Por que a nós?

Disse-lhe Judas (não o Iscariotes): Senhor, de onde vem que te hás de manifestar a nós e não ao mundo? João 14.22
A Última Ceia, Pavel Popov (?)
De onde vem? De onde procede? Como será possível? Por que razão?
Esta variedade de traduções tiradas de versões diferentes da Bíblia mostra que a pergunta de Judas foi bem mais complexa do que do que os tradutores conseguiram, tanto assimilar para si, quanto transmitir para nós. Qualquer discípulo sério de Jesus, seja na antiguidade ou na atualidade, tem que se fazer constantemente a pergunta que Judas faz a Jesus: Qual seria a razão plausível que teria a capacidade de sensibilizar o coração de Deus de tal modo, para que ele se manifestasse com exclusividade a um grupo tão restrito, inconstante e que quase na totalidade das vezes interpreta errada ou ambiguamente o propósito final da sua manifestação?

Ao que parece, o próprio Jesus não fez muito esforço para dar uma resposta definitiva à pergunta, pois ele continuou batendo na mesma tecla, ou seja, condicionando o amor dos discípulos para com ele à preservação integra das suas palavras.

Ao que perece também, não era tão importante, para Jesus, que os discípulos entendessem a razão da escolha, por que essa escolha não se dava pelo entendimento do conjunto dos propósitos de Deus, mas pelo seu amor para com quem, mesmo sem entender completamente os motivos, a despeito das consequências, mais do que a própria vida, conservava inalterada no coração a mensagem do evangelho.

Torna-se curioso que na narrativa de João, ou pelo menos nas traduções que se fizeram dela, o discípulo que faz a pergunta é propositalmente identificado como não sendo Judas Iscariotes, em uma tentativa clara de discriminá-lo e descredenciá-lo. Convém lembrar que as palavras que aparecem entre parênteses nas traduções da Sociedade Bíblica do Brasil, não são encontradas em todos os manuscritos, fazendo-nos crer que o traidor, que nesta altura, segundo Lucas, já estava possuído pelo Diabo, não reuniria condições espirituais para tão louvável questionamento. Uma vez que João em seu evangelho não faz qualquer menção sobre a existência de outro Judas no grupo de Jesus, fico a imaginar se a discriminação não foi um acréscimo à versão original do fato narrada por João, forjada por quem se julgava mais digno de receber as revelações de Deus que Judas. 

Tenho pra mim que foi justamente esse o sentimento indevido de orgulho que Jesus tentou evitar quando foi evasivo na sua resposta. Jesus, de forma alguma, teve a intenção de fazer com que as manifestações de Deus se restringissem a um seleto grupo, pelo contrário. Ele disse que deveríamos ser imensamente gratos a Deus, porque não fomos escolhidos por mérito, mas pelo seu amor que é sem medida, que recai indistintamente sobre bons e maus, e que alcança gratuitamente a justos e injustos.

A pergunta de Judas, seja ele o Iscariotes ou não, deve ser sempre repetida porque ela nos traz essa dúvida constante sobre o por quê Deus nos ama tanto, quando, na realidade merecemos tão pouco. Essa é razão, se assim podemos chamar, pela qual a revelação de Deus foi dada a nós e não ao mundo. Ela nos foi dada para que fizéssemos dela um presente de Deus para o mundo. Paulo nos alerta da urgente necessidade de entregarmos tal presente, porque, segundo o seu inspirado entendimento: Sabemos que até agora o Universo todo geme e sofre como uma mulher que está em trabalho de parto. E não somente o Universo, mas nós, que temos o Espírito Santo como o primeiro presente que recebemos de Deus, nós também gememos dentro de nós mesmos enquanto esperamos que Deus faça com que sejamos seus filhos e nos liberte completamente. (Rm 8.22s)

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Não a nós

Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao teu nome. Salmo 115.1
Flagelo de Tercio, bispo de Icônio, anônimo em 985
Existem aspectos na revelação divina que se não observados podem muito bem contradizer ou até mesmo negar o propósito final desta revelação. O cristão tem que estar sempre alerta porque os sinais que acompanham a revelação nem sempre trarão experiências de êxtase, como também nem sempre serão agradáveis aos olhos e ouvidos daqueles que não creem. Fundamentado em dois textos bíblicos eu queria fazer uma rápida análise de alguns aspectos das manifestações de Deus através dos seus servos, que corroboraram com a ideia inicial desta meditação.

