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Jesus expulsando os vendilhões, Luca Giordano |
O primeiro dos evidentes símbolos é a pomba, pois esta representa o sacrifício pelo pecado do pobre. É a oferta expiatória daquela pessoa ou família que não tem recursos para comprar sequer um animal maior para a sua
alimentação, quanto mais para oferecê-lo no templo. Este recurso estava prescrito em Levítico 5,7: Se as suas posses não lhe permitirem trazer uma cordeira, trará ao Senhor, como oferta pela culpa, pelo pecado que cometeu, duas rolas ou dois pombinhos: um como oferta pelo pecado, e o outro como holocausto. Mesmo na antiga lei havia uma prescrição específica para que aquele marginalizado pelo capital pudesse, através de um sacrifício acessível, porém, agradável a Deus, fazer a expiação pelo seu pecado. A pomba é uma ave em abundância naquela região, por isso, mesmo o ofertante que não tinha condição de comprá-la, poderia muito bem capturá-la e ofertá-la. Mas os adendos interesseiros à Lei Mosaica passaram a exigir a oferta de animais previamente purificados, que eram, logicamente, aqueles vendidos com aval e bênção das autoridades, nas bancas do mercado que se formava na entrada comum do templo.
Jesus condena severamente e sentencia com chicotadas este atentado vil à consciência de quem iria passar um ano inteiro julgando-se indigno, pelo fato de não poder pagar o exorbitante preço que estava sendo cobrado pelo animal que, na concepção teológica sacerdotal, seria o único elemento a lhe propiciar o perdão até a próxima Páscoa. Muito embora Jesus não estivesse nem um pouco preocupado em cumprir ou fazer cumprir a lei de Moisés que exigia tais sacrifícios, ele estava atento à dor do indigente, porque é assim que alguém se sente quando não possui os recursos mínimos necessários para cumprir os rígidos rituais de oferta e ofertório.
Mesmo que Jesus tenha condenado com destempero e veemência este aviltante atentado contra o pobre no templo, a maioria das igrejas cristãs insiste em mantê-lo funcionando como regra de fé e condição primaz para a adesão de qualquer pessoa ao seu rol. Não cabe a mim e nem é proposta desta meditação condenar a salutar e necessária prática do dízimo. Deus não precisa do nosso dinheiro, mas as igrejas tem despesas que precisam ser rateadas entre os seus membros. Jesus deixou clara a obrigatoriedade que tem os seus discípulos para com as leis estabelecidas. Ele mesmo cumpriu estas leis, embora de algumas fosse isento por ser da descendência de Davi. Até quanto ao tributo devido ao usurpador império romano ele foi específico: Daí a Cesar o que é de Cesar. Entretanto, e prioritariamente neste caso, a lei tem que ser adaptada ao indivíduo e à sua condição momentânea, porque anterior e acima da prescrição de toda e qualquer lei, Jesus já havia declarado a vontade de Deus para esta questão: A lei foi feita por causa do homem, e não o homem por causa da lei.
Mas o texto também apresenta um segundo símbolo não menos poderoso, o cambista. Se a pomba nos remete à preocupação com os pobres, o câmbio faz referência ao estrangeiro, outro elemento a que a Bíblia, além do órfão e da viúva, dedica especial atenção. Convém observar que o estrangeiro no texto bíblico tem tudo a ver com o imigrante e praticamente nada a ver com o turista. Trata-se especificamente daquela pessoa, judia ou não, que chega a Jerusalém trazendo moeda estrangeira e tenta adaptar-se ao regime local fazendo a troca dos seus parcos recursos. Trata-se aqui daquele exilado político que foi banido de seu país natal, ou daquele que por motivos de sobrevivência sujeitou-se a viver como um errante e sem direitos num país estranho, e depende inteiramente da sua hospitalidade.
Hospitalidade, palavra que para o habitante das regiões áridas do oriente médio era uma de suas principais obrigações. Também não oprimirás o forasteiro; pois vós conheceis o coração do forasteiro, visto que fostes forasteiros na terra do Egito (Ex 23,9). Então, virão o levita, o estrangeiro, o órfão e a viúva que estão dentro da tua cidade, e comerão, e se fartarão, para que o SENHOR, teu Deus, te abençoe em todas as obras que as tuas mãos fizerem (Dt 14,29). Como o natural, será entre vós o estrangeiro que peregrina convosco; amá-lo-eis como a vós mesmos. Não cometereis injustiça no juízo, nem na vara, nem no peso, nem na medida (Lv 19,34-35). Estes textos não tentam justificar, mas pelo menos nos fazem ver os reais motivos pelos quais Ló ofereceu as próprias filhas em troca do sagrado dever de garantir a segurança dos estrangeiros que se hospedaram em sua casa. Dar um bom tratamento ao estrangeiro, para aqueles povos, era mais do que simplesmente uma cortesia, era a garantia da própria sobrevivência, porque a qualquer estrangeiro que era negada a hospitalidade, restava-lhe apenas o deserto.
Jesus foi também veemente contra aqueles que oprimiam os estrangeiros através do câmbio injusto. Este texto está diretamente relacionado ao profetismo de Jeremias, quando este já havia antecipado: Será esta casa que se chama pelo meu nome um covil de salteadores aos vossos olhos? Eis que eu, eu mesmo, vi isto, diz o Senhor (7,11). Ninguém precisou contar-lhe, Jesus havia presenciado no dia anterior as falcatruas que eram ali praticadas com a anuência dos sacerdotes. Mas o texto também tem relações profundas com Isaías, quando este dita o que função estaria estabelecida por Deus para o templo: Aos estrangeiros que se chegam ao Senhor, também os levarei ao meu santo monte e os alegrarei na minha Casa de Oração; os seus holocaustos e os seus sacrifícios serão aceitos no meu altar, porque a minha casa será chamada Casa de Oração e será para todos os povos (56,6-7).
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