Deus da Bênção

Jesus Cura o Servo do Centurião de Paolo Veronese (1528-1588)
Nós cremos em um Deus que podemos dizer que tem prazer em abençoar. Se vivêssemos nos passado e adotássemos o costume de agregar adjetivos ao nome de Deus, teríamos que chamá-lo de o Deus da Bênção. Aquele, que faz nascer o sol sobre bons e maus, e faz cair a chuva sobre justos e injustos. Embora existam alguns grupos religiosos que pensam que podem monopolizar a bênção de Deus, fazendo dela uma conquista pessoal, algo que pode ser obtido através de fórmulas mágicas, de expressões recitadas entre dentes e de rituais e sacrifícios estranhos, ainda restam alguns cristãos que não
compactuam com eles. Aqueles que não aceitam no seu linguajar de evangélico expressões do tipo, correr atrás da ou tomar posse da bênção. Aqueles que não entendem a bênção como prêmio que se pode conseguir pelos próprios esforços. Aqueles que creem, pela Bíblia, que a bênção não está na área de ter e sim na área do ser. Pelo menos foi assim quando Deus instituiu a bênção. Ele não chamou Abraão para ter uma bênção, não chamou para possuir uma bênção, não chamou para tomar posse de uma bênção, e sim para ser uma bênção. Eu te abençoarei de tal modo que tu serás uma benção para todos os povos da Terra.

Contudo, a palavra bênção na Bíblia possui uma variedade considerável de significados: alguns extremamente nobres, outros mais imediatos e menos ricos de sentido. O problema se estabelece quando os cristãos teimam em reter para si apenas os significados mais superficiais, considerando os mais profundos mistérios da graça e da ação de Deus. Eu gostaria de aproveitar a oportunidade e comentar, em rápidas palavras, alguns destes significados mais nobres e mais elevados da bênção.

O primeiro sentido da palavra bênção é presente no sentido material, destes que se ganha quando se faz aniversário, um presente pode e deve ser uma bênção. O presente que Jacó deu a Esaú foi chamado de bênção e não de lembrancinha, pelo que significou como arrependimento e perdão. Um presente se torna uma bênção, porque independentemente do seu valor intrínseco faz com que as pessoas tenham a certeza de que não nos esquecemos delas. O presente é uma bênção quando promove a paz, a reconciliação e a profunda alegria, tanto daquele que dá quanto do que recebe.

Jesus durante o seu ministério terreno recebeu alguns desses valiosos presentes. Não falo apenas dos presentes dos magos que o visitaram em Belém, mas presente de pessoas cujas atitudes se constituíram em verdadeiras bênçãos para ele. Certa ocasião ele estava observando as pessoas que, ao entrarem no Templo de Jerusalém, depositavam as suas ofertas. Foi quando viu uma viúva pobre colocar ali suas duas únicas moedinhas. A narrativa nos faz pensar que Jesus dá um grito de tão surpreso: Aquela mulher deu a maior oferta. E aproveitou a ocasião para estabelecer a distinção entre oferta e bênção: Outros, na sua abundância, deram aquilo que lhes sobrava, ela, porém, na sua penúria, deu tudo que o tinha para seu sustento. Ela foi uma bênção. Os discípulos não entenderam absolutamente nada da contabilidade de Jesus. Em que mundo duas moedinhas vale muito mais que polpudas ofertas? O que ele faz questão de destacar é que, quando a oferta, a dádiva ou o presente levam junto o coração, transforma-se na mais verdadeira e completa bênção.

Temos também para a nossa reflexão a narrativa da prostituta louca, que invade atabalhoadamente a casa onde Jesus se encontrava. Aquela mulher, saída sabe-se lá de onde, ajoelha-se aos pés de Jesus, lava-lhe os pés com suas lágrimas e os enxuga com seus cabelos.  Não bastasse, derrama sobre sua cabeça um caríssimo vidro de perfume. Essa simples, porém marcante atitude constrange a todos que ali estavam de varias formas: pelo fato de ser uma mulher, por ser uma prostituta e por desperdiçar sem critério um valiosíssimo perfume. Jesus consegue enxergar naqueles apelos à racionalidade a maldade oculta em cada coração. Por que aborreceis esta mulher? Entrei aqui e ninguém me lavou nem me secou os pés. Não me ungiram nem com óleo barato, quanto mais com perfume. Ela não, me deu um presente, me proporcionou uma bênção. Em verdade vos digo. Onde quer que se pregue o Evangelho, e será em todo lugar, também o que ela fez será contado em sua memória. Jesus ficou tão extasiado que fez do gesto dessa mulher tema obrigatório de sermão para todos aqueles que pregassem o seu evangelho. Jesus estabelece aí a diferença entre gostar e amar. Vocês gostam de estar comigo, mas ela fez de uns poucos momentos na minha presença a própria razão da sua vida. Vocês me dão lembrancinhas, ela me deu uma bênção.

Mas talvez não houvesse presente maior do que aquele dado pelo centurião romano que intercedera junto a Jesus pelo seu criado. Jesus sensibilizado pelo seu pedido dispôs-se a acompanhá-lo, mas o centurião achando-se indigno de tão grande privilégio, o interrompeu dizendo: Eu estou acostumado a dar ordens. Quando eu digo a um soldado vai, ele vai. Quando digo a outro vem, ele vem. Por isso eu creio que basta uma palavra sua e ele ficará curado.  Aquele era um homem que conhecia muito bem o poder da autoridade, o poder de um império que detinha em suas mãos a vida e a morte. Mais do que qualquer outro antes dele, o centurião reconhece que está diante de um poder muito maior do que toda a estrutura do império a quem serve. Reconhece a autoridade daquele que tem o poder de curar, de restaurar e de dar a vida apenas por uma única palavra. Basta uma palavra sua, e ele ficará curado. Diante desse presente Jesus lava a alma. Parece que ele diz: Até que enfim encontrei alguém que realmente crê em mim. Nem mesmo em Israel eu vi fé como esta. Jesus estabelece aí a diferença entre acreditar e ter fé. Vocês para a creditarem em mim querem ver sinais, é preciso que eu multiplique pães, que ande sobre as águas, que me transfigure. Para este homem basta apenas uma palavra para que toda a bênção do mundo se materialize diante dele. (continua)

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