O primeiro texto é o de Atos 14.1-18 que narra a incrível mudança de cenário diante da pregação de Paulo e Barnabé nos contextos das cidades de Icônio e Listra.  Cidades que eram tão próximas que, nos critérios de hoje, Listra faria parte da grande Icônio ou viceversa. Esses missionários da Igreja de Antioquia passaram, em um curto espaço de tempo, pela experiência de serem escorraçados e apedrejados em Icônio para elevados à categoria dos maiores deuses do Olimpo em Listra, pelos gregos dessas duas cidades. Há que se descontar aqui a nítida cumplicidade atribuída aos judeus pelo evangelista Lucas em todos os acontecimentos negativos relacionados aos cristãos, desde o martírio e morte de Jesus, o Cristo.

O único diferencial que se pode com relativa certeza afirmar é que em uma cidade aconteceu a cura e uma deficiente, o que não aconteceu na outra cidade. Deixando de lado por um momento este dado, que para muitos pode ser fundamental, eu pediria que consideramos apenas a atitude de Paulo e Barnabé em ambas as situações. De Icônio fogem assustados e possivelmente feridos por pregarem um evangelho que estava sendo aceito tantos por judeus como por gentios. Paulo faz citação a alguns apedrejamentos dos quais escapou, porém nunca disse que saiu ileso de qualquer deles. Podemos dizer textualmente que saíram de Icônio carregando sobre si as cicatrizes da pregação do evangelho, isso na sua primeira viagem missionária. Este deveria fazer com que eles repensassem a sua estratégia e voltassem a Antioquia para reformular todo o programa evangelístico. Mas não, parece que a recepção negativa e traumática fez com que eles se encorajassem mais ainda.

Já na cidade de Listra aconteceu o oposto. Não foram recebidos simplesmente como arautos dos deuses, mas como verdadeiros deuses. Em honra a presença deles seriam sacrificados os touros sagrados, fato que os deixou profundamente revoltados, a ponto de rasgarem as suas vestes em sinal desta contrariedade. Podemos bem dizer que em Listra tanto Paulo quanto Barnabé receberam os maiores louros que o evangelho pode trazer.

Este texto deixa bastante claro que a pregação do evangelho não é para agradar ninguém, e sim para confrontar o homem com o seu estado de pecado. O ser humano diante do evangelho só pode tomar duas decisões: converter-se à sua mensagem, ou revoltar-se ferozmente contra ela. Qualquer outra situação diferente dessas torna-se uma autêntica negação aos seus propósitos.

O segundo texto, antes que eu me esqueça, é o que serviu de título para a meditação: o primeiro versículo do salmo 115. O texto que nos leva a redirecionar tanto os aspectos visualmente negativos do ministério cristão, quanto àqueles que são aceitos definitivamente como positivos, tendo em vista os propósitos de Deus para as nossas vidas. Que experiência poderia ser mais marcante na vida desses missionários do que a que fez saírem do quinto dos infernos, sem se deixarem abater, para o terceiro céu, sem reivindicarem para si qualquer tipo de glória?

Mais uma vez é ressaltada a recomendação de João Batista: Importa que ele cresça e eu diminua. Pena que nas igrejas protestantes a lembrança deste salmo não seja tão frequente nas liturgias como é nas igrejas católicas. Seria sempre bom que nos lembrássemos que nada do que nos acontece é por mero acaso. Todas as coisas concorrem para o bem individual dos que amam a Deus e para o bem coletivo daqueles que, mesmo sem saber, anseiam pela manifestação plena do seu Reino, seja em Icônio, Listra ou nos confins da terra.

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Ecumenismo

CONIC - Conselho Nacional de Igrejas Cristãs
Texto do rev. Luiz Carlos Ramos.
A onda anti-ecumênica que afeta muitos segmentos do próprio cristianismo não deixa de ser surpreendente. Como imaginar que uma pessoa cristã seja contra a unidade da igreja? Como explicar a intolerância para com o “outro” por parte de pessoas que professam a fé cristã? Afinal, o cristianismo tem como elemento central a doutrina da encarnação do Filho de Deus que, vencendo a distância infinita que separava a humanidade de Deus, quebra a maior de todas as barreiras: aquela que separa o “Eu” do “Totalmente Outro”, e que exige, como consequência, a quebra da barreira com o “Tu”, isto é, com o próximo (vd. conceitos de Martin Buber).


A propósito dessa onda anti-ecumênica, esta reflexão pretende abordar o movimento ecumênico como uma resposta concreta à oração de Jesus pela unidade dos que creem.
A principal referência escriturística que inspira explicitamente o movimento ecumênico é a Oração Sacerdotal de Jesus, relatada no capítulo 17 do Evangelho de João: que eles sejam um, para que o mundo creia!

