Gemidos inexprimíveis II

Mãos postas em oração,
Antônio Diogo Parreiras em 1913
Paulo nos diz que o Espírito Santo intercede por nós. Quando uma pessoa intercede por outra, ela vai em nome da pessoa por quem está intercedendo a fim de conciliar as duas partes. Neste sentido, o Espírito Santo é dito para ir para o Pai em nosso nome para interpretar e dar voz às orações de nosso coração.

O Espírito Santo intercede com gemidos que as palavras não podem expressar. Algumas pessoas acreditam que este versículo está falando sobre o que é muitas vezes chamado de "linguagem de oração" ou uma forma de falar em línguas. Esse não é o caso, porque somos informados de que o gemido é de tal natureza que as palavras, em qualquer idioma, não podem expressar. O Espírito Santo se comunica com o Pai em uma linguagem profunda, íntima e sem palavras que não podemos compreender ou expressar.

Paulo também nos diz que o Espírito Santo ora eficazmente em nosso favor, porque o Espírito ora em conformidade com a vontade de Deus. O Espírito Santo sabe o que é melhor para nossa vida. Ele sabe que o plano de Deus para nós. Ele sabe que o objetivo de cada evento e da situação em nossa vida. O Espírito Santo ora por Deus para realizar a Sua obra em nós.

No versículo 34 observa-se outra coisa. Não só é o Espírito Santo intercede por nós aqui na terra, mas Cristo Jesus, que morreu, mais do que isso, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós. Temos assistência terrena e assistência celestial! Deus entende nossas fraquezas em oração e forneceu todos os tipos de ajuda! Vamos tentar fazer uma analogia da obra do Espírito Santo. Eu imagino o Espírito Santo trabalhando muito parecido com um editor faz para um escritor. O escritor coloca suas palavras em uma página com a intenção de transmitir uma verdade ou conceito particular. O editor leva o trabalho do escritor, corrige gramaticalmente, e faz alterações, cortes e revisões que ajudarão a verdadeira mensagem surgir em meio à pilha de palavras. Parece-me que de uma forma semelhante, o Espírito Santo edições nossas orações e torna-los mais eficazes. O Espírito Santo da um brilho no nosso trabalho antes de envia-lo para o Pai em perfeita forma.

Vamos ver agora alguns princípios sobre a oração que podemos tirar dessa passagem. Primeiro, precisamos crer que Deus quer que oremos. Depois de tudo que acabamos de dizer, é tentador concluir que a oração é algo realmente supérfluo. Se o Espírito está orando por nós, e o faz de forma mais eficaz do que nós mesmos, então parece que não precisamos orar. Lembre-se que é dito o Espírito nos ajuda em nossa fraqueza. O Espírito Santo não elimina a necessidade de oração, Ele nos ajuda quando oramos. Não importa quão bom um editor é ele não pode fazer nada sem as palavras originais do autor. Da mesma maneira, o Espírito Santo não pode aumentar nossas orações se não há oração alguma. De acordo com o plano soberano de Deus, Ele nos chamou para orar. Deus conhece a nossa fraqueza. Ele entende a nossa perspectiva limitada. Apesar de tudo isso, ele ainda nos chama para conversar com ele.

Você realmente já se perguntou por quê? A criança pequena às vezes começa uma conversa que não faz qualquer sentido. Você não vai lhe dizer para parar de falar com você? Claro que não! Deus quer que você fale com Ele, porque Ele ama você. E nesse processo ele não está classificando as suas orações, ele está ouvindo o seu coração. Precisamos entender o propósito da oração. Às vezes ficamos frustrados porque não compreendemos o que é a oração. Nós pensamos que na oração que podemos fazer Deus mudar sua mente. Isso é ridículo. Seu caminho é sempre perfeito, e mudar a sua mente seria a afastar-se o que é certo e bom.

Nós não podemos coagir ou persuadir Deus a responder favoravelmente às nossas orações. Ele tem prazer em responder as orações de seus filhos, assim como você para atender as solicitações de seu filho. A oração não muda a mente de Deus, mas pode mudar a nossa. A oração nos dá a oportunidade de falar sobre todas as coisas com o Todo-Poderoso.  A oração acalma nossos corações, nos dá novas perspectivas, e nos aponta a direção certa.

A oração também pode mudar as circunstâncias. Deus, em Sua soberania optou por usar as nossas orações como um meio para realizar a sua vontade. A oração é a maneira pela qual nós podemos trazer a bênção de Deus para a nossa vida e para a vida dos que nos rodeiam. Quando oramos por alguém, nós nos tornamos parte da solução do seu problema. Quando oramos sobre as circunstâncias difíceis de nossas vidas, Deus nos transforma para que possamos nos beneficiar das circunstâncias. 

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Gemidos inexprimíveis I

Virgem em oração, Abraham Bloemaert (1564-1651)
Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis. E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito, porque segundo a vontade de Deus é que ele intercede pelos santos. Romanos 8.26s

Se existe um aspecto da nossa vida cristã em que hesitamos sempre é a oração. Muitos acham que a oração existe para ser influenciar o inconsistente. Entendemos a importância da oração? Confiamos no poder da oração? Normalmente dizemos que sim, no entanto, muitas vezes vacilamos na prática e na forma. No nosso texto bíblico parece evidente que somos assim mesmo e Deus está bem ciente do nosso problema: Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis. E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito, porque segundo a vontade de Deus é que ele intercede pelos santos.

Essa passagem começa com a palavra “semelhantemente”, que é uma referência ao versículo 22 que fala do gemido da criação: Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora. E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito. Paulo ressalta que o Espírito Santo está gemendo dessa mesma forma, anseio pelo dia em que o mundo será purificado e curado.

Paulo nos diz também que o Espírito Santo nos ajuda em nossa fraqueza. Há muitas áreas em que somos fracos. Nós somos fracos, por vezes, fisicamente. Ficamos exaustos e sentimos que não podemos continuar. Estamos enfraquecidos pelos restos do pecado em nossa vida. Nós somos fracos emocionalmente quando nos encontramos oprimidos. Muitas vezes somos fracos espiritualmente porque nos falta a fé na bondade e sabedoria da Palavra de Deus. Mas a fraqueza que Paulo aponta aqui é a fraqueza intelectual. Nós temos uma incapacidade nata de saber o que pedir a Deus em oração. 

Esses nosso tempos servem bem de exemplo. Não sabemos quando orar pela cura de uma pessoa ou para Deus prepará-la, a ela e nós, para a viagem de volta, mesmo sabendo que as pessoas não estão destinadas a viver para sempre. Não sabemos quando orar para que Deus prover nossas necessidades financeiras ou para pedir-lhe que nos ajude a viver de forma mais simples dentro de nossos recursos. Não sabemos quando orar por um relacionamento em desenvolvimento ou para pedir a Deus que nos ajude a esperar por algo mais apropriado. Estamos diante de uma encruzilhada da vida e nós não sabemos orar para saber que caminho tomar. Estamos diante de uma oportunidade e nós não sabemos quando orar para que Deus nos dê coragem para um passo de fé, ou a paciência de esperar nele. A realidade é que não sabemos o que orar, porque não sabemos o que o futuro nos reserva. Como vamos enfrentá-lo? Se soubesse que tinha apenas um ano de vida deveria orar de forma diferente se soubesse que tinha 25 anos de vida pela frente?

Pensemos agora sobre a nossa situação atual como igreja. Estamos planejando uma nova construção. Seria mais fácil saber o que fazer e como orar se soubéssemos o que a economia vai fazer e se a igreja vai continuar com a sua taxa atual de crescimento e contribuição. Porque não sabemos o futuro, não temos certeza de que o caminho certo para orar. Nós também não sabemos o que orar, porque, em determinado momento, não sabemos o que é melhor para nós. Nós sabemos o que nós preferimos a qualquer momento, mas não sabemos o que é melhor para o nosso bem supremo. Se você oferecer a maioria das crianças escolher entre um hambúrguer, batata frita e sorvete ou um prato de legumes e frutas, a maioria das crianças vai escolher o primeiro. Da mesma forma a gente sempre vai escolher o caminho que evita as dificuldades, embora sabendo que a fé e a paciência são desenvolvidas nas provações. Deus vê a cena inteira e nós não.

