Perdido dentro de casa

Ilustração do livro Heroínas
da Bíblia na arte, de 1900
Ou qual é a mulher que, tendo dez dracmas, se perder uma, não acende a candeia, varre a casa e a procura diligentemente até encontrá-la? E, tendo-a achado, reúne as amigas e vizinhas, dizendo: Alegrai-vos comigo, porque achei a dracma que eu tinha perdido. Eu vos afirmo que, de igual modo, há júbilo diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende. Lc 15,8-10

O grande dilema da existência humana não é exatamente a nossa perdição real e sim sobre a nossa perdição percebida. Nós sentimos que estamos perdidos, esse é o nosso dilema. Na tragédia da nossa vida nos percebemos que estamos perdidos e
alienados. Estamos perdidos e alienados de Deus, uns dos outros e até de nós mesmos. Mas se existe uma certeza no evangelho é que em Jesus Cristo nós temos sido achados. Nós acreditamos que Deus nos aceita incondicionalmente. Por meio da fé em Cristo experimentamos a graça de Deus que é gratuita, que é radical, que é incondicional e que é universal. Esta é a boa notícia do evangelho: Nós temos sido achados em Jesus Cristo. E isto não é algo que nós fizemos, não é algo que conquistamos, porque graça conquistada não é graça, graça merecida também não é graça. E a verdade excelente é que Deus, na sua onipresença e na sua onisciência, está nos procurando e está nos achando.

Se uma mulher que tem dez moedas de prata perder uma, vai procurá-la, não vai? Acende a luz, varre a casa e procura com muito cuidado até achá-la. Mas porque tanta dedicação em procurar uma moeda que valeria hoje pouco mais de vinte reais? No tempo de Jesus era o salário de um dia de trabalho sem especialização alguma. É claro que ninguém ficaria satisfeito de perder vinte reais, a não ser que tenha perdido mais e aí preferiria ter perdido apenas vinte. Mas há muito mais coisa envolvida aqui do que o valor financeiro da moeda. Somente conhecendo o contexto da história podemos avaliar o quanto de fato a moeda valia. As mulheres casadas no tempo de Jesus, assim como as de hoje usam uma aliança, usavam uma espécie de colar que era colocado como um frontal na testa chamado de semede, e era feito de dez moedas de prata. Estas dez moedas significavam que o relacionamento com seu marido ia muito bem. Então como ela iria justificar a perda de uma dessas moedas? Como ela iria andar na rua com seu colar faltando uma moeda? Seria um escândalo se isso acontecesse. Então, muito mais do que o valor da moeda, a falta de simetria da joia em sua cabeça seria imediatamente notada. Não significaria apenas a perda de uma joia de valor inestimável, mas negligência para com o seu marido, e falta de amor no seu casamento. Por isso ela procurava com tanto afinco a tal moeda perdida. Ela simplesmente tinha que achar aquela moeda, todo o seu casamento dependia disso. E a busca não era nada fácil não. Apesar das casas dos palestinos naquela época serem pequenas, o chão de muitas delas era coberto de terra e algumas partes de capim Havia poucas janelas que permitissem entrada de luz, daí a necessidade da lamparina para revirar a poeira e remexer o capim para encontrar a moeda.

Algumas palavras parecem que saltam do texto para desafiar a nossa percepção. Primeiramente a palavra procurar, e não somente procurar, mas sim procurar até achar. Jesus na parábola quis dizer que se uma mulher procura desta maneira uma joia e não descansa até encontrá-la, quanto mais Deus não procuraria alguém que está perdido? Ele faria apenas uma busca superficial e remexeria apenas em alguns lugares para nós encontrar? Claro que não. Ele faria e fez tudo. Para ele nenhuma busca é demorada demais, nenhum obstáculo é grande demais, nenhuma distância é longa demais. O primeiro ensinamento da parábola é esse: Quanto maior é o amor de Deus por um filho seu do que a necessidade da mulher em encontrar a moeda? Interessante é que a moeda fora perdida dentro de casa, dentro do círculo familiar, e Jesus por várias vezes disse que veio para buscar os perdidos da casa de Israel. Então o que tem isso a ver conosco? É possível que estejamos perdidos dentro da casa de Deus? É possível estarmos em comunhão em uma igreja e termos perdido a nossa fé? É possível que o ativismo dentro da igreja tenha feito com que perdêssemos o vínculo com a família de Deus e, consequentemente, o nosso primeiro amor? É possível que estejamos tão ocupados em falar de Deus que nos esquecemos de falar com Deus?

A parábola nos responde que sim, que é possível que muitos de nós estejamos perdidos dentro de casa. Mas a parábola não tem por finalidade jogar isso na cara, ela não visar nos afrontar com esta realidade. Jesus prefere ressaltar o interesse pessoal que Deus tem para com cada um de nós. Ela nos traz a mensagem de que o frontal de Deus estará incompleto até a recuperação da moeda que está perdida. Assim como a mulher da parábola, que nunca iria ficar com nove moedas, Deus não irá descansar enquanto essa moeda continuar perdida. A parábola nos diz que precisamos urgentemente deixar de ver a Palavra de Deus como uma ameaça terminal e passar a vê-la como um curativo definitivo para as feridas dos nossos corações. Precisamos perceber que o Senhor do universo inteiro veio e pagou o preço impagável da procura para nos encontrar. Precisamos tem a consciência de que o Senhor do universo todo está aqui, na pessoa do seu Espírito, para nos encontrar a qualquer custo. Ele não pode ser subornado, não pode ser protelado e não existe um lugar que esteja longe do seu alcance. Ele nos conhece bem e sabe onde nós estamos, sabe o que precisamos. O mais difícil para ele é curar-nos de uma vez, porque na nossa humilhação própria, que é tão negativa, que jamais conseguimos crer que ele se preocupa conosco. Em um mundo onde ninguém liga para ninguém, é quase impossível crermos que Deus tem um tempo para nós. (continua)

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