Ecumenismo como movimento de oração pela unidade dos que creem.
O compromisso ecumênico, portanto, é, primeiramente, um compromisso de oração. Os discípulos perguntavam a Jesus como deviam orar. No Sermão do Monte, Jesus oferece o modelo da Oração do Pai Nosso, que tem no pronome “nosso” a indicação explicita de que toda oração cristã deve ter um caráter comunitário e expressar as aspirações relativas ao cumprimento da vontade de Deus na Terra, da mesma forma que ela é realizada no Céu.

A Oração Sacerdotal de Jesus oferece outro modelo de oração que reforça a convicção de que a preocupação com a unidade dos que creem é prioritária na pauta das súplicas e nas intenções dos fiéis. Orar é desejar, suplicar é querer, pedir é buscar. O que deseja Jesus nessa oração? A unidade. O que suplica? A unidade. O que busca? A unidade.

Como o próprio Cristo advertia, em outra ocasião, uma casa dividida contra si mesma não pode subsistir (Mc 3.23ss). Isso implica em que uma pessoa que se diz cristã, mas que se posiciona contra o movimento de oração pela unidade da igreja, está assumindo o seu inverso. Suas orações, se não são em favor da unidade, são, consequentemente, em favor da desintegração, da sectarização e, portanto, da diabolização (cf. sentido etimológico dia+ballo) da igreja e dos cristãos. John Wesley expressava sua preocupação com essa tendência entre seus seguidores. Por isso dizia que não temia o desaparecimento do movimento metodista, mas que este viesse a se tornar uma seita pseudocristã.

Ecumenismo como movimento de comunhão solidária e celebrativa dos cristãos
Em segundo lugar, o compromisso ecumênico é um compromisso de comunhão. Jesus suplica ao Pai que os que creem e os que vierem a crer sejam um. Em que sentido? No mesmo sentido em que Jesus, o Filho, é um com Deus, o Pai. O modelo comunitário da igreja é a Divina Comunidade, a Santíssima Trindade, o Deus Trino e Uno.

Na comunidade divina, há plena unidade, não obstante a evidente diversidade das divinas pessoas. Os teólogos clássicos explicam que essa unidade se dá em temos de natureza. O Pai, o Filho e o Espírito são da mesma natureza. Não obstante, desempenham funções distintas. Conquanto juntos, não se misturam. Sendo Um, ainda assim, são Trindade. A um compete criar e revelar, a outro revelar e salvar, e a outro, salvar e consolar.

Por mais diferentes que os seres humanos possam ser, jamais serão tão “diferentes” quanto as pessoas da Trindade Santa. Se Deus é o modelo de comunidade perfeita embora sendo tão distinta entre si, como podem os seres humanos fechar-se intolerantemente em relação a quem é diferente em termos de convicções intelectuais ou de funções assumidas no corpo de Cristo, mas que, por mais diferentes que sejam, ainda são, e sempre serão, da mesma natureza humana?
A teologia e a ciência advogam: a humanidade é uma única família, uma única raça: a raça humana, a família humana —e a fé insiste em professar, surpreendentemente, que todos têm um único e mesmo Pai divino.

Outra expressão reiterada pelos Doutores e Pais da Igreja, e reforçada em diferentes épocas pelos Patronos da fé que professamos, é a de que devemos viver a unidade no essencial, a liberdade no não essencial, e a caridade (solidariedade) em todas as coisas. Em contrapartida, os que são contra o movimento ecumênico assumem uma postura de intolerância que culminará com a desintegração do essencial, a intolerância no não essencial, e o ódio em todas as coisas.

Ecumenismo como movimento missionário dos cristãos a serviço da humanidade
Em terceiro lugar, o compromisso ecumênico é um compromisso missionário. A oração de Jesus explicita o propósito da súplica pela unidade: “para que o mundo creia”. O que impressionava os ouvintes de Jesus era o fato de que ele não falava como os escribas, mas como quem tem autoridade. Essa autoridade estava relacionada à coerência da mensagem de Jesus com o seu estilo de vida. Os escribas, para defender a sua verdade, não hesitavam em recorrer à mentira. Assim fizeram em Tessalônica, quando contrataram “homens dentre a malandragem” para que instigassem a multidão e inventassem mentiras contra os missionários que vieram para pregar o evangelho naquela cidade. Para defender sua ortodoxia, recorriam a práticas heterodoxas.