Paulo nos diz que Deus nos deu o Seu Espírito Santo para nos assistir na nossa fraqueza. A palavra "assistência" é uma palavra rica que traz consigo a ideia de uma pessoa que vem ao nosso lado para carregar parte da carga pesada e ajudar-nos a suportá-la. Deus nos deu o Seu Espírito Santo para nos ajudar em nossa vida de oração. (continua na sexta feira)

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Três níveis de compromisso

Então, convocando a multidão e juntamente os seus discípulos, disse-lhes: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. Marcos 8.34

Santos Simão e Judas, Federico Barocci (1528-1612)
O círculo de relacionamentos de Jesus era composto de três níveis distintos: aqueles a quem os evangelhos chamam de multidão, os discípulos que o acompanhavam mais de perto e os deixaram tudo para segui-lo, a estes últimos Jesus chamou de apóstolos, que é a palavra grega para enviado. Pode até parecer que estou tentando mostrar uma imagem forjada, mas consigo perceber que esta realidade, além de estar ainda presente na igreja hoje, pouco mudou a sua forma e conteúdo. Meu pai dizia que o mundo é uma carroça, uns puxam outros empurram, mas a maioria quer estar dentro da carroça e ser puxada ou empurrada.

Se quisermos estabelecer uma rápida comparação, diríamos que a multidão era composta por aqueles que estavam dentro da carroça. Um grupo que provocou em Jesus as mais complexas reações, que lhe causou os mais variados sentimentos e que o tratou de diversas e distintas maneiras. Se em uma ocasião a multidão foi rechaçada por Jesus pelo fato de segui-lo apenas por interesses pessoais, em outra, dela se compadeceu quando a viu como um rebanho que não tinha pastor. Por sua vez, a multidão devidamente motivada tentou fazer dele um rei, exaltou a sua entrada em Jerusalém, para logo em seguida vociferar pedindo a sua crucificação. Pode ser que igreja alguma se atreva a pedir a crucificação de Cristo novamente hoje. Todavia, o que se pode observar é que em poucos lugares o seu nome é aviltado em uma escala que nem os pagãos que não creem nele conseguem fazê-lo. A carroça é assim mesmo: é levada para onde a combinação de forças se propõe levá-la.

Mas há também aqueles que empurram a carroça, e para caracterizar melhor este grupo, diríamos que são aqueles que empurram com a barriga. Aqueles que levam o evangelho a toque de caixa. Aqueles para quem o evangelho é um estilo de vida, honestidade, mansidão, sobriedade, paciência e retidão pessoal. É tudo, menos a ação Deus radical que veio para transtornar este mundo. Estes são aqueles que seguiam Jesus de perto, mas não perto o suficiente para ser identificado como alguém quem realmente andava com ele. Testemunharam os milagres de Jesus que acontecerem na vida de muitos, mas não testemunharam com as próprias vidas o que Jesus fez por eles. Estes não foram perseguidos, não colocaram as suas vidas em risco, não perderam coisas valiosas em favor do evangelho. Tenho que confessar que me identifico bastante com este grupo.

Mas felizmente existem aqueles que largaram tudo para, com as mãos livres de ambições e desejos, puxar atrás de si o evangelho juntamente com todos os seus encargos. É justamente sobre estes que a igreja se estabelece. São estes raros seguidores de Jesus, que nem sempre necessariamente levam o seu nome, que alavancam o progresso do Reino de Deus na terra. São esses os que deixaram tudo para seguir o ideal proposto por Jesus, que rechaçaram todas as facilidades, que tomaram sobre si a pesada cruz e que tentam de todas as maneiras fazerem com que suas vidas tenham sentido além de uma simples existência.

Estes são aqueles que pareiam com os heróis da fé de Hebreus 11, a quem a Bíblia chama de homens e mulheres de quem o mundo não é digno. Neste dia em que a Igreja Católica homenageia os dois apóstolos Simão e Judas, figuras completamente apagadas da memória de outros cristãos, eu queria render esta homenagem a todos os apóstolos sem nome, aos exorcistas estrangeiros, aos anônimos da fé, que muito mais do que pretensas celebridades tem levado Deus a sério, que levaram os seus compromissos até as últimas consequências, e que tem assumido o evangelho não como uma opção, mas como a única forma de garantir um futuro viável às próximas gerações. 

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Comentários a uma parábola

Fariseu e o publicano,  Barent Fabritius em 1661
A verdadeira oração 
Texto extraído do livro "O avesso é o lado certo: círculos bíblicos sobre o Evangelho de Lucas". Autores: Pe. Carlos Mesters e Mercedes Lopes.

No texto de hoje, Jesus fala sobre uma parábola, na qual o avesso é o lado certo. Ela mostra que Jesus tinha outra maneira de ver a vida. Jesus conseguia enxergar uma revelação de Deus lá onde todo o mundo só enxergava coisa ruim. Por exemplo, ele via algo de positivo no publicano, de quem todo mundo dizia: "Ele nem sabe rezar". Jesus vivia tão unido ao Pai pela oração, que tudo se tornava expressão de oração para ele. Acompanhe o texto.

SITUANDO
Neste texto, Jesus trata da oração. É a segunda vez que Lucas traz palavras de Jesus para ensinar como rezar. Na primeira vez (Lucas 11,1-13), ensinou o Pai-Nosso e, por meio de comparações e parábolas, ensinou que devemos rezar com insistência, sem esmorecer (cf. Lucas 18,1-8). Agora, nesta segunda vez, ele recorre à parábola tirada da vida para ensinar sobre a humildade. A maneira de apresentar a parábola é muito didática. Primeiro Jesus faz uma breve introdução que serve de chave de leitura. Em seguida, conta a parábola. No fim, o próprio Jesus faz a aplicação, mostrando que o avesso é o lado certo.

COMENTANDO
Lucas 18,9-14: o fariseu e o publicano
Lucas 18,9: A introdução
A parábola é introduzida com a seguinte frase: "Contou ainda esta parábola para alguns que, convencidos de serem justos, desprezavam os outros!" A frase é de Lucas e se refere, simultaneamente, ao tempo de Jesus e ao tempo do próprio Lucas, em que as comunidades da tradição antiga desprezavam as que vinham do paganismo.

Lucas 18,10-13: A parábola
Dois homens sobem ao Templo para rezar: um fariseu e um publicano. Na opinião do povo daquela época, um publicano não prestava para nada e não podia dirigir-se a Deus, pois era uma pessoa impura. Na parábola, o fariseu agradece a Deus por ser melhor do que os outros. A sua oração nada mais é do que um elogio de si mesmo, uma autoexaltação das suas boas qualidades, um desprezo pelos outros. O publicano nem sequer levanta os olhos, bate no peito e apenas diz: "Meu Deus, tem dó de mim que sou um pecador!" Ele se coloca no seu lugar diante de Deus.

Lucas 18,14: A aplicação
Se Jesus tivesse deixado o povo dizer quem voltou justificado para casa, todos teriam dito: "É o fariseu". Jesus, no entanto, pensa diferente. Quem voltou justificado, isto é, em boas relações com Deus, não é o fariseu, mas sim o publicano. Novamente, Jesus virou tudo pelo avesso. Muita gente não deve ter gostado da aplicação que Jesus fez desta parábola.


Quem se exaltar será humilhado
Pe. Marcel Domergue
Os dois homens ocupam lugares diametralmente opostos no decorrer da parábola. A primeira oposição é quanto ao status social, como vimos. O fariseu introduz uma segunda oposição, no domínio da moralidade e da credibilidade. Uma terceira oposição é a oração do publicano que não tem nada a ver com a do fariseu. Por fim, tudo termina na antinomia do par justificado-não justificado, reforçada pela do par humilhado-elevado.

Ora, qual é o fruto da vinda do Cristo entre nós? A constituição de um Corpo no qual cada um é solidário com todos os outros, um corpo que se mantém unido pelo amor. Quando falamos em "comunhão dos santos", queremos dizer que o valor da vida vivida por Pedro pertence a Paulo, que tudo é comum, que ninguém pode apropriar-se do "bem" que pratica. A ação de graças do fariseu era falaciosa: apropriava-se do bem praticado, enquanto a verdadeira ação de graças consiste em desapropriar-se. Assim, em vez de se fazer um só com os "outros homens", o fariseu distinguiu-se deles, pôs-se à parte, fora do Corpo dos "justificados".

