Pecado e Graça

Jacó abençoa os filhos de José,Jan Victors(1619-1676)
A lei veio para aumentar o mal. Mas, onde aumentou o pecado, a graça de Deus aumentou muito mais ainda. Rm 5,20

Neste versículo Paulo não somente fez um resumo completo de evangelho como nos ditou os dois elementos primordiais da nossa vida: pecado e graça. Será que
alguém já reparou o quanto essas palavras são velhas? E o quanto são familiares também? Talvez seja por isso que elas tenham perdido o seu potencial, o seu poder genuíno. Hoje quando se fala em pecado e graça parece que
ninguém está nem aí. Por isso que eu e você temos que resgatá-las para nós. Precisamos fazer com que elas tenham a devida atenção, e sejam devidamente observadas. Para isso Paulo nos deixou o versículo: A lei veio para aumentar o mal. Mas, onde aumentou o pecado, a graça de Deus aumentou muito mais ainda.

Você já parou para pensar no que significa a palavra pecado. Você sabia que o pecado antes de ser um ato é um estado? Sabia que a palavra pecado não deve ser usada no plural. Não são os meus pecados e sim o meu pecado. Sabia também que é arrogante tentar classificar as pessoas em grupos de pecadores e retos? Sabia que tudo que falamos sobre pecado é muito diferente e está muito distante do que a Bíblia diz ser o pecado? Na Bíblia pecado é separação, e desse mal todo mundo sofre, este mal todo mundo pratica. Alguém pode dizer: Sergio, esse negócio de separação não é comigo. Pelo simples fato de dizer isso, já significa que está separado da maioria e vai passar a ser olhado com desconfiança. Separação é um fato universal, por isso é que nós sentimos sozinhos, por isso é que nós sofremos; porque estamos em pecado, e estamos mesmo.

 O curioso disso tudo, é que mesmo estando em polos opostos, pecado e graça estão intimamente ligados, porque um não existe sem o outro. Eu jamais conhecerei a extensão do meu estado de pecado, se não for um dia alcançado pela graça. E, por conseguinte, a graça de Deus de forma alguma poderá me redimir, se eu não estiver mergulhado até o pescoço no pecado.

Então o que dizer da palavra graça? Assim como a palavra pecado, ela também é bem complexa. Não é nada fácil definir o que é graça. Então, o que seria graça? A graça seria como um rei de coração grande que simplesmente olha para as pessoas e perdoa todas as suas idiotices e fraquezas? Claro que não. A graça seria como um Papai Noel gigante que tira de um saco enorme perdão e restauração, e os distribui para quem foi bonzinho? Logicamente que essa não é uma boa definição de graça. Graça é uma palavra mágica que eu invoco nas horas de provação? É isso, a graça não é uma nova consciência que não permite que eu peque mais? Nada disso. A graça de Deus é muito mais. Na graça algo é superado. A graça acontece apesar de tudo. Ela acontece, apesar do meu pecado, apesar da minha separação. Ela é a reconciliação do inconciliável. Ela é a união dos que estavam definitivamente separados. Ela é a única esperança daqueles, que, assim como nós, estão irremediavelmente perdidos e alienados. Se alguém supõe não estar enquadrado neste caso, dá um sinal de que está separado de nós outros, e também vai ser olhado com desconfiança, daqui pra frente.

Mas a graça de Deus também não é só isso, ela possui elementos transformadores que vão além da restauração e da valorização pessoal. Ela possui elementos que não somente a fazem vencer o pecado, mas abre uma incomensurável vantagem sobre ele. A graça transforma o nosso medo e humilhação em coragem e força. O estado do indivíduo após ser alcançado pela graça em nada se assemelha ao seu estado anterior, pois vitória da graça sobre o pecado é algo que não pode ser descrito. Não é à toa que um autor de músicas sacras dedicou a ela sua mais preciosa pérola, quando deu o nome à sua composição de Maravilhosa Graça. Contudo, eu ainda não queria utilizar qualquer rótulo antes de fazermos uma meditação mais profunda sobre o conflito da separação, que é o pecado, e a conciliação, que é a graça. Neste conflito existem três aspectos.