O mesmo se dá com os que militam contra o movimento de unidade. Dizem pregar o Evangelho de Cristo, mas praticam o oposto dos ensinamentos do Mestre; dizem crer no Deus Trino-e-Uno, mas promovem a sectarização da igreja; dizem professar o evangelho do amor; e praticam o ódio e a intolerância para com aqueles e aquelas que, embora sendo da mesma natureza que eles, pensam e agem de modo diferente.

Além disso tudo, falta bom senso a muitas dessas pessoas para perceberem sua incoerência. Fazem o que fazem com boas intenções, pregam o que pregam supondo estarem fazendo isso em nome de Deus; acreditam no que acreditam porque são crédulos, mas não crentes, e se deixam levar por discursos falaciosos.

Ao que parece, o desejo de Cristo e a mensagem do seu Evangelho continuarão a ser a opção de poucos: dos que escolherem o caminho estreito, do pequeno rebanho que ainda distingue a voz do Pastor em meio aos uivos dos lobos e o alarido dos salteadores, de homens e mulheres dos quais o mundo ainda não é digno (cf. Hb 12).

Luiz Carlos Ramos é pastor metodista, doutor em Ciências da Religião e é professor da Universidade Metodista de São Paulo 


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Quod ubique

Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas.
Rm 1.20
Criação dos animais, Tintoretto em 1550
Tudo o que se pode observar nos dias de hoje parece que contrariam radicalmente esta frase do apóstolo Paulo. Existe uma unanimidade latente em todos os assuntos que estão relacionados à grande capacidade evolutiva da natureza, como se ela por si só respondesse por todos os eventos que fizeram o nosso mundo chegar ao patamar científico que chegou. Ao espírito humano é atribuído apenas uma força contrária que limita, destrói e por vezes impede que a natureza siga seu curso, sendo que a contrapartida disso tudo nos é devolvido sob a forma de terríveis cataclismos, nunca antes observados.

Para a grande maioria, a evolução há muito já deixou de ser uma teoria, e vigora para sempre como uma das verdades mais absolutas a serem cridas. Mesmo que a evolução flagrantemente contrarie regras básicas da física, da mecânica e da biologia, o status da sua veracidade só tende a crescer e a se comprovar cada vez mais. Parece que o Armageddon, que até bem pouco tempo era a luta definitiva das forças do bem contra as potestades do mal, finalmente conhece quem são os verdadeiros oponentes: a natureza do universo criativa e evolutiva de uma lado, e a natureza humana destruidora e involutiva do outro.

Estou bem à vontade para falar desse assunto, porque nunca me posicionei contrária ou favoravelmente pelo criacionismo, embora creia em absolutamente tudo que na Bíblia está escrito. O meu problema está no famoso “Quod ubique, quod semper, quod ab omnibus creditum est”. Em uma tradução mal orientada lê-se “aquilo que todos, em toda parte, sempre acreditaram”. Para mim o problema está no fato de que bastou menos de 100 anos para que uma espiritualidade que era cultivada desde a infância da humanidade, segundo alguns algo em torno de cinco milhões de anos, a crença em uma consciência superior e o reconhecimento da criatura humana como parte de uma inominável criação, fossem completamente contestados, erradicados e substituídos. Não mais quod ubique, a partir de então, aquilo que Darwin, Nietzsche e Freud nos fizeram acreditar.

A própria história faz um julgamento severo quanto às conclusões tiradas em curto espaço de tempo. Afirmam os historiadores que o tempo mínimo para se julgar um governo é de cinquenta anos, antes disso tudo é falácia. Ora, se um conjunto de ações que pode ser avaliado na íntegra por números estatísticos e por opiniões de testemunhas oculares necessita de um período de análise crítica profunda, quanto mais as coisas relacionadas ao desconhecido, ao transcendente e aos fenômenos que presenciamos pela primeira vez. Quando falo de transcendência não refiro apenas às coisas espirituais, falo delas também. Mas falo principalmente das coisas que transcendem ao conhecimento humano, das coisas que não tivemos nem tempo suficiente, nem amostragem satisfatória para tirarmos uma conclusão minimamente plausível.