Por querer guardar para si os próprios méritos, tornou-se incapaz de fazer seus, os "méritos" de um outro: o Cristo. O que vai ainda mais longe: ao comparar-se com os outros, com o publicano particularmente, o fariseu fez um julgamento, pronunciou-se sobre o seu próprio valor e o valor dos outros. E ao fazer isto tomou o lugar do juiz, ocupou o lugar de Deus. Deus, no entanto, é o único que poderia justificá-lo.


A piedade correta
Pe. Jaldemir Vitório

A parábola do fariseu e do publicano aponta para dois diferentes tipos de piedade, representando posições extremas. O discípulo do Reino deve decidir-se pela maneira correta de agradar a Deus, evitando os caminhos enganosos. 

A piedade farisaica, baseada na prática cotidiana da Lei, em seus mínimos detalhes, tinha seus defeitos: era cheia de orgulho, uma vez que levava a pessoa a olhar com desprezo para os considerados pecadores e incapazes de perfeição; pregava a segregação das outras pessoas, por temor de contaminação. Os fariseus julgavam-se com direito de exigir de Deus a salvação, em vista dos méritos adquiridos com sua vida piedosa. 

A piedade do povo simples e desprezado, como o cobrador de impostos, tem outros fundamentos: a humildade e a consciência das próprias limitações e da necessidade de Deus para salvá-lo, a certeza de que a salvação resulta da misericórdia divina, sem méritos humanos, o espírito solidário com os demais pecadores que esperam a manifestação da bondade de Deus.

A oração do fariseu prepotente e egoísta dificilmente será atendida. É uma oração formal, da boca para fora. Já a oração do publicano é totalmente humilde, porque ele reconhece que sua salvação vem de Deus. Só a oração sem estardalhaço é ouvida! 



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O que é LIBERDADE?

Saída dos hebreus do Egito, de http://sombradoonipotente.blogspot.com.br
Ao termo liberdade podem corresponder três noções distintas: o estado do homem livre em oposição à escravidão, a liberdade moral do livre arbítrio e o evangelho como a lei perfeita da liberdade: Tg 1.25 – Mas aquele que considera, atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas fala mais de uma vez em dar operoso praticante, esse será bem aventurado no que realizar.

Como noção jurídica e política distingue-se da escravidão. O Primeiro Testamento fala mais de uma vez em dar liberdade aos escravos. Tal gesto é motivado pelo fato de ter o próprio Israel sido escravo no Egito, e de Iahweh o ter libertado da casa da servidão. Toda a história do Êxodo é interpretada como uma libertação das garras do Egito. Dessa liberdade política toda a nação é testemunha ainda. Ao mesmo tempo que prepara o sentido ético e religioso da liberdade como salvação de Iahweh.

No Segundo Testamento o sentido ético é suposto pela prepotência dos fariseus: Jo 8.33 – Nunca fomos escravos de ninguém; como, então, podeis dizer: sereis livres? São Paulo aconselha aos escravos que tenham que tenda, à liberdade, embora do ponto de vista cristão a diferença entre escravos e livres praticamente não existia. Assim como a expressão “escravos e livres” continua a totalidade do gênero humano. São Paulo usa também a oposição entre os dois filhos de Abraão, um da escrava e outro da mulher livre, para construir a sua alegoria das duas aliança: GL 4.22 - Pois está escrito que Abraão teve dois filhos, um da mulher escrava e outro da livre.

A liberdade política e social dos gregos tem por fundamento a possibilidade da pessoa agir por conta própria, isto é, o livre arbítrio. Já os judeus tinham como regra que o homem livre é responsável pelos seus atos. Fala-se também sem obstinação voluntária, pela qual os pregadores do erro se tornam escravos da perdição. 2 Pe 2.19 -  Prometendo-lhes liberdade, quando eles mesmos são escravos da corrupção, pois aquele que é vencido fica escravo do vencedor. O pecado não significa  pecado, porém, não significa um fatalismo, pois o homem que peca entrega-se por uma ato livre,

No Segundo Testamento a noção de liberdade ganhou uma noção inteiramente nova. A liberdade que possuímos em Cristo Jesus significa uma liberdade redentora do espírito de escravidão e de medo. Assim mesmo, a noção cristã de liberdade forma o pleno desabrochamento de uma realidade que, em essência, já estava presente no Primeiro Testamento. Ex 13.14 - Quando teu filho amanhã te perguntar: Que é isso? Responder-lhe-ás: O SENHOR com mão forte nos tirou da casa da servidão.Trata-se de uma tríplice libertação: do pecado, da lei que aumenta a consciência do pecado, e da morte que é o salário do pecado.

Todo o mundo criado será libertado do cativeiro da corrupção para participar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Rm 8.21 - Na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Essa tríplice libertação apresenta ainda as seguintes qualidades: ela é operada por Jesus através do batismo: Rm 6.17 - Mas graças a Deus porque, outrora, escravos do pecado, contudo, viestes a obedecer de coração à forma de doutrina a que fostes entregues; ela consiste em renunciar completamente toda a justiça adquirida pelos próprios méritos: Rm 10.3 - Porquanto, desconhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria, não se sujeitaram à que vem de Deus; ela significa uma verdadeira vocação, um convite ativo a cada indivíduo: Gl 5.13 - Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne; sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor. Ela também determina que a vida cristã seja de acordo com a lei do Espírito, pois o Senhor é o Espírito, e onde há o Espírito do Senhor, aí há também a liberdade.

Por esta razão o cristão se distancia do mundo e das paixões da carne. Afinal ela culmina no paradoxo da escravidão voluntária por amor. Por esta liberdade o homem se torna servo de Deus em laços sagrados: I Pe 2.16 - Como livres que sois, não usando, todavia, a liberdade por pretexto da malícia, mas vivendo como servos de Deus, e escravo de todos por bondade e não por amor fingido: I Co 9.19 - Porque, sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível.

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Árvores da casa do Senhor

O justo florescerá como a palmeira, crescerá como o cedro no Líbano. Plantados na Casa do SENHOR, florescerão nos átrios do nosso Deus. Na velhice darão ainda frutos, serão cheios de seiva e de verdor, para anunciar que o SENHOR é reto. Ele é a minha rocha, e nele não há injustiça. Salmo 92,12-15
Salmo 92, Melani Pyke em 2010
Sem que fosse proposital, todas as meditações do blog nesta semana foram baseadas nos salmos. Eu confesso que gostei, porque dos textos inspirados do Primeiro Testamento, para mim, os salmos são os que pregam a Palavra de Deus com mais dramaticidade pessoal. Os profetas, quase sempre, se sentam numa metralhadora giratória a atiram para todos os lados, raramente expondo as suas angústias e aflições. Mas ainda assim, salmos como o 92 superam o drama e conseguem elevar qualquer astral. Ele fala das pessoas que têm por hábito estar na Casa do Senhor.

Não sei que já teve a experiência de visitar uma igreja em dois momentos distintos. O primeiro, quando está sendo celebrado um casamento, repleta de homens elegantes, mulheres lindíssimas e de um glamour total. O segundo instante é no seu dia a dia, com as pessoas daquela comunidade. Posso dizer com convicção que, do alto do púlpito, a segunda visão é muito mais inspiradora e infinitamente mais bela. Uma é de um jardim bonito, elegante, fino, mas artificial. O outro é o jardim plantado pelas próprias mãos de Deus, e esse é insuperável.

Eu queria falar rapidamente das características das árvores plantadas nesse jardim, ressaltadas pelo salmista.

A retidão da palmeira. Excetuando algumas exceções, como o Gogó da Ema, em Maceió, a palmeira cresce sempre reta, e retidão em todos os aspectos da vida é uma característica facilmente encontrada naquele que foi realmente plantado por Deus em seu jardim. Para ele não tem meio termos e nem jeitinho brasileiro. A justiça é o seu ideal de vida. Seu caminho é para o alto, para as coisas mais elevadas. Colocado em uma posição estratégica ilumina todos à sua volta.

