Escreves, pois, o que viste: tantos as coisas presentes como as que deverão acontecer depois destas. Apocalipse 1.19
Os que lavaram as suas vestes no sangue do Cordeiro, James42 |
A princípio quero dizer que não vi muita diferença entre os dois preletores, posto que ambos tiraram as suas conclusões daquilo que apenas intuíram, sem um estudo sério e sistemático do assunto. O que antigamente se diria: ouviu o galo cantar, mas não sabe onde. Mas infelizmente nós os cristãos não podemos criticá-los veementemente por esta postura equivocada, porque ela realmente está presente no conceito que muitos de nós faz desse fantástico livro da Bíblia. Para muitos de nós o Apocalipse ainda é um almanaque completo e detalhado do fim dos tempos.
Na verdade, o que é um Apocalipse? É um estilo literário que vingou em Israel por aproximadamente quatrocentos anos: duzentos anos antes de Cristo até duzentos anos após. Traduzido simplesmente por revelação, é o herdeiro direto da profecia, e distingue-se dela em dois aspectos fundamentais: pela forma como a mensagem é recebida e como é retransmitida. Na apocalíptica a mensagem chega sob a forma de visões, cuja interpretação é encargo exclusivo do vidente, que ao retransmiti-la, o faz de modo codificado e desobrigado de qualquer coerência. Num apocalipse quase tudo é simbólico: nomes, números, situações e até personagens. Para entendê-lo é preciso, antes de tudo, entrar na mente do autor e decifrar seu código, que é particular e único. Não se vale da orientação de qualquer outro, assim como não se presta de parâmetro para outro qualquer. Por esta razão o leitor moderno deve fazer exatamente como faziam os antigos destinatários: nunca se prender às visões, que por si só são irrelevantes, e voltar sua atenção exclusivamente para a mensagem que Deus sugere através delas, evitando, com isso, incorrer no erro de adulterá-la.
Não se quer dizer com isso que a visão dada por Deus abra uma janela maior do que as utilizadas pelas religiões pagãs para descortinar o futuro. A possibilidade de perscrutar no futuro ou "as coisas que o Pai guardou para si" é completamente nula na fé cristã. A visão abre-lhe sim o entendimento, para que perceba na leitura fria dos fatos e as consequências inevitáveis que advirão, caso a situação presente siga seu curso. Não é em vão que a literatura apocalíptica presta-se mais para exigir decisões imediatas do que para criar expectativas. Um estímulo eficaz para aqueles cuja fé escandalizada vacila entre apostatar diante das tribulações presentes ou manter a esperança nas promessas de vitoriosa salvação deixadas por Jesus, o Cristo.
João encontra inspiração nos antigos temas proféticos, quando Deus salvou o seu povo das mãos dos mais terríveis opressores, fossem eles egípcios, assírios, caldeus ou gregos. Deste passado retira a única e real previsão futurística. A única que serve tanto para os seus contemporâneos como para todas as gerações vindouras, inclusive a nossa: perseverem na fé, agarrem-se a ela, ainda que o limiar crítico da desolação há muito tenha sido ultrapassado, ainda que se mostre irreversível, Deus vai libertar seu povo, como sempre fizera. Esta é a grande mensagem que o Apocalipse de João revela. Qualquer outra diferente dela terá sido mera especulação. Bom, quem sabe se não é do livro do acopralipi que ambos estejam falando? (continua)
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