O mundo está acabando, nossa geração antecipou o fim, somos inimigos declarados da natureza, o homem é o maior predador que já pisou a superfície desse planeta. Ninguém até agora se deu conta de que o papa do aquecimento global e mentor do efeito estufa declarou que estava completamente errado em suas doutrinas: James Lovelock, patriarca do "aquecimento global", admite: "Eu estava errado. Não há nada acontecendo ainda"! Leia em http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/guia-espiritual-da-turma-do-%E2%80%9Caquecimento-global%E2%80%9D-confessa-era-alarmismo-leia-dilma-antes-de-se-submeter-a-patrulha-no-caso-do-codigo-florestal/

Conta a história que o chefe de uma tribo indígena no Canadá ao morrer fora substituído por seu filho, que desde pequeno morava nos EUA. Seu primeiro teste foi prever qual seria a intensidade de inferno que se aproximava. Com base na precaução, mandou que os índios catassem lenha. Com base na ciência, ligou para o instituto de meteorologia, onde ficou sabendo que o inverno seria rigoroso. Por conta disso mandou que os índios catassem mais lenha ainda, e novamente consultou o mesmo meteorologista, que confirmou o rigor do inverno. Isso se repetiu por vezes seguidas. Intrigado com as afirmações do colega, o meteorologista chefe perguntou ao que era constantemente consultado: Como é que você pode ter tanta certeza que este inverno será rigoroso?  E recebeu a seguinte resposta: Você já reparou na enorme quantidade de lenha que os índios estão estocando?

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10 Estratégias da Manipulação

Pollice verso, Jean Leon Gerome em  1872
Texto de Noam Chomsky.
1. A estratégia da distração:
O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas. A técnica é a do dilúvio ou inundação de contínuas distrações e de informações sem importância. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir ao público interessar-se pelos conhecimentos essenciais, nas áreas da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética.Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais,  atraída por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar. (Citação do texto “Armas silenciosas para guerras tranquilas”).

2. Criar problemas e depois oferecer soluções:
Este método também é chamado: “problema--> reação--> solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o suplicante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o requerente de leis de segurança e políticas, em prejuízo da liberdade. Ou também: Criar uma crise econômica para que o povo  aceite como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.

3. A estratégia da gradualidade:
Para fazer que se aceite uma medida inadmissível, basta aplicá-la gradualmente, a conta-gotas, num prazo ampliado. Dessa forma, as novas condições impostas, as mudanças radicais são aceitas sem provocar revoltas.

4. A estratégia do adiar :
Outra maneira de provocar a aceitação de uma decisão impopular é a de apresentá-la como “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício  futuro que um sacrifício imediato.
Primeiro, porque o esforço não é imediato.
Segundo, porque a massa, ingenuamente crê que “amanhã tudo irá melhor” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado.
Isto dá mais tempo ao cidadão para se acostumar à ideia da mudança e de aceitar com resignação quando chegar o momento.

5. Dirigir-se ao público como criaturas de pouca idade:      
A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discursos, argumentos, personagens e entonações particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse uma criatura de pouca idade ou um deficiente mental. Quanto mais se tente procurar enganar o espectador, mais se tende a adotar um tom infantil. Por que? Porque dirigir-se a uma pessoa como se tivesse doze anos ou menos, tenderá, por sugestão, a adotar respostas ou reações mais infantis e desprovidas de sentido crítico.

6. Utilizar o aspecto emocional muito mais que a reflexão:
Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para curtocircuitar a análise racional, e neutralizar o sentido crítico dos indivíduos. Por outro lado, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou injetar ideias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir a determinados comportamentos.

7. Manter o povo na ignorância e na mediocridade:
Fazer com que o público seja incapaz de compreender a tecnologia e métodos utilizados para seu controle e escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância entre estas e as classes altas permaneçam inalterada no tempo e seja impossível alcançar uma autêntica igualdade de oportunidades para todos.”

8. Estimular o público a ser complacente com a mediocridade:
Fazer crer ao povo que está na moda a vulgaridade, a incultura, o ser mal falado ou admirar personagens sem talento ou mérito algum, o desprezo ao intelectual, o exagero do culto ao corpo e a desvalorização do espírito de sacrifício e do esforço pessoal.

9. Reforçar o sentimento de culpa pessoal:
Fazer crer ao indivíduo que ele é o único culpado de sua própria desgraça, por insuficiência de inteligência, de capacidade, de preparação ou de esforço. Assim, em lugar de rebelar-se contra o sistema econômico e social, o indivíduo se desvaloriza , se culpa, gerando em si um estado depressivo, que inibe sua capacidade de reagir. E sem reação, não haverá revolução.

10. Conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem:
Nos últimos 50 anos, os avanços da ciência geraram uma crescente brecha entre os conhecimentos do público e aqueles utilizados pelas elites dominantes. Graças à biologia, a neurobiologia e a psicologia aplicada, o Sistema tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicológica. O Sistema conseguiu conhecer melhor o indivíduo comum do que ele se conhece.

