Exaltação e Humilhação IV

A renúncia de Francisco de Assis, de Giotto 
Aquele que se exaltar será humilhado, porém aquele que se humilhar será exaltado

O que fazemos aqui é apenas um breve comentário de Lucas 18,9-14. Você deve ler o texto bíblico para apreender todo o ensinamento que ele encerra.

Esta é a conhecida parábola do fariseu e o
publicano em que Jesus fala do aspecto da exaltação e da humilhação no relacionamento com Deus. Ao arrolar o comportamento desses antagônicos expoentes da sociedade judaica, Jesus também faz com que indistintamente todas as pessoas estejam incluídas, desde o mais proeminente cidadão ao mais execrado pária da sociedade. Se o fariseu representava o que havia de social e culturalmente mais elevado, no aspecto da religiosidade representava o que também o mais politicamente mais correto no relacionamento com Deus. Já o publicano era justamente o oposto. Era a imagem viva e presente do distanciamento de Deus, pois era a encarnação da opressão maligna na vida e na fé do povo, imposta pelo Império Romano. Muita gente pensa que publicano era apenas o coletor de impostos. Não é bem assim. O coletor de impostos era um publicano, mas publicanos eram todos aqueles que trabalhavam para Roma, desde a coleta de impostos aos mais humildes cargos públicos. Logicamente que o coletor de impostos era o mais odiado, mas os outros também recebiam elogios não muito recomendáveis.

É interessante que Jesus coloca o fariseu e o publicano lado a lado, numa mesma cena, imbuídos de um mesmo propósito: ambos subiam ao Templo para orar. Aqui ele declara de modo incontestável como Deus nos vê como pessoas, sempre lado a lado, sempre no mesmo nível; como ele mesmo mais tarde vai afirmar: Deus não faz acepção de pessoas. Neste caso, era permitido que ambos orassem a Deus da mesma forma, partindo do mesmo patamar. Certa vez ouvi um pregador de pouca cultura confundir essa palavra. Em vez de dizer patamar ele disse pantanal, talvez influenciado por uma novela da época. Ele disse: Deus não nos deixa caídos, ele nos coloca num pantanal. Acabou dizendo o contrário do que queria: ele não nos deixa caídos, afunda-nos de vez na lama. Mas agora eu penso que ele tem um pouco de razão. Na realidade, todos nós estamos no mesmo pantanal, no mesmo mar de lama, no mesmo buraco profundo, que é esse mundo vil, egoísta e desumano em que vivemos. Uns mais branquinhos outros mais escurinhos, uns mais limpinhos outros nem tanto, mas todos tripulantes do mesmo barco. Meu pai dizia que o mundo é uma carroça onde uns poucos puxam, outros poucos empurram, mas a maioria mesmo vai dentro. E nós estamos no meio da maioria, sendo ora puxados e ora empurrados.
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Mais do que simplesmente colocá-los no mesmo plano, Jesus descreve o seu momento de maior intimidade com Deus: a oração silenciosa. Ali, sem que ninguém tenha conhecimento, sem qualquer interferência externa, cada um frente a frente com seu Deus. A oração em voz alta pode ser bonita e inspiradora, mas a que vale mesmo é a silenciosa, o momento singular da conversa a sós com Deus. Eu dou graças a ele quando vejo uma igreja que ainda preserva esse ato litúrgico, porque a grande maioria delas já não o faz mais. Eu duvido que a igreja daqueles evangélicos corruptos de Brasília induza seus membros a fazerem oração silenciosa. A oração em voz alta é fácil, é só decorar alguns chavões que a galera já sabe a hora de gritar aleluia. Quero ver o tête-à-tête com Deus. O que Jesus descreve é o lado imperceptível do coração a todos em volta, é o intimo, o impenetrável.

O nosso querido pastor Rubem Alves, em uma feliz interpretação desse texto diz: Um orava convicto do alto da soberba da sua retidão, segundo regras rígidas prescritas na sua religião. O outro sequer religião tinha. Nem sabia orar. Apenas batia no peito e clamava: tem misericórdia de mim porque sou um pecador. Desse momento crucial na história do cristianismo Rubem concluiu: O fariseu ajoelhou-se diante do Deus verdadeiro e orou a um ídolo falso; o publicano ajoelhou-se diante de um ídolo falso e orou ao Deus Altíssimo. O que fez diferença nas duas orações não foi a forma bem elaborada de um contra os balbucios do outro; não foram as palavras bem escolhidas de um contra os grunhidos do outro; não foi a postura moral de um contra a decadência pecaminosa do outro. O que aconteceu ali foi exatamente o que Maria havia profetizado: O que chegou rico foi despedido vazio, posto que foi procurar a exaltação, e o que se aproximou humilhado e indigno saiu cumulado de bens, porque recebera a maior de todas as bênçãos, a exaltação pelo perdão.

Exaltação ou humilhação? Ser o primeiro ou ser o último? Ser o maior ou ser o menor? De repente parece que a coisa ficou séria. Esse sermão nasceu de uma situação bastante constrangedora pra mim. Ele não está pronto, menos ainda tem a pretensão de dar uma resposta. Importa sim que a regra existe: aquele se exaltar era humilhado, porém aquele que se humilhar será exaltado. Importa mais ainda por quem queremos ser vistos, seja na exaltação como na humilhação: pelos homens ou por Deus? Que Deus nos ajude a sermos populares no lugar onde a popularidade realmente conta: junto ao seu trono. Assim orava Zepp.

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