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A expulsão de Agar, Giovanni Battista Tiepolo, em 1719 |
Estes inimigos podem ser parentes ou mesmo amigos antigos, Jeremias e Jó que o digam. Mas isso não importa tanto. Importa sim que por trás de cada adversidade percebe-se sempre um inimigo. Isto virou um esquema. Para o salmista não lhe é bastante estar doente, ele também quase sempre sendo perseguido por algum inimigo. Contudo, a lei de Israel reconhece os direitos do inimigo, caso este seja da comunidade: Se encontrares desgarrado o boi do teu inimigo ou o seu jumento, lho reconduzirás. Se vires prostrado debaixo da sua carga o jumento daquele que te aborrece, não o abandonarás, mas ajudá-lo-ás a erguê-lo. (Ex 23.3s) Não poderia ser de outro modo, pois uma nação que se constrói a partir de tribos nômades de origens diferentes, a formação de inimizade entre grupos é mais que esperada.
A inimizade conheceu nuances. Todo o furor era pouco, quando se tratava de canaanitas e amalequitas: Enviou-te o Senhor a este caminho e disse: Vai, e destrói totalmente estes pecadores, os amalequitas, e peleja contra eles, até exterminá-los. (ISm 15.18) Contra os moabitas e amonitas era exigida uma permanente guerra fria: Nenhum amonita ou moabita entrará na assembleia do Senhor; nem ainda a sua décima geração entrará na assembleia do Senhor, eternamente. Não lhes procurarás nem paz nem bem em todos os teus dias, para sempre. (Dt 23.3 e 6) Por outro lado, era interessante também a complacência declarada com outros povos que historicamente não se mostraram amigos de Israel para merecerem esta deferência: Não aborrecerás o edomita, pois é teu irmão; nem aborrecerás o egípcio, pois estrangeiro foste na sua terra. (Dt 23.7) Isto é um sinal que em Israel ser estrangeiro não significava necessariamente ser inimigo.
Como se explica, na história sagrada da salvação, a persistência de um fato tão determinante? É bem verdade que este é um dado da história real: o pecado que se transformou em ódio, fazendo de Israel um símbolo de impiedade contra o mundo à sua volta. Imaginar vê-lo imune a isso tudo é querer ter a ilusão de que eles seriam formados de uma substância diferente do que o restante da humanidade do seu tempo. A Bíblia narra os desejos, esperanças e atitudes dos seus heróis descrevendo literalmente o nível de civilização em que eles se encontravam. Os canaanitas são inimigos e devem ser destruídos porque são idólatras, mas também porque ocupam o seu lugar na terra que lhes foi prometida: Os horeus também habitavam, outrora, em Seir; porém os filhos de Esaú os desapossaram, e os destruíram de diante de si, e habitaram no lugar deles, assim como Israel fez à terra da sua possessão, que o Senhor lhes tinha dado. (Dt 2.12) Não foi sem razão que este povo concebeu e propagou a ideia de um Deus que se faz também inimigo: Serei inimigo dos teus inimigos. (Ex 23.22) Um Deus que não somente luta contra os inimigos ao lado deles, mas que luta por eles, no lugar deles: Se vocês ouvirem a corneta tocando o alarme, reúnam-se em volta de mim. O nosso Deus lutará por nós. (Ne 4.20) (continua)
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