Conclusão: Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um maior controle e poder sobre os indivíduos, superior ao que pensam que realmente tem.

Noam Chomsky é linguista, filósofo e ativista político estadunidense, professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts


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O que é HOSANA?

Oh! Salva-nos, SENHOR, nós te pedimos; oh! SENHOR, concede-nos prosperidade!
Salmo 118.25

Entrada em Jerusalém, Pedro de Orrente em 1620
Quando o salmista balbuciou entre dentes essa oração no salmo 118, certamente não tinha como imaginar que suas breves palavras ecoariam por milhares de anos após a sua morte. Esse sintético pedido de socorro transformou-se rapidamente em um lema nacional, e passou a ser a aclamação principal do povo de Israel enquanto marchava alegremente ao redor da Arca da Aliança, celebrando uma de suas principais festas: o Sucot, festa das Cabanas ou festa dos Tabernáculos. Não era sem uma razão explícita que quase que a totalidade das orações proferidas nessa festa começavam justamente com a invocação Hosana. Além disso, esse festival não se encerrava enquanto não fosse realizada a esperada Hosana Raba, ou a grande Hosana, que era a tônica do sétimo e último dia dessa grande festa.

Hosana também é a síntese da síntese das orações preferidas daqueles que sinceramente oram a Deus, porque expressa com toda a intensidade os dois temas mais comuns e os mais frequentemente repetidos na grande maioria das orações que a ele são dirigidas: Salve e louvemos. Por isso é que ela passou a repercutir, com justa razão, em todos os salmos de socorro e livramento que foram compostos a partir deste, pois expressa também a necessidade da urgência do livramento: Deus, salve-nos agora.

Essa expressão ao se deparar com o movimento iniciado por Jesus, o Cristo, assentou-se-lhe como uma luva. Desde a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém ela passou a integrar os ritos que acompanhavam o Messias, porque ela não somente é a consumação da antiga profecia que foi profetizada por esse mesmo salmista nos versículos seguintes ao citado no alto da página, como também fez com que a exaltação da chegada e da presença do Messias fosse assinalada com festa e ramos de palmeiras até a entrada do Templo: Bendito o que vem em nome do SENHOR. A vós outros da Casa do SENHOR, nós vos abençoamos. O SENHOR é Deus, ele é a nossa luz; adornai a festa com ramos até às pontas do altar.

A palavra serviu, e ainda serve, como tema de uma infinidade de canções de louvor a Deus. John Wesley em seus sermões e cartas citava frequentemente os moravianos, um povo pelo qual nutria profunda admiração e respeito pela sua elevada conduta moral, pela sinceridade de suas orações e pela beleza de suas canções. Os moravianos tinham como regra cantar Hosana não apenas no Domingo de Ramos, como também no primeiro domingo do Advento. Harry Belafont, um cantor famoso dos anos de 1950, incluiu uma música com esse nome em Calypso, um dos seus mais aclamados álbuns. Serviu de tema para uma das canções da grande ópera rock Jesus Cristo Superstar. É, sem dúvida, um dos temas preferidos dos compositores de música gospel do nosso tempo, pelo seu apelo e tradição.

Mesmo com toda essa tradição que envolveu a palavra Hosana, o fiel a Deus ainda não se sentia plenamente à vontade em louvá-lo apenas repedindo-a em suas orações. Toda a pompa, toda a adoração, todo o respeito, toda a solenidade que acompanhavam essa oração ainda era pouco para ele. Na concepção do salmista, para que se dignifique Deus em sua glória, até mesmo a Hosana, que se admitia como a oração definitiva, ganha adjetivos e adornos. Para a fé singela de alguém que se depara com a grandiosidade de Deus, e com a simplicidade da sua presença na figura do seu Filho, a Hosana só não basta. Ela tem obrigatoriamente que ser elevada, não somente às alturas, mas ele vai fazer questão que seja nas maiores alturas. E as multidões, tanto as que o precediam como as que o seguiam, clamavam: Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas maiores alturas! (Mt 21.9

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Mais desastrado impossível

Até quando vocês julgarão sem justiça e tomarão partido pela causa dos ímpios? Façam justiça ao fraco e ao órfão, procedam retamente com o aflito e com o desamparado.
Leiam o Salmo 82.
A punição de Coré, Botticelli, em 1480
Texto do rev. Jonas Rezende.
"Filhos respeitosos e reconhecidos de Calvino, nosso grande reformador, mas condenando um erro que foi o erro de uma época, e com firmeza apegados à liberdade de consciência, segundo os verdadeiros princípios da Reforma e do Evangelho, nós erigimos esse monumento expiatório em 27 de outubro de 1903.” Essas palavras são um pedido formal de desculpas. Mas ainda uma retratação histórica feita com austero monumento, como convém aos calvinistas, diante da atitude de Calvino que terminou por levar à morte Miguel Serveto, queimado em 27 de outubro de 1553, trezentos e cinquenta anos antes. Porque se expressou com liberdade.