A firmeza do cedro. As árvores plantadas na Casa de Deus não se abalam com qualquer vendaval. Não são os planos do governo, as medidas econômicas ou mesmo a instabilidade social que as fazem perder o sono. Resistem bem às tempestades naturais e artificiais, como também não se deixam levar por qualquer tendência, principalmente pelos atuais ventos de doutrina. Eles são como os de Bereia, vão às Escrituras para verificar se o que está sendo pregado está de acordo com o que elas dizem.

O vigor na velhice. Quando eu vejo os mais idosos que eu da igreja me bate uma séria dúvida quanto á profundidade das minhas raízes. Que disposição! Que pioneirismo! Que fé! Parece que o tempo, que derruba tantos ídolos da beleza universal, não tem poder algum sobre essas árvores. Não sei quanto à expectativa de vida da população brasileira, mas os velhos da igreja estão vivendo mais e com mais disposição.

Mas tudo tem um propósito bem definido: estas coisas anunciam o quanto Deus é bom e o quanto o seu amor é benéfico aos que se permitem ser amados por ele. O quanto a segurança da fé em um Deus verdadeiro transforma os obstáculos provocados pelos infortúnios comuns da vida humana em uma escada que aponta para a realização pessoal.

Coelho Neto compôs um soneto que retrata bem a beleza e valor das árvores antigas e o quanto elas se sobrepujam às mais novas, embora a modernidade se vire do avesso, para inútilmente tentar provar o contrario.

VELHAS ÁRVORES
Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores novas, mais amigas:
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...

O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres de fomes e fadigas;
... E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.

Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo! envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem:

Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!



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A festa dos foliões

Alegrei-me quando me disseram: vamos à casa do Senhor. Leia Salmos 122
Salmo 122, closedaybyday
Texto do rev. Jonas Rezende.
Não seria incorreto valorizar sobremaneira a casa dão Senhor? Isto é, localizar em templos e tabernáculos os lugares privilegiados para o cultivo do nosso encontro com Deus? Ao meditarmos sobre a mensagem de outros salmos, aprendemos que Deus não se aprisiona em nenhuma casa, nem mesmo no Universo. Jesus nos ensina que Deus é espírito e requer de nós um culto espiritual.


Jacó usa uma pedra como travesseiro, em momento de fuga, e chama o lugar de Betel, que significa casa de Deus. Porque o Senhor, que a tudo transcende, é também o Deus que está conosco, em nós, como a palavra Emanuel, um dos nomes atribuídos a Cristo, nos faz saber.

Nada impede que nos alegremos porque vamos a Jerusalém, Roma, Santiago de Compostela. Que cantemos de júbilo por estarmos na casa do Senhor, como chamamos os nossos templos. Os filhos de Coré chegaram a dizer, em outro salmo, que até o pardal encontrou casa, a andorinha, ninho para si, onde acolha seus filhotes, no templo de Deus.

Harvey Cox, notável teólogo e antropólogo norte americano, escreveu no seu livro A cidade do homem sobre a necessidade de viver, no dia a dia do mundo, a realidade da nossa fé. Mas é o mesmo Harvey Cox quem registra em outra de suas obras, A festa dos foliões, a legitimidade dos atos litúrgicos vibrantes como as celebrações do salmo 100 nos convida a viver: sirvam o Senhor com alegria e apresentem-se diante dele com cânticos. Não é a festa que acontece nas liturgias dos negros americanos? Até os seus ofícios fúnebres não abrem mão da música e de todas as expressões legítimas da nossa mais profunda esperança.

Antes de Harvey Cox, o pastor luterano Dietrich Bonhoeffer já desenvolvia ideias semelhantes. Por um lado, ele conhecia o preço do discipulado. O pastor sacrificado no regime arbitrário de Adolf Hitler disse uma vez: quando Cristo chama um homem, ordena que vá e que morra. Mas Bonhoeffer entende também o valor do cultivo espiritual, através de uma vida comunitária de comunhão com Deus e com o próximo.

Existem ordens religiosas que dividem seus membros em dois grupos: os oblatas, que realizam trabalhos em sociedade. E os contemplativos, que usam todo o seu tempo na vida de oração. Julgo apenas que essas dimensões da nossa fé podem ser vividas ao mesmo tempo. Você concorda?

Na primeira igreja que pastoreei, em Ribeirão Preto, inscrevemos no templo a nossa visão de culto e serviço: entrem para adorar e saiam para servir. Assim aconteceu na vida do jovem profeta Isaías. Busca a casa de Deus e do encontro fica a pergunta do Senhor: a quem enviarei? O profeta responde com absoluto desprendimento e coragem para enfrentar todos os riscos: eis-me aqui, envia-me.

Reflita sobre essas ideias.
E descubra o seu caminho devocional.
O salmo de Davi vai ajudá-lo a ver na vida de oração o
motor do nosso testemunho, nessa terra dos homens.
Aprenda a cantar também como o salmista:
alegrei-me quando me disseram:
-Vamos à casa do Senhor.

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Vitórias íntimas

Bendito o SENHOR, que não nos deu por presa aos dentes deles. Salvou-se a nossa alma, como um pássaro do laço dos passarinheiros; quebrou-se o laço, e nós nos vimos livres. Salmo 124.6s
Templo para se orar em secreto na Capadócia
São realmente muito poucos os salmos que declaram a derrota fragorosa do inimigo. O espírito do salmista, que acompanha o espírito da Bíblia inteira, sempre coloca o suplicante escapando na última hora, por um triz ou por um detalhe que nem ele mesmo soube explicar. Logicamente, e a história assim comprova, que Israel nem sempre era a parte injustiçada do conflito, nem sempre o seu inimigo era um opressor sanguinário e nem sempre o citado inimigo merecia uma severa punição.


O que o salmista faz questão de exaltar nesses salmos de livramento não é nem tanto a derrota de inimigo em contraste com a vitória de Israel, mas a providência de Deus quando já não havia mais esperança. Esses são casos típicos onde não há vencedores e nem vencidos, nem exaltados e nem humilhados, nem ganhadores e nem perdedores. Essa distinção tem para o salmista dois propósitos bem específicos: ao mesmo tempo em que louva a Deus por um livramento sutil, mas eficiente, dá ao outro lado a oportunidade de ver que o seu Deus não é um Deus vingativo e muito menos punitivo, deixando abertas as portas para que os povos inimigos de Israel também venham a crer e adorar o seu Deus.

Em uma análise rápida poderíamos bem dizer que esses elementos constituem um protoevangelho que veio revelar, de uma vez por todas, que a tendência de Deus em um conflito entre humanos é sempre pender para o lado da justiça, não importando exatamente quem tem o direito. Neste embate entre o direito e a justiça podemos afirmar que a Bíblia é realmente pioneira. Mesmo os códigos de leis mais famosos e mais citados da antiguidade, como é o código babilônico de Hamurabi, eram bastante discriminatórios, fazendo um tipo de justiça ao rico e outro ao pobre. Na contramão dessa história secular, vem a Bíblia proclamando as Leis Humanitárias do Deuteronômio, para dar um banho de civilidade e da verdadeira essência da justiça, que dá a quem precisa e não a quem tem direito.

Nós os cristãos deveríamos prestar mais atenção nesses salmos, e em vez de estarmos sempre clamando por vitórias glamourosas em nome de Deus, termos a consciência de que dentre as principais características da vida de qualquer cristão estão os riscos iminentes e livramentos tangenciais, quando esses, por ventura, vêm a acontecer. Nem sempre conseguiremos o emprego que desejamos, nem sempre a cura nos será concedida e nem sempre, de forma clara e visível, triunfaremos sobre o mal. Nossas vitórias serão sempre discretas e perceptíveis apenas a uns poucos olhos atentos. As maiorias não as aceitarão como uma providência milagrosa de Deus, e sim como uma simples coincidência.

Uma velha tia tinha como lema um texto que eu sempre pensei que fosse mais um dos vários provérbios bíblicos, e esse lema ela fazia questão de difundir na família através de uns pequenos quadros pintados com esse texto. Todas as casas dos meus parentes paternos tinham obrigatoriamente que ter esse quadro na parede da sala, sempre ao lado do quadro dos dois caminhos. O lema era o seguinte: Sê como o sândalo que perfuma o machado que o fere. Pode não estar na Bíblia, mas é profundamente bíblico. Este seria sempre o resultado ideal num conflito entre cristãos e cristãos e também entre cristãos e não cristãos.

De uma maneira muito particular, mesmo sem nunca ter feito uma citação semelhante, Jesus viveu sob esse lema, principalmente quando a ofensa era dirigida a ele pessoal e individualmente. Quando não eram os seus pequeninos os agredidos, os agressores nunca saiam sem receber algo de bom e proveitoso para as suas vidas. Em seus conflitos, Jesus primou por deixar mais um alerta às consciências do que fazer propriamente um julgamento sumário.

Como diria o meu amigo, pastor Jonas: pense nisso!

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Pastor por excelência, amigo por vocação

Reverendo Ferdinando Pereira Coelho em 1980
Faleceu no último domingo o rev. Ferdinando Pereira Coelho, pastor metodista, homem de Deus, servo da igreja, líder dos jovens e paixão dos idosos. Transcrevo essas suas qualidades convicto de que não são suficientemente capazes de descrever o seu irretocável ministério pastoral, como tampouco confirmar a inequívoca vocação daquele que foi um apascentador de ovelhas, sem deixar de ser um pescador de homens.


Assim como me faltam adjetivos, me sobram lembranças deste que foi um amigo nem sempre por mim compreendido, mas sempre fiel e amoroso. Seu chamado para o ministério se deu numa das horas mais imprópria da sua vida na igreja. Justamente quando galgou o cargo de despachante aduaneiro, função que na época rendia e ainda rende excelentes salários. Ferdinando, que fora criado na Igreja Metodista de Cascadura, sempre foi um membro ativo, principalmente na Sociedade de Jovens, sendo seu presidente por vários e gloriosos anos. Não havia nada de errado na sua trajetória com membro leigo. Por isso creio firmemente que seu chamado se deu simplesmente por iluminação, e não por qualquer incidente traumático ou doloroso que o tenha marcado.

Sei que é bem que é difícil compreender hoje em dia, mas o rev. Ferdinando entrou no ministério pastoral para perder, e perdeu muito. Basta dizer que o seu primeiro provento como pastor foi bem inferior ao dízimo que havia dado no mês anterior como membro leigo. Até hoje me pergunto o que de tão extraordinário aconteceu nesse chamado que foi capaz de transtornar radicalmente a vida financeira de uma família e continuar sendo recebido, por longas décadas, como uma inominável bênção. O amigo comum, João Wesley, dizia sempre: Ferdinando foi fiel no muito.

Ferdinando foi um pastor metodista que nunca se rendeu às inovações neopentecostais que a liderança lhe impusera, embora fosse um místico que confiava plenamente no poder da oração. Nunca foi flagrado fazendo as mirabolantes coreografias da fé, e nem taxando a retribuição financeira como parâmetro para seguimento do evangelho. A firmeza o que mantinha na sã doutrina também lhe permitia ser flexível em muitos outros aspectos. Era bem capaz de sair de uma pelada com a garotada, e com o mesmo humor e o mesmo espírito dirigir uma reunião importante. Posso garantir que para minha mãe, foi o pastor por excelência. Mesmo longe, ela mantinha contato. Nem mudando para Aracaju, quando já aposentado e respondendo sim a mais um desafio do ministério, se viu livre dela, pois por mais de uma oportunidade foi visitá-lo.

Assim transcreveu no Facebook uma hoje senhora, que era bem jovem quando Ferdinando foi seu pastor: Esteve sempre disponível pra me ouvir. Foi com ele que desabafei sobre as minhas primeiras desilusões amorosas, aos 17 anos. Com ele, dividi muitos sonhos, medos e frustrações comuns, aos jovens daquela época. Saudades do seu bom humor, da sua sabedoria carregada de verdade e simplicidade. O meu querido pai/pastor sempre acreditou no potencial da juventude e não mediu esforços pra investir em cada um de nós! Homem corajoso!

Também tenho saudades do velho amigo. De como gostava de vê-lo cantar com entusiasmo e demonstrar com a própria vida que não era dos fortes a vitória e nem dos que correm melhor. De como sempre mostrou, a exemplo de seu Mestre, cuidado e amor sem igual. A sua ausência pode ser doída, pode trazer lembranças, me fazer vivenciar as minhas negligências. Mas tenho certeza absoluta que nada vai superar a carência daquilo que mais sinto falta e que não tenho mais qualquer esperança de um dia suprir.

Há mais ou menos dois anos, quando estive com o casal Ferdinando e sua fidelíssima escudeira e mentora, Acerilda, recebi deles um abraço que me fez chorar copiosamente. Eu não conseguia entender o motivo daquelas lágrimas. Não era tanto pela saudade, pela distância ou mesmo pelo tempo que não nos víamos. Não era também pela manifestação de alegria ao nos ver, o que poderia me causar, como causou, enorme comoção, mas não causaria tantas lágrimas. Foi quando me dei conta de que não recebia um abraço pastoral como aquele há muito tempo. Fazia anos que braços de amor sem interesse me envolviam. Que emoção foi aquela dominou meu consciente e meu inconsciente? Não sei. Só sei que depois do pastorado de Ferdinando nunca mais consegui confiar a um pastor as minhas carências sem que estas fossem usadas contra mim mais tarde. Nunca mais o fato de ser pastor foi para mim motivo de confiança irrestrita, amor sem medida e compreensão além da razão.

Ferdinando, eu chorei naquele dia, chorei ontem no seu sepultamento, e sei que vou continuar chorando até o dia da minha partida, porque pastor como você, jamais serei. Pastor como você, nunca mais terei.

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Meu Deus que fez

Elevo os olhos para os montes: de onde me virá o socorro? O meu socorro vem do SENHOR, que fez o céu e a terra. Salmos 121.1s
Estátua de William Tell em Altdorf
Muito mais do que uma doutrina fundamentalista ou mesmo do que uma teoria inculta, como os adeptos do evolucionismo de Darwin costumam qualificar, a teologia bíblica da criação é um gênero literário que possui profundidade e coerência impressionantes. Ela não pretende simplesmente fazer uma exaltação tendenciosa do poder do Deus a quem adora, o que é comumente encontrado nas narrativas da criação que floresceram nas civilizações da antiguidade. Ela é antes de tudo um grito de liberdade e um suspiro de esperança diante da opressão que se mostra iminente e infinda. Ela é a resposta da fé que desafia as circunstâncias mais reais. O salmo 121 é o retrato mais fiel do que está sendo declarado agora, e uma análise rápida do texto vai confirmar este argumento.

Em primeiro lugar, este texto só faz sentido quando entendido a partir de um lamento por uma decepção de abrangência nacional e muito dolorosa. Ele deve ser entendido tendo como referência outro salmo, o 125, que diz: Os que confiam no SENHOR são como o monte Sião, que não se abala, firme para sempre. Este outro salmo resume o espírito de confiança que Israel tinha nas suas estratégicas defesas naturais, que eram os montes que circundavam Jerusalém, daí a usarem o monte de Sião como parâmetro. Mas Nabucodonosor transpôs os montes com seus elefantes, Jerusalém foi destruída e a nação arrasada e humilhada. É exatamente por isso que o salmista do salmo 121 começa o seu canto perguntando de onde viria o seu socorro, uma vez que os montes o decepcionaram grandemente.

A sua pergunta na situação em que se achava derrotado e oprimido, não tem como encontrar resposta em uma reviravolta no poder, como era comum naquele tempo e o foi em toda a história da humanidade. Os judeus nunca tiveram um passado de glória para se lembrarem com saudade. Seu apogeu, se é que assim podemos chamar, aconteceu em um breve intervalo de tempo em que o equilíbrio entre as grandes potências, do norte e do sul, era notório. Aconteceu em parcos e contestáveis oitenta anos, durante os reinados de Davi e Salomão, e ficou circunscrito à Palestina apenas. Isso não era nada diante do poder avassalador do Egito, Assíria e Babilônia que periodicamente arrasavam todo o mundo civilizado.

O salmista precisava manter viva a chama essencial de Israel como nação soberana, ainda que fosse apenas na consciência. Por isso que em primeiro lugar esse tipo de literatura é uma forma de afirmação política. Israel não era mais um país, seu povo não era livre, seu Deus não tinha mais templo e a consequência natural era a sua extinção. O salmista vem reafirmar o poder do seu Deus diante das divindades desses povos. Ele veio declarar que os deuses adorados nas figuras de animais ou através dos fenômenos naturais não passavam de criaturas do seu Deus. Que esse Deus estava consciente e insatisfeito com a situação e que em breve viria em socorro do povo. Seria preciso, no entanto, que esse se mantivesse fiel.

Em segundo lugar ele precisava manter viva a esperança do seu povo. Israel era herdeiro da promessa de ser reconhecida e reverenciada por todas as nações, e não seria mais uma das situações adversas que iria extinguir a chama dessa esperança. Israel tinha um propósito como povo de Deus que sobrepujava os fatores que constituíam a grandeza de uma nação. Era justamente nos tempos de opressão que a consciência da dependência de Deus emergia do caos. Não temos exército, não temos terras, não temos escravos, mas temos uma promessa de quem nunca falhou e nunca irá falhar, ainda que tardiamente se manifeste.

O que nos entristece hoje é ver o esforço do salmista se tronar vão, quando se vê o povo que se diz ser de Deus procurando lugares para tê-los como referência da sua fé. O poeta de Deus, como o chama o rev. Jonas, desde um passado longínquo está tentando nos dizer que o nosso socorro não está nos lugares que frequentamos, nas atitudes que tomamos, nos feitos que realizamos, mas exclusivamente em Deus. Não no Deus que se anuncia pelos falsos poderes das aparências, mas no Deus que estava no princípio assim como também estará no fim do céu e da terra. Contudo, tem algo também que nos surpreende alegremente. É ver que doutrinas e teorias vêm e vão, que os lugares santos aparecem e desaparecem, mas a confiança nas mais simples promessas de Deus permanece inabalável no coração do que crê.

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Sou justo, e você tem fé?

Digo-vos que, depressa, lhes fará justiça. Contudo, quando vier o Filho do Homem, achará, porventura, fé na terra? Lucas 18.8
Parábola do juiz iníquo, John Everett Millais
Tem-se observado nas igrejas cristãs uma crescente e preocupante crise de adimplência. Quase todo mundo se acha no direito de ter as suas orações atendidas a tempo e a hora. Esse é um assunto recorrente aqui nesse blog. Por algumas vezes temos expressado a opinião de alguns teólogos sérios, e alertado sobre elas, no que diz respeito a esse falta de noção que a grande maioria dos cristãos, principalmente brasileiros, se encontra com relação ao evangelho. 


Mas neste dia em que o Calendário Litúrgico sugere que reflitamos sobre a parábola do juiz iníquo, contada por Jesus, tentaremos fazer uma abordagem um pouco diferente do que já temos feito. Passemos um tempo a meditar sobre os requisitos mínimos da oração, tenha ela o objetivo que tiver.

A parábola realmente fala que a oração deve ser insistente e sem esmorecimento. O clamor dos filhos de Deus ao Pai deveria versar sobre tantos assuntos e propósitos que realmente faltaria tempo para que a oração fosse completa na sua estrutura. Contudo, o desfecho da parábola aponta para uma direção bem diferente da proposição do tema de abertura. Jesus não quer saber se os discípulos doravante seguirão a risca a sua orientação. Também não quer determinar o tempo que se deve despender com as orações diárias. Ele quer mesmo saber se estamos preparados para receber e aceitar as respostas que serão dadas aos nossos pedidos de oração. Ele quer saber se temos fé suficiente para arcar com a responsabilidade sobre aquilo que estamos pedindo: quando vier o Filho do Homem, achará, porventura, fé na terra?

Essa pergunta de Jesus não é um fato isolado nas Escrituras Sagradas. Os profetas de Israel foram unânimes em questionar o povo quanto ao seu relacionamento com Deus. Sem sombra de dúvida, Amós foi o mais contundente de todos, quando propôs a seguinte questão: Am 5.18ss - Ai de vós que desejais o Dia do SENHOR! Para que desejais vós o Dia do SENHOR? É dia de trevas e não de luz. Como se um homem fugisse de diante do leão, e se encontrasse com ele o urso; ou como se, entrando em casa, encostando a mão à parede, fosse mordido de uma cobra. Não será, pois, o Dia do SENHOR trevas e não luz? Não será completa escuridão, sem nenhuma claridade?

O patrono desse blog bate com força e sem piedade naqueles que insistentemente repetem em suas orações a parusia, o urgente retorno de Jesus. Bate também naqueles que fazem coro com o cantor Roberto Carlos na sua canção Todos estão surdos, em que ele pede:
Meu Amigo volte logo
Venha ensinar meu povo
Que o amor é importante
Vem dizer tudo de novo

Em uma ocasião, diante de um pedido absurdo dos discípulos, Jesus falou: Mt 20.22 -Vocês não sabem o que estão pedindo. Analisando uma situação bem parecida o apóstolo Tiago disse também algo neste sentido: Tg 4.3- Pedis e não recebeis, porque pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres.

Trazendo agora a questão para uma realidade mais abrangente e mais consciente, podemos verificar que esse contraste entre o Deus justo e o homem pecador pode ser vivido com toda intensidade nas páginas do livro de Jó, e aí passa a ser um problema de todos nós. Quando o escritor revela toda a tensão que existe no ponto em que a justiça humana bate de frente com a perfeição de Deus, podemos sentir todo o drama desse nosso antepassado, que, em última análise, não está distante do drama real do cristão diante das orações que dirige a Deus. Essa mistura quase sempre desproporcional de necessidade, desejo, justiça, mérito e graça presente nas nossas orações, precisam nos levar a uma postura mais séria e mais consequente.

Uma das grandes colaborações que Vinicius de Moraes nos deixou, ficou escrita na letra de um samba o qual chamou de samba da bênção. Nessas linhas, o poeta que teria completado 100 anos, se fosse vivo, fala claramente da responsabilidade do homem diante de Deus. Uma lição com um toque de humor, mas profundamente evangélica, e escrita, para o espanto de muitos, fora das páginas da Bíblia, em que ensina:

Feito essa gente que anda por aí
Brincando com a vida
Cuidado, companheiro!
A vida é pra valer
E não se engane não, tem uma só
Duas mesmo que é bom
Ninguém vai me dizer que tem
Sem provar muito bem provado
Com certidão passada em cartório do céu
E assinado embaixo: Deus
E com firma reconhecida!

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O que é VER? II

João em Patmos,  Hans Baldung em 1511
Em Jesus, Deus faz ver as maravilhas prometidas a Abraão e confirmadas pelos profetas. Coisas que jamais foram vistas antes. Simeão e Ana viram e morreram em paz. Felizes são os olhos que viram o que reis e profetas desejavam ver e não viram. Abraão viu de longe apenas um dos dias de Jesus e se alegrou sobremaneira.

Mas os que viram e não se escandalizaram são ainda mais bem aventurados. O ato de ver praticamente inaugura o Reino de Deus: Mt 11.5 – Os cegos veem, os coxos andam...

Para os evangelhos sinóticos, que tem esse nome justamente porque podem ser vistos como uma unidade, ver o que Jesus fez é o caminho para crer em coisas maiores e alcançar a fé da verdade invisível da história. Os sinais feitos por Jesus são suficientes para se levar a essa fé. Outros sinais não serão dados, contudo, a fé perfeita deveria prescindir até mesmo destes sinais, pois realmente bem aventurados são os que não viram e creram.

Para muitos, a luz do mundo se torna em densas trevas. Estes, apesar dos sinais, não podem crer: Jo 12.37 - E, embora tivesse feito tantos sinais na sua presença, não creram nele.De certo modo também não podem ver, não por serem cegos, mas pela visão obcecada do mundo: Jo 9.41 - Se fôsseis cegos, não teríeis pecado algum; mas, porque agora dizeis: Nós vemos, subsiste o vosso pecado. Nos relatos da ressurreição encontram-se os mesmos temas. A vista do sepulcro vazio, as aparições em que Jesus se faz ver às mulheres e aos discípulos e às testemunhas oculares escolhidas.

Se há uma visão que antecede a fé, a própria fé desemboca numa revelação e numa visão. Os céus não se abrem apenas sobre o Filho de Deus. As pessoas presentes, inclusive João Batista, viram esse mistério de Deus revelado. Ver Jesus e ver o verbo de Deus, a vida que estava junto ao Pai e que nos foi revelada. Ver Jesus é ver Deus como ele é, mas não plenamente. Como ele mesmo disse à Maria Madalena: Ainda não voltei para o Pai. A glória que lhe cabe ainda não havia sido de todo revelada. Jesus tem que voltar ao mundo invisível do qual veio, o mundo das realidades que não se veem que é a fonte das coisas que vemos. Seria preciso Jesus deixar de ser visto para que a sua revelação se desse aos que o buscassem.

Quando seus discípulos o viram pela última vez, na Ascensão, começou o tempo em que os que não o viram irão amá-lo, alegrar-se nele e exultarem, ainda que se sem o ver. Mas crendo na firme esperança de que um dia verão o Filho do Homem voltando, sentado à direita de Deus, vindo sobre as nuvens do céu, cheio de poder e glória. Estevão, o primeiro mártir da fé cristã, viu esse dia, o Dia do Senhor anunciado em todo o Primeiro Testamento. Como uma realidade atual: At 7.55 Mas - Estevão, cheio do Espírito Santo, fitou os olhos no céu e viu a glória de Deus e Jesus, que estava à sua direita.

O Apocalipse sugere que esse dia já pode ser visto ao longo da história: AP 1.7 - Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá, até quantos o traspassaram. E todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele. Certamente. Amém! É uma realidade que ainda não vemos, a não ser pela fé. Agora não é mais o tempo de olhar para o céu na expectativa da sua vinda, como fazem alguns lendo as palavras de Jesus, segundo a sua visão fundamentalista. É tempo de testemunhar que o veremos voltar na mesma gloria com que subiu aos céus. É tempo de viver essa dupla expectativa: de estar sempre com o Senhor: Fp 1.23 - Ora, de um e outro lado, estou constrangido, tendo o desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor. Mas firmados na esperança de que um dia o veremos face a face: Ap 22.3s - Os seus servos o servirão, contemplarão a sua face, e na sua fronte está o nome dele.

Ver como Deus é em seu mistério inacessível. Isto resume toda a expectativa dos seus filhos.

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O que é VER? I

Moisés e a sarça ardente, Dieric Bouts (1415-1475)
Enquanto os ídolos têm olhos e não veem, Deus vê tudo que está no céu, na terra e embaixo da terra. De forma bem particular, Deus vê também os filhos de Adão, dos quais ele sonda os rins, o coração e perscruta até o mais íntimo desejo.

Mas esse Deus que tudo vê continua sendo para o homem um Deus escondido. Não obstante, de uma forma inexplicável, Deus escolheu para si um povo ao qual se revelou de uma forma muito especial, até se mostrar por inteiro na sua revelação na pessoa de Jesus, o Cristo.

Ver Deus face a face é um desejo antigo do homem do Primeiro Testamento. A saudade do Paraíso que domina a Bíblia é antes de tudo a consciência de haver perdido esse contato íntimo com Deus, que faria com que se sentisse novamente no Éden. Para ele, a esperança de ver o seu rosto superava até mesmo o medo da sua ira. As duas maiores experiências religiosas de Israel: a pregação da Palavra de Deus pelos profetas e a consciência da sua presença no culto, tendem exaltar este desejo de ver Deus.

As teofanias eram o ponto alto da missão profética. Moisés e Elias conheceram esta experiência em sua forma mais elevada, ainda assim Moisés lhe pede: Ex 33.18 – Fazei com que eu veja a vossa glória. Elias, na sua maior e mais dramática aproximação de Deus, se esconde numa caverna, cobre o rosto e ouve apenas uma voz que lhe é trazida pela brisa suave depois de vendaval, terremoto e fogo. Tão importante se torna este detalhe para os compiladores bíblicos mais recentes que os LXX preferiram traduzir assim: Ex 24.10 – Eles viram o lugar onde se encontrava Deus.

O culto era um desses lugares onde o povo tinha a consciência de que Deus esteve presente, por isso é que suscitava os melhores desejos do coração, tais como: ver Deus, contempla a sua santidade, exultar diante da sua glória, descansar na sua providência. A visão de Isaías narrada no capítulo 6, tão próxima das teofanias presenciadas por Moisés, veio para dar uma noção da distância que separa o nosso pecado da perfeição de Deus, declarar a dependência irrestrita do seu perdão, revelar o desafio da missão que esta presença encerra, como também mostrar que não será nada fácil executá-la.

Se o desejo de ver Deus só é parca e sutilmente satisfeito pela fé, conhecê-lo é algo que se faz visceralmente necessário. Para conhecê-lo é preciso ouvir a sua Palavra e ver a grandiosidade das suas obras, pois é nas maravilhas da sua criação que o que ele tem de invisível se torna visível. Paulo decretou esse ensino uma cláusula pétrea: Rm 1.20 - Porque os atributos invisíveis de Deus, assim como o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas.

Mas o Deus escondido se faz ver mais ainda na história. Nos grandes feitos que realizou no Egito, no Êxodo e em toda a história de Israel, através de sinais que nunca antes foram vistos, e que causou o espanto de todos os povos vizinhos. Conhecer Deus é, portanto, ver seus altos feitos e compreender o quem ele é, entender os seus reais e sublimes propósitos, mais do que se deter nos aparentes motivos que o mundo imagina que o levaram a fazer o que fez, para de uma forma consciente e sincera, crer nele.

Assim como os ídolos estúpidos, os homens são surdos e cegos. Têm olhos, mas não veem. Têm ouvidos, mas não ouvem. Os sinais e os dons de Deus destinados a iluminá-los nessa busca, podem ser obscurecidos pela sua obcecação. A pregação profética que deveria ser consoladora para Israel, se torna pesada ao seu coração, tapa-lhe os olhos para que não vejam e retarda-lhe o entendimento para que não compreendam. Contudo, Deus tem ainda uma forma de se tornar visível e compreendido. Se a palavra profética ainda não havia alcançado o objetivo pleno, a Palavra Viva veio para dizer tudo de novo, de forma a satisfazer definitivamente o desejo de ver, contemplar e se regozijar na sua presença. (continua)


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Apaixonado por Deus

A minha alma anseia pelo Senhor mais do que os guardas pelo romper da manhã. Mais do que os guardas pelo romper da manhã, espere Israel no SENHOR. Leia Salmos 130
O Sentinela de Hazor, foto de Ferrell Jenkins
Texto do rev. Jonas Rezende.
Em seu livro Terra dos homens, Exupéry fala de um pequeno lago que mantinha estranho namoro com o oceano, do qual se encontrava separado por muitos quilômetros. O lago acompanhava periodicamente as marés distantes, como se estivesse realmente apaixonado pelo mar...

Neste salmo, em que o poeta liberta o clamor que sai das suas profundezas, eu também percebo um enamoramento com Deus, que gera uma ansiedade tão intensa quanto a que sentem os guardas pelo romper da manhã, término de sua angustiante vigília.

A Bíblia doa que devemos amar a Deus com toda alma, com todo entendimento e com todo o coração. Aqui o salmista deixa falar as emoções do coração em primeiro lugar. E produz uma página imortal.

Daniel Goleman nos ajuda a entender o papel da emoção na vida humana, até como bases para o desenvolvimento da nossa inteligência. Somos um feixe de emoções. Há 40 mil anos, um nosso ancestral já fazia música usando uma flauta rudimentar feita com o osso de um urso. Homero criava poemas ainda antes de contar com a escrita. O ser humano busca, desenvolve a intuição, é místico. A razão termina sendo apenas uma das vias do conhecimento. Nem sei se é a mais nobre.

Quem sabe se ainda não é mais profundo do que o pensamento, o enigma do mundo? Pergunta Fernando Pessoa. Quem sabe se ainda não é mais profundo do que o enigma do mundo, o mistério do amor? Sou eu que agora pergunto, diante do salmista e sua declaração de ternura a Deus. Essa devoção completamente apaixonada me parece mais bela do que o zelo furioso dos profetas, sem discordar da sua importância e da sua oportunidade. João da Cruz, o grande místico cristão, declarou certa vez: no fim, seremos julgados respeito do amor.

Veja agora que coisa mais bela, apesar de sofrida. O nosso grande compositor Antônia Maria, a despeito da grandeza da sua alma, foi preso durante a ditadura e teve as suas mãos, delicadas e artísticas, pisoteadas pela brutalidade dos torturadores. Na ocasião ele comentou sobre seus algozes: que bobos! Eles pensam que eu escrevo com as mãos.

O Saltério nos ensina a usar mais os nossos sentimentos e as nossas emoções, no encontro com Deus, o outro, o povo, a Natureza. Não podemos perder de vista a magia do Universo, a sabedoria das flores, como entendia Maurice Maeterlinck, que o nosso Monteiro Lobato o poeta-filósofo do indizível. A energia que dorme nas pedras. A grandiosidade das esferas celestes.

Se quisermos salvar a Natureza, que geme esperando a redenção, como lembra o apóstolo Paulo, não bastam discursos ecológicos. Temos que conhecê-la e amá-la. Faz muito tempo que perdemos o contato direto com a terra, o mar, os animais. E perdemos, em consequência, a relação amorosa com Deus, e com nosso irmão; perdemos a nós mesmos.

É o momento de ter saudade do Senhor, de reatar o enamoramento. É a oportunidade de sentir novamente angústia em face do seu silêncio e anelar pelo Senhor, mais do que os guardas pelo romper da manhã. Ele certamente corresponderá ao nosso amor. E nos ajudará na apropriação correta de todas as outras coisas, que nos serão oferecidas como um presente, que não mais nos faria falta.

Você pode apostar?

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Não há linguagem nem palavras

Porque os atributos invisíveis de Deus, assim como o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Romanos 1.20
Criação, Mary Jane Banks
O teólogo Karl Barth dizia que a Bíblia só se torna Palavra de Deus no coração das pessoas, e quando Deus as ilumina de modo especial. O meu desejo sincero é que este seja um dia que Deus ilumine de forma ainda mais especial, principalmente a você que, por ventura, possa estar buscando essa iluminação mais intensamente, para sair do mar de trevas no qual estamos costumeiramente mergulhados até o pescoço.

Pensando nessas palavras, me veio à mente o quanto deveria ser de execução complexa a ordem de Jesus de comunicar o evangelho a toda criatura, e de fato não é. O quanto a Palavra de Deus precisaria se desdobrar para alcançar os diversos corações que estão em estágios tecnológicos diferentes, que possuem necessidades e esperanças as mais diversas, e que praticam usos e costumes que são completamente estranhos aos olhos de uma outra sociedade, e o tem feito na prática de forma avassaladoramente eficaz e duradoura.

É realmente estarrecedor imaginar que a tecnologia da tradução simultânea, tão aplicada hoje em dia, fosse empregada no dia de Pentecostes, muito antes da transmissão do som através de impulsos elétricos ser inventada. Pode causar, e realmente causa, muito espanto ao conhecimento do homem moderno, as narrativas que nos contam que místicos do passado, como Francisco de Assis e outros, que se comunicavam com animais, da mesma forma que nos comunicamos uns com os outros, através de palavras de ordem. Método também usado por Jesus quando fez o mar da Galileia se acalmar na frente dos seus discípulos.

Podemos mesmo verificar que uma enorme diferença se estabelece quando nos deparamos com outros credos que necessitam fazer uso de longas meditações, complicadas iniciações, cerimônias de purificação e mais transes, dietas, poções e alucinações, enquanto que o nosso Deus nos fala até mesmo através do silêncio. O salmista no salmo 19 traduziu essa diferença de forma espetacularmente bela, quando escreveu: Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras até os confins do mundo.

Dei essa longa volta para fazer uma declaração que há muito tempo se faz necessária neste blog. Quero dizer que a esmagadora maioria dos conceitos revolucionários e inéditos aqui descritos, não é fruto da inspiração com que Deus me ilumina diretamente, mas obtida normalmente através do contato com a inspiração dos grandes teólogos do passado e do presente, quer por textos escritos, quer por diálogos e sermões, ou ainda pela informação de terceiros. Não quero citar nomes para não ser traído pela memória, omitindo qualquer deles. Mas a realidade é que o blog Amós Boiadeiro procura trazer a síntese da síntese do que, a meu ver, representa a fina flor do pensamento cristão, mesmo que para isso lance mão da cópia descarada do pensamento dos citados profetas.

Ainda sem citar seus nomes, quero aqui homenagear esses gigantes da fé, esses autênticos profetas de Deus que têm proclamado a sua Palavra, a despeito de toda a nossa contestação e descaso com que os tratamos. Este blog está chegando à casa das seiscentas meditações diárias. Querendo Deus, e sob os auspícios da incansável pregação dos seus profetas, continuaremos a repercutir a mensagem cristã, que, indiferentemente de ter sido proferida no passado ou no presente, será sempre atual, oportuna e objetiva. No dizer do autor da Carta aos Hebreus: Porque a Palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração. Hb 4.12

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Dez a pedir, um a louvar III

Dez leprosos, imagens de catecismo, 1920.jpg
Jesus sempre achou virtude nos pecadores, tanto que as pessoas que mais gratamente o surpreenderam e a quem os seus maiores elogios foram dirigidos eram estrangeiros e proscritos, enquanto que nos retos encontrou apenas decepção.

Como pode ser isso? Parece uma contradição. Parece contestar tudo o que havia sido ensinado pelos salmos e provérbios. Então qual é a verdade: os justos terão a primazia da salvação ou publicanos e prostitutas os precederão no Reino dos Céus? Quem ainda tem dúvida abra os evangelhos, comece a lê-los a partir dessa declaração e depois me diga onde está a verdade.

A mulher siriofenícia; Zaqueu; a mulher samaritana; o centurião romano; a mulher flagrada em adultério; a prostituta na casa de Simão. Isto sem falar nas parábolas, como a o do fariseu e o publicano que oravam no templo; o bom samaritano; a ovelha perdida; o filho pródigo; os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos; o grande banquete que será para os doentes, enquanto que os sãos ficarão de fora. Veja se esta pequena mostra é suficiente para convencê-lo.

Sinceramente eu espero que você não se sinta traído depois de fazer isso. É assim que acontece com todo mundo. É uma luz quebrando a nossa escuridão. Com Paulo, na estrada de Damasco, foi de repente. Já eu, passei anos tentando entender que tudo o que tinha aprendido e ensinado até então: que Deus ama os justos e os retos porque estes merecem o seu amor, estava errado. Esta é a justiça da lei não a justiça da graça. Foi exatamente nesse ponto que fui tocado pela graça de Deus e pude entender finalmente que a graça de Deus é dada a quem reconhece o seu pecado, a quem humilha a si mesmo. A minha pergunta recorrente era: o que eu faço para ser salvo? Neste dia a resposta voltou imediatamente: nada!

A salvação é, em primeiro lugar, uma questão de graça, o cerne da questão é graça também, e em último lugar novamente graça. É graça em todas as fases, pois a fé não é algo que algo que nós podemos fazer e nem algo que nós devemos fazer, mas um dom que nos é dado apesar de tudo que temos feito. Nós somos aceitos por Deus. Esta a mensagem do evangelho, esta a boa notícia trazida por Jesus para nós. É como uma voz que ecoa da eternidade me dizendo: você é aceito! Você é aceito! Não tente fazer nada agora. Mais tarde você fará muito. Não busque nada. Mais tarde você entenderá. Agora simplesmente aceite o fato que aceito por Deus, que você é amado por Deus e que Cristo morreu na cruz por você.

Quem escutou essa voz em alguma estrada da sua vida foi certamente tocado pela graça de Deus. O samaritano que voltou para louvar foi, com certeza, tocado por ela naquela estrada da Galileia. Isto ajuda a explicar porque foi ele o único que voltou. Dez a pedir, um só a louvar. Nós também louvaremos como aquele samaritano, quando fomos tocados pela graça.

Mas a história não termina no vazio de um louvor sem consequências. De um louvor apenas de aparência que tem o poder de enlevar por breves momentos o espírito, para cair no vazio da mesmice. Ela teve resultados práticos e imediatos na vida daquele samaritano, e a sua contabilidade deve ser escrita assim:

Dez foram curados, apenas um saiu com saúde.

Dez foram libertos da lepra, apenas um foi justificado.

Dez ficaram limpos, apenas um foi salvo.  

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