Entre a fé a razão III

A incredulidade de São Tomé de Caravaggio
Mas a nossa questão inicial é a incredulidade de Tomé. Dito dessa maneira parece que não há defesa nem perdão para ele. Como Tomé poderia caminhar junto com os demais discípulos se lhe faltava um dos três fundamentos? Como poderia ele ter amor e esperança se lhe faltava justamente a fé em Jesus? Ele estava errado de fato? Não tiremos conclusões tão precipitadamente assim. O texto
não afirma que Tomé duvidou de Jesus, e nenhum outro lugar do
evangelho se lê tal coisa. Sua fé em Jesus era tão incontestável, que ao primeiro contato com o ressuscitado caiu de joelhos na sua frente em sincera adoração. Tomé duvidou sim do que algumas pessoas disseram a respeito de Jesus. Ele queria mais evidências do que simples palavras para crer em algo tão absurdo. Mesmo que antes ele já tivesse visto Jesus ressuscitar pessoas mortas, ressuscitar a si mesmo era algo muito além disso. Jesus havia isso para o Hades, para o lugar onde não existe consciência, como poderia sair de lá por vontade própria?

Por outro lado, algumas outras incredulidades foram exaltadas na Bíblia, como foi o caso dos habitantes da cidade de Beréia, que não somente duvidaram do que Paulo e Silas anunciavam acerca de Jesus, como foram verificar nas Escrituras se havia respaldo para o que eles diziam. Os bereanos, ao contrário de Tomé, são exaltados pela sua incredulidade, porque o seu exemplo ainda serve para nos ensinar que não devemos acreditar em tudo o que dizem ser mandamento de Jesus e ação do Espírito Santo. Não creio que alguém que, naquela época, tenha lido simplesmente as profecias do Primeiro Testamento, fizesse uma associação imediata delas com a vida e o ministério de Jesus, a não ser em releituras a partir da sua ressurreição, como fizeram os evangelistas. Com quem ficamos então? O que para uns é uma sábia prudência, pode ser para outros falta de fé?

Não posso assegurar que a situação daquela época fosse propícia à atitude conservadora de Tomé. Havia todo um clima de expectativa em torno da ressurreição. Os discípulos não eram as únicas testemunhas, algumas mulheres também narraram seus encontros com Jesus ressuscitado. Talvez Tomé devesse escolher melhor as suas palavras e não se mostrar tão radicalmente incrédulo. Mas aqueles eram outros tempos. Havia um mínimo de consenso entre os testemunhos, pelo menos não apareceu ninguém para se autoproclamar detentor exclusivo da revelação divina. Tudo o que foi dito visava enaltecer a vitória daquele que vencera a morte. Mas hoje não. Para combater tanta divergência naquilo que as igrejas dizem a respeito de Jesus, e tanta prepotência hierárquica e tanta sede de poder entre os seus líderes, seria preciso muito mais do que um Tomé e a sua inocente incredulidade.

Já passou da hora de se dar um basta nesta situação. Eu vejo a igreja mergulhada de cabeça na defesa do clima e do meio ambiente, execrando a palavra profética de cientistas sérios que consideram isso tudo uma grande farsa, quando o clima dentro dela não é nada animador, e o seu meio ambiente é a lama onde seus pastores a estão chafurdando. Surpreendo-me em ver que ainda há entre nós aqueles que acreditam que os governos tomarão iniciativas coercitivas, quando eles são os principais beneficiários. Lógico que são. É sempre melhor ter duzentas mil pessoas suplicando por cura num estádio, do que cinco mil na rampa do Palácio do Planalto exigindo melhor atendimento nos hospitais. A igreja deveria pensar melhor antes de comprar determinadas brigas. Walt Lippman dizia: Quando todos pensam igual, é porque ninguém está pensando. Mas antes dele Jesus já havia dito: Ai de vós quando todos concordarem com o que você diz, porque foram estes que mataram os meus profetas que vieram antes de vós.

Mas Tomé não foi somente incredulidade. Diz a tradição que ele era construtor e foi chamado a pregar o evangelho nos países árabes. Logo foi contratado por um sheik para construir um palácio em um local isolado, recebendo para isso uma grande soma em dinheiro. Quando chegou a lugar predeterminado pelo sheik, sensibilizou-se pela pobreza do povo e distribuiu todo o dinheiro entre eles. Vez por outra, o monarca enviava um mensageiro para ter notícias da obra, que sempre voltava com a mesma resposta: Seu palácio está indo muito bem. Inconformado com a falta de resultados, o sheik resolveu ir pessoalmente ao local para verificar o resultado. Não encontrando sequer uma estaca fincada, perguntou: Onde está o meu palácio? Tomé lhe respondeu: Está bem aí na sua frente. Você pode não vê-lo agora, mas o verá um dia na glória dos céus.

  • Digg
  • Del.icio.us
  • StumbleUpon
  • Reddit
  • RSS

0 comentários:

Postar um comentário