Serveto era médico e brilhante pensador, que ousou escrever um livro contra o Papa e Calvino. O reformador o ameaçou de morte, se voltasse a Genebra, mas denunciou Serveto à Inquisição, no ato mais desastrado de sua vida; o que deu em você Calvino? Tentar se esconder dos católicos em Genebra precipitou o precoce fim do livre pensador.

O curo salmo de Asafe que temos diante de nós condena exatamente um julgamento injusto como esse. Em vez da loucura arbitrária de Calvino, i salmista recomenda, em nome de Deus: socorram o fraco e o necessitado; tirem-nos da mão dos ímpios. E Asafe faz um reconhecimento que nem sempre é também o nosso: levante-te, ó Deus, julga a terra, pois a ti compete a herança de todas as nações. Você já percebeu que mais de uma vez, nesse devocionário, volto a considerar o perigo dos nossos julgamentos injustos, pois considero que é uma das maiores manchas éticas e morais do ser humano. Temos uma enorme dificuldade de saber quando erramos. Veja só o episódio de Calvino e Miguel Serveto, que mereceu um livro de Stefan Zweig. Mas eu poderia falar de Giordano Bruno, que também tem uma estátua expiatória em Roma, no lugar onde foi queimado pelos seus inquisidores. Ou de Galileu Galilei, que só escapou dessa sanha porque se retratou em público.

Nossa consciência seria de grande auxílio contra o erro, mas somos muito subjetivos em nossos critérios, mágoas e ódios – isso bloqueia mesmo a consciência bem intencionada.

O ideal seria colocar os julgamentos nas mãos divinas, como o salmista nos estimula: Levanta-te, Deus, e julga a terra. Quase sempre, porém, o ser humano quer julgar em nome de Deus, adivinhar os caminhos do Senhor, quando está envolvido em um problema até a cabeça. E aí toda a força termina nas mãos humanas, muitas vezes injustas.

Resta o julgamento da História, que fica entre os dois anteriores. E este é inexorável. Com o distanciamento histórico, se chega ao fulcro das questões, como vem acontecendo com os grandes criminosos, que terminam recebendo o fuzilamento, a cadeia ou a terrível execração pública. O que o homem semear, isso haverá de colher, afirma a Bíblia.

Há um fato histórico eu muito me impressiona, razão porque eu o repito com alguma frequência. É o confronto entre Paulo de Tarso, o apóstolo, e Nero, depravado imperador de Roma. A virtude e o vício.

Tem-se a impressão de que vence o lado diabólico, porque Paulo morre decapitado. Mas, passam os anos e, mesmo sem cogitar a respeito da responsabilidade por parte de Deus, a História faz justiça. E hoje nós colocamos o nome de Paulo em nossos filhos, e o de Nero em nossos cães.

Ore com o salmista: Levanta-te, Deus, e julga a terra.
É com certeza a melhor posição.


Rev. Jonas Rezende, formado em Teologia, Direito e Filosofia. Pastor emérito da ICI, professor universitário, e escritor.

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São Jorge da Lida

Dai, e ser-vos-á dado; boa medida, recalcada, sacudida e transbordando vos darão; porque com a mesma medida com que medirdes também vos medirão de novo. Lucas 6.38
Martírio de São Jorge, Michel Coxie (1499-1592)
Logicamente que não foi por causa de uma novela em horário nobre que este mártir do cristianismo conquistou a sua enorme notoriedade. Ele talvez seja um dos santos mais ecumenicamente corretos de da fé cristã, e um dos poucos que alcançou uma quantidade considerável de adeptos também em credos é confissões não cristãos. Venerado pelas igrejas Anglicana, Ortodoxa Oriental, Ortodoxa Ocidental e Católica Romana, é também padroeiro de cidades como Gênova, Beirute, Cárceres, Ferrara, Barcelona e Moscou. Em muitas outras, como é o caso do Rio de Janeiro, é mais venerado que o próprio padroeiro desta. Curiosamente é também o santo padroeiro de um organismo que é o preferido por adolescentes e jovens nos quatro cantos do mundo: o Movimento Escoteiro, que foi fundado por um metodista, com a anuência e aprovação total do seu organizador e líder máximo, o pastor anglicano John Wesley.


