S. Francisco de Assis na ordenação de Santa Clara, anônimo, século XV |
Antes mesmo do seu nascimento, Jesus estava predestinado a entrar na luta entre a soberba e a humildade. Uma luta entre dois posicionamentos distintos que influenciam muito na primeira e talvez derradeira impressão que causamos às outras pessoas. Talvez seja também o principal aspecto no julgamento do
comportamento humano e a chave da aceitação mútua. Enfim, aquilo que estabelece de saída o modo de como somos vistos pelos demais. O cântico de sua mãe, Maria, já se apresentava como o prenúncio desse seu árduo combate: Exaltará os humildes e despedirá vazios os ricos. Ou seja, Jesus foi predestinado a contestar os valores que uma sociedade organizada mais preserva em favor daquilo que ela menos deseja para si. O ministério de Jesus, mesmo antes de iniciar-se, já se declarava subversor da milenar ordem estabelecida.
comportamento humano e a chave da aceitação mútua. Enfim, aquilo que estabelece de saída o modo de como somos vistos pelos demais. O cântico de sua mãe, Maria, já se apresentava como o prenúncio desse seu árduo combate: Exaltará os humildes e despedirá vazios os ricos. Ou seja, Jesus foi predestinado a contestar os valores que uma sociedade organizada mais preserva em favor daquilo que ela menos deseja para si. O ministério de Jesus, mesmo antes de iniciar-se, já se declarava subversor da milenar ordem estabelecida.
Que eu tenha conhecimento, no Antigo Testamento, não mais do um ou dois profetas tenham tocado de leve nesse assunto. Isaías, referindo-se a Jeremias, em quem se espelhou para criar a figura do servo sofredor, e possivelmente Jeremias, ainda que contra a sua vontade. E se existe uma possibilidade da qual, desde muito antes de João Batista, até o Diabo duvida, é justamente essa: Conseguirá alguém manter a sua cabeça sobre pescoço após tentar mudar essa ordem? A descrença do Maligno no cântico de Maria foi tão grande que mais tarde foi conferir no deserto. No momento em que Jesus definia as prioridades da sua missão, ele apareceu para oferecer a Jesus o caminho mais fácil e rápido da exaltação. Se você se jogar de cima do Templo e chegar ileso ao chão, eles vão saber de cara quem tu és. Esse é um bom começo, exalte-se logo e depois se humilhe à vontade.
Mas como podemos imaginar que alguém possa querer buscar na humilhação o caminho para a exaltação? Como imaginar que ela possa se evidenciar, se uma das características básicas da humildade é justamente o anonimato? A menos que faça o que o Diabo sugeriu, construa antes para si um pedestal onde se possa subir para ser vista e apreciada, não sei como se pode chegar lá. Mas uma coisa é certa: Dificilmente alguém crerá que esse pedestal possa ter sido montado sobre uma conduta iminentemente humilhante. Antes é preciso se chegar lá em cima, no topo da exaltação, para que então qualquer gesto de humilhação venha a ser apreciado. Somente assim dá para entender um pouco da dificuldade que Jesus teve para se anunciar como o Messias, entender o porquê do seu anonimato e entender as causas da demora do seu reconhecimento, demora essa que perdura até hoje. Por que escolher apenas 12 discípulos, ficar sujeito a itinerância, depender da caridade alheia para sobreviver, se uns poucos milagres bastavam? Fazer milagres não era para ele problema, ele era um milagreiro.
O fato é que Jesus foi impertinente quanto a esse aspecto em particular da vida cristã no comportamento dos seus discípulos. Ele nunca permitiu que uma manifestação extraordinária da misericórdia de Deus servisse de trampolim para promoção pessoal ou mesmo para a divulgação do Reino de Deus. Aliás, manifestações extraordinárias, o que comumente chamamos de milagres, nunca foram garantia de que Deus estava de acordo com a situação vigente. Paulo diz justamente o contrário, que Deus mais se manifesta mais onde o pecado é mais evidente. Onde aumentou o pecado, a graça de Deus aumentou muito mais ainda. E Paulo diz mais: Milagre é sinal para os não crentes, pois o sinal para os que creem é a profecia, é a pregação da sua Palavra que serve para exortar, para edificar e para consolar. Esse é o ponto de questionamento da doutrina neopentecostal.
O reconhecimento da humildade somente é obtido após seguidos testemunhos, ao passo que a prepotência não tem perdão ao seu primeiro sinal. Jesus nos ensina que o reconhecimento da boa conduta cristã constrói-se ao longo de uma sequência de abnegações e despojamentos, mas que para ser destruída necessita de apenas um pequeno gesto de soberba. Jesus sabia muito o tamanho do vespeiro que estava colocando as mãos, porque não era exatamente de humildade o tipo de humildade, que chega ser até motivo de orgulho para alguns, que ele estava falando. Quem se diz ser um humilde servo de Deus, não sabe o que estão dizendo. A palavra que Paulo usou para descrever estes tais humildes servos de Deus, foi a mesma dada aos remadores inferiores, aqueles que ficavam no porão das galés, os descartáveis. Jesus estava falando especificamente de humilhação. Observem o texto: Aquele que se exaltar será humilhado, porém aquele que se humilhar era exaltado. Ele diz isso em três ocasiões diferentes. Por conta disso vamos analisar esses três relatos da Bíblia na tentativa de compreender esse imbróglio no qual Jesus nos meteu, a culpa é dele. Se ele tivesse deixado quieto nada disso tinha acontecido: ele não teria sido perseguido, sua palavra não teria censuras nem distorções. É bem certo que ele também não teria salvado o mundo, mas este é um mero detalhe. (continua)
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