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A Última Ceia de Jacopo Bassano (1510-1592) |
O Calendário Litúrgico recomenda que um dos assuntos das meditações de hoje seja Números 21, que tem por tema a serpente levantada por Moisés no deserto. Um tema que considero bem apropriado, menos pela ocasião da Quaresma, do que pelos vários papéis que a serpente representa na tradição judaicocristã. Era sobre isso que deveríamos meditar, porém, dois motivos me levaram a não fazê-lo. O primeiro é que ainda preciso investigar bem mais este instigante tema, e depois, embevecido pela grande aceitação da
mensagem dos dois últimos dias, as mais lidas até então, me senti à vontade para falar do que quiser.Para não me orgulhar por muito tempo, alguém me fez deparar com as palavras pão e pedra, que são igualmente controversas, em se tratando do texto bíblico de Mateus 7, em que Jesus pergunta quem é o pai, que por pior que seja, dará pedra ao filho lhe pede pão? Embora tenha uma serpente aí também, a questão do texto não são as ofertas que fazemos aos nossos filhos. Logicamente que aqui existe um grande consenso. Indistintamente qualquer pai ou qualquer mãe pensaria da mesma forma. Essa não é a questão do texto. Mas sim o que nós realmente queremos receber? Qual é a nossa preferência, pão ou pedra? Nenhum de nós que tivesse que fazer tal escolha diante da oferta desses dois elementos, vacilaria, sem sombra de dúvida, em escolher o pão. É claro. Numa análise imediata do texto, concluiríamos que o pão representa a bênção e a pedra, a maldição. O texto deixa bem claro que estamos fazendo uma escolha acertada: é pão mesmo, não é pedra, não. Jesus disse que não é só quem é bom que dá pão, até quem é mau também dá. É preciso ser muito mal, extremamente perverso, é preciso ser desumano para dar uma pedra a um filho que pede pão, e uma cobra quando ele pede peixe. As pessoas boas escolhem sempre dar pão. Pedra não, pedra é um perigo, é igual à serpente: morde feito doido. Pão é alimento, é força, é vida. Pedra serve pra fazer a gente tropeçar e não serve nem pra travesseiro. São Pedro que o diga.
Dito isso, será que definimos toda a pregação de Jesus sobre esses dois elementos tão comuns na nossa vida? É assim mesmo que ele posiciona esses elementos? Aqui está o pão, ocupando lugar no mais alto dos céus, e aqui a pedra, que vai queimar eternamente no quinto dos infernos. É assim mesmo e acabou? Pão e pedra. Está tudo resolvido? Tá tudo dominado? Não sei não. Por mais definitivos que estejam para nós estes dois elementos; mesmo que a distinção entre eles seja inequívoca; por mais clara que seja a diferença entre pão e pedra, não seria possível, que, contidas nestas duas palavras, estejam presentes as maiores ambiguidades dos evangelhos? Não seria possível também que fossem estas as palavras que mais oscilaram na pregação de Jesus? Porque não são poucas as ocasiões onde elas trocaram de posição, ou seja: quando o pão passou a ser uma coisa ruim, um tropeço e a pedra uma coisa boa, uma verdadeira bênção divina.
Logo depois da multiplicação dos pães, que obviamente foi uma coisa boa, Jesus reparou que o número dos seus discípulos aumentara assustadoramente. Aí ele matutou consigo mesmo: será que eles estão atrás de mim porque viram os sinais de um novo tempo, ou porque comeram do pão e se saciaram? Jesus notou que eles claramente optaram por seguir o Deus que dá pão, o Deus que só oferece vantagens. Não optaram pelo Deus que na sua vontade pode fazer tudo o que quiser, mas pelo Deus que pode fazer tudo o que a nossa vontade quer. É importante observarmos este detalhe, porque sempre houve cristãos passando por dificuldades, sofrendo e até morrendo, apesar de terem fé. As igrejas estão lotadas de pessoas que sincera e honestamente a vida inteira buscaram cura, e nunca foram curadas. Será que o diferencial nestes casos é a falta de fé dessas pessoas? Vamos supor que seja. Vamos dar um crédito aos profissionais da fé. Mas vai ter um problema. Se observarmos a época em que os evangelhos foram escritos, vamos ver que a situação era bem mais complicada. Também havia cristãos sofrendo e não poucos estavam morrendo, apesar de terem fé. Mas naquela hora eles estavam morrendo por causa da sua fé. A partir daí ninguém mais tem o direito de ligar o sofrimento à falta de fé, e sim ao extremo oposto, a exuberância de fé.
Também não podemos nos esquecer de que embutida na oferta gratuita de pão havia uma política de dominação do Império Romano que funcionava como uma terrível arma. Para o povo sofrido e oprimido, os imperadores ofereciam pão e circo. O pão era um atrativo para uma escravidão silenciosa, sem contestação. O pão servia como um cala boca, como um prêmio de consolação, para que o povo suportasse por mais tempo o estado de opressão que os dominadores romanos lhes impuseram. Será que Jesus teve mesmo essa intenção? Será que ele queria chamar pessoas para o Reino de Deus atraindo-as com pão? É claro que com pedra ele não ia arrumar nada. Como se dizia antigamente: nem pro café.
Diante dessa dúvida que foi aqui levantada, imagino que esta seja uma boa hora de revermos estes conceitos de mal e bem, de bom e mau na pregação de Jesus. Assim como um aperitivo para esperarmos que a serpente venha ocupar o seu espaço aqui neste blog. Mas é só aperitivo mesmo, o restante vem amanhã.
Parábola da pedra citada acima (autor desconhecido)
Um dia Jesus estava falando com seus discípulos e disse:
— Eu quero que vocês carreguem uma pedra pra mim!
Foi só isso que ele falou. Simão Pedro não entendeu o porquê. E também Jesus não explicou. Então Pedro deu uma olhada em volta e pegou o menor pedregulho que pôde achar e pôs no bolso. E Jesus disse: "siga-me!"
Então eles andaram a manhã inteira e na hora do almoço Jesus pediu para que todos se sentassem.
— Cada um pegue a sua pedra.
Ele fez um gesto e todas as pedras viraram pães. Era hora do almoço!
Depois de 20 segundos de almoço, Pedro terminou. Quando o almoço acabou Jesus disse:
— Em pé! E eu quero que cada um de vocês carregue uma pedra pra mim.
Pedro ouvindo isso logo olhou em volta e viu uma rocha pequena, colocou-a nos ombros, doeu muito; ele mal conseguia andar. Ele dizia: "Tá difícil, mas mal espero ver a hora do jantar!"
Na hora do jantar Jesus os levou a beira de um rio e disse-lhes:
Na hora do jantar Jesus os levou a beira de um rio e disse-lhes:
— Cada um jogue a sua pedra no rio e venham, sigam-me! E quando ele começou a ir embora e largar tudo para trás, Pedro e todos os outros ficaram embasbacados com Jesus.
— Vocês não entenderam? - disse Jesus - Pra quem vocês estão carregando esta pedra? Eu pedi
para vocês carregarem a pedra para mim!
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