O primeiro motivo de nos sentirmos separados pelo pecado, é porque estamos separados uns dos outros. Você já reparou bem nesta separação? Quem nunca se sentiu sozinho e separado numa festa animada e cheia de gente? É assim mesmo. Talvez o lugar onde essa nossa separação se torne mais evidente, seja num lugar de barulho e agitação de pessoas. Querem saber em que lugar eu me sinto mais sozinho e me sinto mais ameaçado? Quando eu atravesso o Camelódromo para ir à Sociedade Bíblia. Eu me sinto ameaçado e parece que eu corro um enorme perigo. Justamente no lugar onde tem gente pra todo lado, que eu deveria me sentir mais amparado e mais seguro, mas não. É que lá, cada indivíduo está recolhido dentro de si mesmo e eu não tenho como saber quais são as suas intenções. Eu não posso penetrar no pensamento deles para saber o que eles querem, o que eles pensam ou o que vão fazer. Mas não posso, e o fato de não conhecermos o íntimo das pessoas nos assusta, pois nem o maior amor consegue quebrar a barreira do íntimo.

Toda geração diz a mesma coisa, mas a nossa geração, com muito mais convicção do que qualquer outra na história conhece a hostilidade profunda que existe dentro de cada ser humano. Cada vez mais a psicologia, as ciências sociais, o estudo sistemático do comportamento descobrem mais causas dessa agressividade que existe dentro de cada um de nós. Descobrem também as diversas maneiras, mesmo as mais sutis, de como expressamos essa agressividade. Você pode não se dar conta, mas muitas vezes o infortúnio dos nossos melhores amigos é para nós motivo de satisfação, e ninguém honestamente pode negar que isso acontece. Nós estamos sempre de prontidão para abusarmos da primeira pessoa que quebra a cara. Fazemos isso não por maldade consciente, mas para nos autoexaltarmos, para nos autoafirmarmos, para sermos os bons. É claro que fazemos de modo refinado, mas que fazemos, fazemos. Nem que seja com a sutileza de um simples “eu não disse?” E é analisando este tipo de comportamento que essas ciências nos fazem conhecer a profundidade da separação de vida que existe entre nós e os outros. E é aí que podemos ver claramente o pecado aumentando.

Outra coisa com respeito à nossa geração, é que antigamente para nos inteiramos sobre o pecado, precisávamos ir à igreja. Para compreendermos o que Paulo disse sobre o pecado aumentando, precisávamos ouvir sermões. Esse era o lugar da igreja, nos alertar sobre a progressão do pecado no mundo. Mas isso mudou. Hoje a gente assiste em nossa própria casa, em alta definição, diariamente esse continuado aumento do pecado.   
  
Não faz muito tempo assisti a um filme que mostrava isso claramente. Era a história de um rapaz que tinha tudo. Ele tinha talento, tinha riqueza, beleza, prestígio, ele tinha uma esposa linda e dedicada, tinha filhos maravilhosos. Mas esse rapaz, um dia, começou a beber exageradamente. E em uma hora e meia o filme mostrou como ele foi gradativamente perdendo tudo que tinha. Nos intervalos eu ficava imaginando como ele ia recuperar tudo o que perdeu. Imaginei que ele ia cair em si como o filho pródigo, que ele ia se converter como Zaqueu. Ele não podia perder tudo só porque bebia, mas não aconteceu nada disso não. Ele perdeu mesmo tudo e ficou perdido. No final era apenas uma figura sórdida, solitária, separada de tudo que tinha, inclusive de sua família. As últimas cenas eram de fazer chorar. Uma tragédia real mostrando como o pecado aumenta. Acho que este foi o sermão mais contundente sobre o pecado que eu ouvi na minha vida. O testemunho fiel de separação de vidas, o testemunho fiel de pecado aumentando. (continua)

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