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Visões de Ezequiel, Raffaello (1483-1520) |
amar: Pois só quem ama tem ouvidos capaz de ouvir e de entender estrelas.
Quando o ensaio desta meditação começa afirmando que o texto transcende o contexto, não o faz fundamentado em antigos alicerces da fé, mas meramente interpretação das palavras de David, aí reconhecido como autor deste Salmo 19 e que acreditava que a terra era o centro inabalável do universo, em contrapartida aos versos de Bilac, que a via como um obscuro ponto na imensidão do cosmos. Ou seja, nem mesmo pressupostos tão antagônicos conseguiram modificar o foco da mensagem de ambos, que em última análise quer dizer: Os céus não se cansam de proclamar o amor de Deus. Esta foi uma conclusão rapidamente assimilada pelas três maiores religiões existentes: o Islamismo, o Judaísmo e em nosso caso particular, o Cristianismo. Isto é, por dois terços da população mundial. Hoje estimasse que 4,7 bilhões de pessoas professam, confessam e acreditam que realmente existe uma linguagem inaudível que afirma que a soberania de Deus pode ser percebida nos astros e nas estrelas.
Recentemente um astrônomo, embevecido pela grandeza do cosmos, afirmou: O universo não é maior do que nós pensamos, ele é maior do que possamos vir a pensar. Sobrepondo-se a este pressuposto da ciência, a igreja cantava um hino, infelizmente não canta mais, que vem reafirmar a grandeza de Deus acima da descoberta de proporções inimagináveis do astrônomo. Se nos cega o sol ardente, quando visto em seu fulgor. Quem contemplará aquele que do sol é criador? É muito bom que todo aquele que professa a sua fé na inominável grandeza de seu Deus pensasse desta maneira, mas seria ainda melhor se cada um deles agisse e orientasse a sua vida segundo a fé na universalidade da soberania de Deus. Mas também, seria de se esperar que as palavras que formam a base das doutrinas e regras de fé de cada uma dessas religiões narrassem tão somente situações que corroborassem diretamente para a confirmação desta maravilhosa descoberta. Mas nem sempre é assim, e eu gostaria de em rápidas palavras comentar três situações em que o nosso texto sagrado nega ou não toma conhecimento da mensagem dos céus.
Primeiramente vou pedir que vocês se lembrassem do desabafo que João, o evangelista, faz na sua primeira carta. Em meio à grande tribulação imposta pelos romanos à igreja nascente João afirma: O mundo jaz no maligno. Infelizmente este desabafo não foi interpretado levando-se em conta o momento de dificuldade extrema que estava vivendo a congregação dirigida pelo apóstolo, e não ficou restrito apenas àquele momento de provação da fé. Não se manteve exclusivo aos infortúnios daquele servo de Deus. Este também é o desabafo que mais ouvimos quando tomamos conhecimento através dos jornais da crescente escalada da violência, que mais do que em qualquer tempo antes desse, abala os pilares da fé. Decorridos dois mil anos, estamos cada vez mais tentados a acreditar que o mundo realmente jaz no maligno.
Em face do exposto, ficam no ar as perguntas: Então onde está firmada a nossa fé: Na teologia que diz que Deus criou o mundo em seis dias e depois descansou? Onde ele organizou o universo, deu bastante corda, ou falando modernamente, colocou uma bateria inesgotável e o abandonou à própria sorte? No tempo que Deus permite que o mal se supere e venha a tomar as suas rédeas da sua criação? Como são tão diversas as respostas a esta pergunta, quem sabe devêssemos reunir um concílio mundial de igrejas cristãs para termos consenso pelo menos no que diz respeito a esta questão. Precisamos decidir urgentemente quem é o chefe. No final das contas, de quem é a mão que segura o controle neste exato momento?
Nada disso é novo ou está restrito apenas ao nosso tempo. Quando o anúncio da chegada do Reino de Deus ainda era recebido com alegria, Jesus pôs um freio na euforia daqueles que o seguiam visando somente os benefícios dos seus milagres, mandando que estes observassem o que estava por trás dos milagres: o anúncio de um novo tempo. Mais tarde, em um momento de aparente paz e segurança, retomando o tema, ele disse aos discípulos mais chegados, ou seja, àqueles que podiam suportar a verdade: No mundo tereis aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo. Ao dizer isso de forma simples e sem maiores explicações, embora tenha acendido um facho de esperança para aqueles que sofriam perseguições, Jesus confundiu mais ainda as pessoas que ainda insistiam em perceber o Reino de Deus apenas através das bênçãos e dos milagres. Para estes últimos, a lógica extraída do nosso contexto em relação ao texto bíblico diz assim: Se Jesus venceu o mundo, eu também vencerei. Na verdade a maioria dos cristãos de hoje vive debaixo dessa estranha combinação de resultados: Ainda que seja visível que mundo jaz no maligno, ele possui a promessa de há de vencer o mundo também.
Deixando de lado a autossuficiência da fé, retornemos à criação que, embora a visse como mais uma das fantásticas obras de seu Pai, Jesus não a considerava acabada. O meu Pai trabalha até agora, e eu também trabalho. Pode parecer realmente que o mundo jaz no maligno. Pode parecer que fatos trágicos assinalem o crescimento do mal no mundo, negando, inclusive, a visão poética, tanto do salmista da Bíblia, quanto a do nosso literata recente. Mas são resquícios de uma realidade que Jesus já considerava extinta. Sem tirarmos mais conclusões, veremos a seguir os outros textos que acompanham este mesmo raciocínio. Mas isto faremos amanhã, se Deus permitir.
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