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A última oração dos mártires cristão, Jean-Léon Gerome (1824-1904) |
Este salmo poderia muito bem ser considerado mais uma eficaz oração de socorro em tempos de aflição. Poderia, se ele não contivesse elementos que vão muito além dos padrões normais desses salmos. As orações de socorro que existem na maioria
dos salmos são súplicas pelo livramento do mal, indistintamente de que mal esteja acometido o suplicante. Mas o salmo 63 não generaliza o mal que o atormenta o salmista, mas define bem o tipo socorro que ele deseja de Deus. Não é um pedido de socorro para males que possam sobrevir a qualquer pessoa, a qualquer hora, como uma doença ou uma aflição momentânea. Ele trata especificamente do mal da perseguição. Tudo nele nos faz perceber os sinais da aflição e da angústia de uma pessoa que, por proclamar a verdade de Deus, está sendo perseguida por um poderoso inimigo. Um mal do qual estranhamente ele não precisaria da ajuda de Deus para ver-se livre, porque diferentemente de muitos outros males que não se pode evitar, este tipo de mal deixaria de atormentá-lo, no exato instante em que deixasse de pregar a Palavra de Deus.
dos salmos são súplicas pelo livramento do mal, indistintamente de que mal esteja acometido o suplicante. Mas o salmo 63 não generaliza o mal que o atormenta o salmista, mas define bem o tipo socorro que ele deseja de Deus. Não é um pedido de socorro para males que possam sobrevir a qualquer pessoa, a qualquer hora, como uma doença ou uma aflição momentânea. Ele trata especificamente do mal da perseguição. Tudo nele nos faz perceber os sinais da aflição e da angústia de uma pessoa que, por proclamar a verdade de Deus, está sendo perseguida por um poderoso inimigo. Um mal do qual estranhamente ele não precisaria da ajuda de Deus para ver-se livre, porque diferentemente de muitos outros males que não se pode evitar, este tipo de mal deixaria de atormentá-lo, no exato instante em que deixasse de pregar a Palavra de Deus.
Também não pode ser enquadrado na categoria de salmo espiritual, porque nele não está sendo aludida qualquer experiência transcendente, como a espera de um milagre e nem aflições advindas de tentação à alma. Ressalta sim o descontrole físico que se manifesta através de todos dos sentidos corporais. O salmo narra com detalhes o estado de debilidade física do salmista, e como ele tende a se agravar, pelas circunstâncias à sua volta. Mostra como os sintomas ruins vão aflorando do seu corpo: o despertar sobressaltado, uma noite sem descanso, um corpo exausto e uma alma sedenta.
Aqui, como em 80% de todo Primeiro Testamento, a palavra alma foi traduzida do termo hebraico NEFESH, que literalmente significa garganta. Os judeus daquela época não tinham o conceito de alma tal como temos hoje. Isso só viria bem mais tarde, através da influência grega. Seria complicado para o salmista expor os seus sentimentos dando à alma a imaterialidade que a damos hoje. Aliás, ainda não temos um conceito definido de alma. O que é a alma? Para mim, Mario Quintana tem a melhor resposta: Alma é essa coisa que nos pergunta se a alma existe. Mais do que da alma, este é um salmo do corpo, pois mostra como a toxina do desespero desce-lhe pela garganta e consegue espalhar-se por todo o seu organismo. Porém, ainda que a garganta tenha sede e a carne que desfaleça, nos olhos ainda permanece viva a esperança de, ainda mais uma vez, poder ver o brilho da glória de Deus. Por isso, seus lábios louvam e suas mãos se erguem.
Por mais que o utilizemos nas nossas horas de aflição, e o salmo é extremamente eficaz e reconfortante, tenho pra mim que os elementos citados são mais do que suficientes para dizer que este salmo está um passo adiante das orações de socorro. Além do que, não podemos fechar os olhos às inusitadas revelações que estão embutidas nele. Revelações de um passado distante, que mesmo após o advento do Messias, mesmo depois da presença física de Deus entre nós, do ministério terreno de Jesus, e da sua pregação definitiva, continuam desequilibrando, diria melhor, desestabilizando, os nossos melhores conceitos de fé. E eu gostaria de em rápidas palavras comentar algumas delas aqui nesta meditação.
A primeira delas é a que diz: a tua graça é melhor que a vida. Nós cantamos esse hino. De tão antigo, já virou hino, e é um hino muito alegre. Tem gente que até bate palmas quando canta. Cantar é fácil. Encarnar a sua mensagem é algo totalmente diferente. Porque o salmo diz que é melhor receber a graça de Deus do que continuar vivo. Isso já é uma coisa dura quando somos nós quem dizemos. E quando quem diz é um filho ou uma filha? Quando são os nossos entes queridos que se colocam totalmente debaixo dos desígnios de Deus? Aí não desce redondo não, desce ressecando ainda mais o nefesh, seja a garganta ou a alma, porque o caminho que leva à vontade de Deus, na maioria das vezes, é duro de se trilhar. Este salmo sobreviveu à rígida seleção do cânon da Bíblia quando centenas de salmos parecidos ficaram de fora, porque ele nos coloca contra a parede, nos traz uma terrível escolha: queremos a graça ou preferimos a vida? Este é o elemento que nos tira da comodidade, da letargia espiritual, principalmente nas horas em que achamos que tudo está bem, quando não está.
Paulo, na carta aos romanos, descreve uma série de coisas ruins que concorrem para nos separar do amor de Deus. Coisas inegavelmente ruins, como a morte, a perseguição, os principados, a profundeza, as potestades, as coisas do mundo presente. Mas ao lado dessas coisas ruins, Paulo coloca também algumas coisas boas, como os anjos, a altura o porvir. Ele coloca a vida entre essas coisas, porque entende que vida, quando se resume a um hino de louvor a si mesmo, é algo que, na mesma intensidade das coisas ruins, concorre para nos separar do amor de Deus. Uma vida que não se presta ao serviço e amor ao próximo, na concepção de Paulo, é um mal e não um bem. Certamente que para este tipo de vida imprestável, além da graça, há uma série de outros substitutos. Mas parece que o autor não está se referindo à vida desperdiçada, mas sim à vida abundante, à vida plena em dias e realizações. O salmista está falando dele próprio, da sua vida que foi colocada a serviço de Deus. Ele pede que Deus o salve dos seus inimigos. Contudo, acima e antes do livramento, ele prefere a graça. O salmo deixa no ar a seguinte pergunta: Conseguiremos conviver confrontando a principal mensagem do evangelho, que conclama todos a ter uma vida abundante, com algo que se anuncia ser melhor e mais importante do que a própria vida?
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