Exaltação e Humilhação III

Nascimento de S. Francisco. Pintura anônima
no Convento de Santo Antônio da Paraíba.
 Aquele que se exaltar será humilhado, porém aquele que se humilhar será exaltado. É fundamental ler Lucas 14,7-14.

Mais do que discorrer sobre simples regras de protocolo e etiqueta, Jesus esta falando da importância do comportamento do cristão perante a sociedade. A abrangência do seu ensinamento estende-se
aos dois lados do compromisso: como agir como anfitrião e como convidado. O texto parece que quer nos colocar em uma das circunstâncias mais corriqueiras da vida. É uma situação tão comum que jamais deveria ser pensada como ponto de questionamento da fé, mas é justamente onde Jesus encontra a oportunidade para nos mostrar o quão minuciosos são os preceitos da ética cristã.

O primeiro item a ser analisado é que para um compromisso secular as pessoas são convidadas seguindo o rígido critério da escala social. Como o número dos presentes é sempre limitado por motivos diversos, a faixa estreita dos que devem estar presentes varia entre aqueles que não podem deixar de ir e o fator momentâneo que divide a aceitação da rejeição. Se você é um desses convidados, pode crer que você pertence a essa faixa, você faz parte de um jogo de interesses bastante claro e definido. O Jornal da Ciência popularizou uma frase que resume essa ideia com bastante propriedade: Não existe almoço grátis. Se você é convidado para um almoço, pode ter certeza de que algo lhe será cobrado.

Mas esse não é o único aspecto a ser observado. É bom que se note que sempre existe uma hierarquia entre os convidados: aqueles que se sentam mais perto do bolo, com quem o anfitrião passa mais tempo conversando, que a mesa é mais assistida pelos garçons, por aí à fora. Jesus nos ensina como comportar-se nessa situação. Será que Jesus estava antecipando a famosa estratégia de Maquiavel de como fazer para entrar como gato e sair como leão? Percebe-se que não era exatamente com a exaltação que ele estava preocupado, mas sim em evitar que seus discípulos se exponham a uma forma de humilhação completamente desnecessária e inútil. Jesus valorizava tanto a humildade que ele não queria vê-la desperdiçada numa simples festa. A ideia é: nunca se humilhe de graça ou por algo que não valha à pena. Para ele a humilhação tinha um valor tão inestimável, que, nesse caso em particular, entre a humilhação e a exaltação ele recomenda que se busque a exaltação, quebrando assim a sua própria regra.

Dito isso, Jesus parte para o que realmente importa no relacionamento social. Quando somos eu ou você que criamos as regras. Quando eu e você decidimos quem é quem. Sempre existiu na mente de Jesus uma definição clara dos propósitos humanos. Eles são para serem apreciados pelos homens ou para serem apreciados por Deus. Dificilmente alguém pode fazer algo que agrade os dois lados. Nesse texto Jesus fala claramente sobre isso: a intenção velada que está por trás de cada atitude. Esteja certo de que se você começar a convidar para a sua festa mais importante as pessoas menos indicadas, se você simplesmente inverter a ordem da lista de convidados, a sua reputação perante o seu círculo de relacionamentos vai pro ralo, como se diz hoje, pra a lama, como se dizia antigamente. Imagine o que falarão os que ficaram de fora: Olha lá, ele convidou aquele rato de esgoto, mas não convidou a mim. E esta será a menor das indignações que se levantarão contra você.

Mas Jesus explica a necessidade de se promover tamanha inversão. Se convidarmos as pessoas mais importantes, que diferença estamos fazendo nesse mundo? Os não cristãos não fazem o mesmo? E se os convidamos na intenção de que por eles também sejamos convidados? Isso é o que Jesus chama de atitudes para serem vista pelos homens. Agindo desta maneira, logicamente atingiremos nosso objetivo, e sobre este objetivo não paira qualquer ameaça. Ninguém vai pro inferno por isso. Contudo, se temos um objetivo maior, temos que esquecer as glórias e o reconhecimento dos homens. Na escalada da fé o vento sopra noutra direção.

Jesus conta uma parábola sobre dois filhos que deram respostas diferentes a uma mesma ordem. Um deles disse que ia e não foi. O outro disse que não ia, mas acabou indo. No final faz a seguinte pergunta: Quem fez a vontade do pai? (MT 21,28-32). E para o nosso espanto ele conclui a parábola dizendo assim: Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precederão no reino de Deus, estabelecendo a mais impensável de todas as inversões de valores. Quem faz a vontade do Pai geralmente é aquele que mais se revolta contra ela, pois esta vontade vai sempre de encontro à nossa vontade e à apreciação dos homens. Ser humilde diante daquele que não tem como se exaltar, vale mais do que pregar bem, orar no Espírito, do que contribuir com generosidade. Vale tanto quanto aquele ou aquela que faz a vontade do Pai.

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