Seu patronato incide sobre várias profissões, organizações, ONGs, Escolas de Samba, agremiações esportivas e movimentos de assistência social, principalmente na área da saúde. Como não poderia deixar de ser, é igualmente o grande padroeiro dos militares.

Correndo em paralelo com a sua fama, este santo possui em seu louvor uma quantidade enorme de tradições, contos e biografias, sendo que a mais aceita é aquela que diz que ele nasceu no quarto século da nossa era em Lida, uma cidade grega na Palestina, foi oficial do império Romano sob o governo de Diocleciano, sendo da guarda pessoal deste imperador que foi um dos mais mortais perseguidores do Cristianismo.

A hagiografia, palavra que deriva do grego Ágios, que significa santo, e graphein, escrever, é ciência que estuda a biografia dos santos, líderes religiosos e dos líderes carismáticos, que tem como sua publicação maior o Acta Santorum, ou Livro dos Santos, não coloca qualquer dúvida sobre a existência deste personagem na história, contudo, faz muitas restrições ao extenso folclore que circunda o seu nome. Em uma decisão no mínimo curiosa, o Papa Gelásio I declarou que: São Jorge é um dos santos cujos nomes são justamente reverenciados entre os homens, mas cujas ações são conhecidas apenas por Deus.

Quanto à tradição que especificamente fala da sua luta vitoriosa com o dragão, frei Leonardo Boff escreveu esta semana, em seu blog http://leonardoboff.wordpress.com/, um material que fala com muita propriedade e profundidade sobre o São Jorge e sobre o dragão que existe em casa um de nós. Fala desse dualismo sempre presente nas mentes conscientes, do qual nem mesmo o apóstolo Paulo se viu livre. Pelo menos é o que ele diz em Romanos 7.18: Pois eu sei que aquilo que é bom não vive em mim, isto é, na minha natureza humana. Porque, mesmo tendo dentro de mim a vontade de fazer o bem, eu não consigo fazê-lo. Mais interessante é que na sua versão, São Jorge não mata o dragão, mas faz deste mal um instrumento do bem, o que basicamente é o cerne da fé cristã, como Jesus mesmo dizia: Vão e procurem entender o que quer dizer este trecho das Escrituras Sagradas: “Eu quero que as pessoas sejam bondosas e não que me ofereçam sacrifícios de animais.” Porque eu vim para chamar os pecadores e não os bons. (Mt 9.13)

A despeito da expectativa popular em torno da sua operosidade milagreira, prevalece o reconhecimento pelo testemunho de um mártir que levou a sua fé até as últimas consequências. Quer o chamemos de santo ou apenas de Jorge, como faz a novela, nenhuma pessoa que professe qualquer denominação cristã pode deixar de enxergar a mão de Deus agindo poderosamente através destes homens e mulheres que deram a sua vida para que a fé cristã chegasse até nós. Para o ecumenismo, fica o exemplo daquele que mais que se tornou mais que ecumênico, pois é um perfeito pregador do diálogo entre todas as religiões. Não é a toa que o nome desse cristão que depois de sido recalcado e sacudido por séculos de controvérsias e fundamentalismos, ainda é transbordante em nosso meio. Enfim, o juízo que fazemos sobre este autêntico santo cristão deve levar em conta apenas o que realmente ele foi, e não o que dizem que ele fez e muito menos o que se espera que ele ainda faça.

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A terra distante II

Filho pródigo, Andrei Rabodzeenko (1961-)
Uma pergunta paira no ar: Alguém ainda pensa que o pai amava mais o filho que foi para a terra distante do que o que ficou em casa? Se é assim, que se leve em conta que o filho mais velho não aceitava sequer ser amado na mesma intensidade que seu irmão perdido. Assim como nós que ficamos em casa, ele estava requerendo o amor do pai, como se o direito de primogenitura valesse também neste caso: sempre em porção dobrada. A nossa realidade não é nem essa, porque ficamos na igreja, requeremos Deus exclusivamente para nós?

Coitado. Se o filho mais velho soubesse era igualmente amado, não teria trabalhado tanto para ganhar a aprovação do pai, que ele já tinha gratuitamente sem saber. Ele, como nós, ele não viveria constrangido nem atribulado, sem imaginar que já estava gozando deste amor a sua vida toda. