Páscoa judaica, iluminura ucraniana o século XIX |
Na Bíblia, as mais simples refeições são ações de graças a Deus, pois podem demonstrar de hospitalidade, reconhecimento da sua providência, alegria pela visita de um amigo ou pela volta de um filho perdido: Mas era preciso fazer esta festa para mostrar a nossa alegria. Pois este seu irmão estava morto e viveu de novo; estava perdido e foi achado. (Lc 15.32) Porém, se alegria da refeição deve ser plena e transbordante, a ostentação e o luxo são vistos como afronta. A abundância pode degenerar um desvio insensato, que por sua vez traz juízo. Instruídos pela experiência, os antigos traçaram normas de conduta para as refeições. Conselhos sobre a temperança ou prudência, correção moral e compromisso para com o órfão, o estrangeiro e a viúva.
Os vizinhos pagãos de Israel promoviam banquetes sagrados em que era exigida a presença da vítima do sacrifício, pois criam que ela faria a divindade cultuada conhecer os desejos e necessidades do povo. Os antigos cultos em Israel não fugiam muito desta prática, pois toda a refeição que tinha carne era considerada um ato solene que incluía um sacrifício: Elas convidavam o povo para as festas em que eram feitos sacrifícios aos seus deuses. E os israelitas tomavam parte nos seus banquetes e adoravam os seus deuses. (Nm 25,2) O sentido desta prática cúltica não está claro e parece te escapado até aos escritores bíblicos, pois nem os profetas lhes fazem alusão. As diversas tradições da bíblia concordam num ponto: a refeição não servia para criar um vínculo com Deus, mas para confirmar a aliança entre as tribos, dos sacerdotes com o povo, com Deus e com o seu Ungido. Até mesmo a refeição mais sagrada do judaísmo, a páscoa que celebra a libertação do jugo egípcio era um memorial que remontava ao início da aliança, numa recordação persistente da providência de Deus que é contínua sobre todo o povo.
O Deuteronômio sistematiza esse memorial subordinando-o ao tema da expectativa da refeição eterna nos átrios do céu de Deus, a única refeição sagrada por excelência, pois contará tanto com a sua presença como com a sua anuência plenas. Será a refeição que unirá para sempre todo o povo de Deus no lugar por ele criado especificamente para este fim: Todos os anos levem esses animais para o lugar de adoração escolhido por Deus, o SENHOR, e ali, na presença de Deus, vocês e as suas famílias comam a carne deles. (Dt 15.20) A celebração cantada, falada ou dançada vai se tornando mais importante e criteriosa, pois é a parte que será desempenhada pelo homem neste inominável festim.
Esta é uma evolução que deveria constar também nas liturgias cristãs. Embora se dê hoje especial atenção a esses atos litúrgicos, não se pode notar claramente uma evolução no que diz respeito ao crescimento da responsabilidade dos que a praticam, e nem com respeito à sacralidade com que ela é realizada. Este era o grande conflito entre os sacerdotes, que promoviam cada vez mais festas, e festas cada vez mais opulentas, com os profetas, que não viam nestas festas a base moral e nem a justiça, os principais requisitos para uma celebração se aceita por Deus e agradável aos seus olhos. Opostamente a isso, o povo comia, bebia, cantava e dançava celebrando a sua própria condenação. O SENHOR diz: “Eu não quero todos esses sacrifícios que vocês me oferecem. Estou farto de bodes e de animais gordos queimados no altar; estou enjoado do sangue de touros novos, não quero mais carneiros nem cabritos. Lavem-se e purifiquem-se! Não quero mais ver as suas maldades! Parem de fazer o que é mau e aprendam a fazer o que é bom. Tratem os outros com justiça; socorram os que são explorados, defendam os direitos dos órfãos e protejam as viúvas. (Is 1.11,16-17)
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