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Jesus e a mulher samaritana de Paolo Veronese |
Esta narrativa é uma prova da genialidade de João, como também da sua capacidade de entrelaçar símbolos ocultos, porém, de significados profundos ao texto. Foi recomendado que se lesse
somente até o versículo quinze, porque a quase infinita sucessão de temas contidos nesse capítulo exigiria mais tempo do que realmente dispomos para uma reflexão, ainda que superficial, de todo o capítulo. Temas que apontam a importância de Jesus no sistema patriarcal de Israel, de como ele é o dom de Deus e como é o verdadeiro profeta, são só alguns deles. Mas eu gostaria de me deter apenas em um tema que já vem sendo recorrente em João desde o capítulo três, o tema do encontro e do relacionamento. Como Jesus encontra e se relaciona com Nicodemos, uma figura da aristocracia de Israel, da elite cultural e religiosa do seu povo. Como encontra e como se relaciona com João Batista e seus discípulos, que eram considerados a ralé, símbolos da ignorância e o fanatismo religioso. E também como encontra e se relaciona com essa mulher, que é o espelho mais iluminado do que é contraditório na fé judaica, uma verdadeira transgressora da Tora, a lei de Deus em todos os sentidos.
somente até o versículo quinze, porque a quase infinita sucessão de temas contidos nesse capítulo exigiria mais tempo do que realmente dispomos para uma reflexão, ainda que superficial, de todo o capítulo. Temas que apontam a importância de Jesus no sistema patriarcal de Israel, de como ele é o dom de Deus e como é o verdadeiro profeta, são só alguns deles. Mas eu gostaria de me deter apenas em um tema que já vem sendo recorrente em João desde o capítulo três, o tema do encontro e do relacionamento. Como Jesus encontra e se relaciona com Nicodemos, uma figura da aristocracia de Israel, da elite cultural e religiosa do seu povo. Como encontra e como se relaciona com João Batista e seus discípulos, que eram considerados a ralé, símbolos da ignorância e o fanatismo religioso. E também como encontra e se relaciona com essa mulher, que é o espelho mais iluminado do que é contraditório na fé judaica, uma verdadeira transgressora da Tora, a lei de Deus em todos os sentidos.
O encontro se dá à beira do poço que na Bíblia é o local de encontro de grandes amores. Foi à beira do poço que Jacó encontrou Raquel. Foi também à beira do poço que Moisés encontrou sua esposa Séfora. Jesus não encontrou propriamente uma esposa, mas encontrou uma mulher marginalizada, cheia de preconceitos e que arrastava atrás de si a maldição secular dos samaritanos. Uma mulher a quem tanto amou e de quem não desistiu, até transformá-la numa precursora de Paulo: uma apóstola entre os não judeus. É dela o crédito pelos primeiros convertidos pela fé, como podemos constatar isso na confissão dos seus compatriotas: Já não cremos pelo o que ela contou, mas pelo que ouvimos e sabemos que este é realmente o verdadeiro Salvador do mundo. A Bíblia diz que a fé vem pelo ouvir, e não, como é pregado hoje em dia, através de experiências de êxtases ou do testemunho de milagres. É a essa conclusão que o texto vai nos levar. Um simples encontro de Jesus com uma mulher à beira do poço, vai resultar na conversão sincera de muitos. Mas para que isso acontecesse algumas barreiras tiveram que ser superadas, muitos obstáculos tiveram que ser vencidos.
O primeiro grande obstáculo aparece logo de saída no versículo quatro: Jesus teve que passar pelo território dos samaritanos. A primeira certeza que devemos ter para obtermos algum mínimo resultado, é que o evangelho vai nos levar a lugares que tentamos a todo custo evitar. Vai nos levar a lugares de gente ruim, de gente diferente do que nos propomos ser, de pessoas com as quais nós não nos damos nada bem. Nós não gostamos dos samaritanos? É justamente pra lá que o evangelho vai nos mandar. Nós podemos até não ir. Podemos até achar que estamos seguindo e evangelho onde estamos, mas é lá onde Deus nos quer.
O mais curioso, adiantando desde já o segundo obstáculo, é que nós não vamos chegar lá abafando, arrasando, mandando bem. Não podemos chegar lá com ares de superioridade, com a prepotência de donos da verdade. Nós vamos chegar para pedir, e pedir humildemente: eu preciso de você, você pode me dar água? Observem como a simplicidade do evangelho afronta os nossos paradigmas de vida cristã. Vencer a barreira da prepotência é o primeiro objetivo de um encontro de amor. O Chico Buarque tem uma música que conta a forma de encontro em uma cantiga de criança: Teresinha de Jesus.
O primeiro se chegou,
Como quem vem do florista.
Trouxe um bicho de pelúcia,
Trouxe um broxe de ametista.
Me contou suas viagens
E as vantagens que ele tinha.
Me mostrou o seu relógio;
Me chamava de rainha.
E as vantagens que ele tinha.
Me mostrou o seu relógio;
Me chamava de rainha.
Me encontrou tão desarmada,
Que tocou meu coração,
Mas não me negava nada
E, assustada, eu disse "não".
Que tocou meu coração,
Mas não me negava nada
E, assustada, eu disse "não".
Nestes versos, Chico mostra todo o sentimento de repulsa e desconfiança que causa uma pessoa que se aproxima da outra para conquistá-la através do amor prepotente, que imagina que pode conquistar corações oferecendo vantagens. Olha aqui, eu sou o tal, eu tenho isso, sou dono daquilo, posso te dar todas essas coisas: me dá água aí? Se essa primeira pessoa chegar a obter alguma resposta sincera, será um belo de um não. Não, é a única resposta que ele vai ouvir de um coração sincero, não interesseiro. A outra pessoa pode pegar teu bicho, ficar com teu broche, mas vai ficar de olho no teu relógio e invejar as tuas viagens, mas não vai te dar nada, muito menos confiança.
Não é da troca de objetos de valor e nem de bênçãos que o evangelho anda atrás. Não é a barganha, breganha, como se fala no interior, a proposta do evangelho. Gandhi dizia: Considero que o proselitismo disfarçado de trabalho humanitário é, no mínimo, doentio. Por que eu deveria mudar de religião devido ao fato de um médico que professa o cristianismo ter me curado de alguma doença?
Como o mundo ensina e como insistimos em não aprender? Como as pedras clamam e nós insistimos em não ouvi-las. Citei apenas Chico Buarque e Mahatma Gandhi, mas tem muito mais. Quando é que vamos esquecer de vez esse tipo de proselitismo que não está dando certo. Quando é que vamos perceber que essa maneira de fazer discípulos arregimenta milhões evangélicos, mas produz pouquíssimos cristãos. Na verdade o Brasil está se enchendo de evangélicos, mas nunca antes nesse país, para citar o chavão de um expresidente, se viu tanta corrupção, tanto descaso e tanto desamor como nos últimos 40 anos. Até chacinas sem causa, que são próprias de culturas neuróticas, já chegaram por aqui. Quando será que iremos deixar de lado essa evangelização de cima para baixo, que se apresenta com ares de superioridade, que nos faz donos da verdade absoluta e partir para o evangelho de Jesus, o Deus que se encarna, que se humilha, que aceita ser contado como um de nós para privilegiar o contato, a troca de experiências que se dá através do diálogo, do dar e receber? (continua)
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