número e grau. Para o bem da verdade, foi ainda mais longe quando disse: Quem quiser achar a sua vida, perdê-la-á, mas quem perder a sua vida por causa de mim, achá-la-á. Para Jesus, a graça não é somente melhor que a vida, a graça deve ser a razão da própria vida, porque fora da graça de Deus não há vida alguma que valha a pena ser vivida. Nesta hora devemos nos lembrar que a oração de Paulo, quando este buscava em Deus socorro contra um inimigo, teve como respostas apenas um sonoro não: A minha graça te basta! É a esta consciência que nos deveria levar o louvor citado acima.
A segunda revelação do salmo é um pouco mais complicada, pois está envolta por um véu de maneirismos que foram introduzidos nos cultos após o advento gospel. O salmista diz: Em teu nome minhas mãos levantarei. E é aí, que nessa hora, todo mundo levanta as mãos, e se existe uma prática que é predominante nas igrejas evangélicas é o ato de levantar as mãos enquanto se canta, se ora ou quando alguém diz algo que toca o coração. Na igreja que frequento isso não é comum, mas sei também que a maioria dos membros já vivenciou esta prática quando visitou outra igreja. Não seria o caso de tentarmos aqui julgar os motivos que levam as pessoas a fazerem isso? Mas posso assegurar que em primeira e segunda estâncias, significa que aquela pessoa está compartilhando o momento atual, está manifestando o seu apoio, dizendo que está presente e que também quer fazer parte, quer incluir-se no processo. Por causa destas manifestações eu digo que é bem mais fácil pregar nessas igrejas, porque o índice de aprovação ou de rejeição do sermão pode ser medido em tempo real, na hora em que estamos pregando. Nas igrejas onde a congregação permanece estática é bem mais complicado. A gente nunca sabe se está agradando.
Citei este fato apenas como ilustração. Não há qualquer tom de crítica ou desaprovação. Não tenho o costume de trocar lâmpada durante o culto, mas também não vejo razão para que não se faça. Contudo, tanto na Bíblia quanto especificamente neste salmo, levantar as mãos em nome de Deus carrega consigo um peso maior, um significado mais profundo do que um simples gesto de aprovação ou sinal de presença. Moisés foi o personagem bíblico que mais objetivamente levantou as mãos em nome de Deus. Primeiramente quando dividiu as águas do mar, abrindo o caminho que levou o povo da escravidão para a liberdade, da opressão para a justiça. De mãos levantadas, em nome de Deus, Moisés abriu um caminho que só podia ser trilhado pelos que eram realmente livres. Os que ainda estavam dependentes das armas, dos carros de combate e dos artefatos de guerra, atolaram-se, afogaram-se e sucumbiram neste caminho. Este é o caminho para quem está livre, leve e solto, como na música do Lulu Santos.
A outra ocasião marcante foi quando os amalequitas, uma tribo de beduínos que atacou o povo de Israel ameaçando a sua liberdade. Êxodo 17. Moisés levanta suas mãos em nome de Deus na hora da batalha. Enquanto as mãos de Moisés estavam levantadas, Israel vencia. Quando, pelo cansaço, Moisés abaixava as mãos, Amalec vencia. Então, colocaram apoios para que seus braços ficassem erguidos até o final vitorioso da batalha. Moisés pode até ter levantado as mãos muitas vezes em manifestação de aceitação e de presença, clamando a Deus, exatamente como se faz nas igrejas hoje, mas especificamente nestes casos, ele estava assumindo um compromisso de, em nome de Deus, se empenhar na luta contra a opressão, em favor da liberdade e da justiça.
Quando o salmista do salmo 63 diz que levantará as mãos em nome de Deus está assumindo o mesmo compromisso de Moisés. Só que agora quem corre risco não é mais o povo de Israel, e sim apenas um homem, um servo de Deus que está sendo perseguido por pregar a verdade, a liberdade e a justiça. E quem ameaça esta liberdade não são mais os egípcios nem as tribos hostis do deserto, mas o próprio povo que atravessou livre o caminho aberto por Moisés. Tenho lido poucos textos mais apropriados do que este para nos alertar do grande perigo que corremos de, a todo instante, nos transformarmos de escravos libertos, em agentes de opressão. De transpormos, sem perceber, a sutil linha que separa o anúncio da verdade que liberta, da mentira que escraviza. Em teu nome minhas mãos levantarei, também, mas não só para louvar, não só para confirmar presença; não só para dizer: Eu estou aqui. Mas, segundo a convicção do profeta Isaías, afirmar: Eis-me aqui. Envia-me a mim.
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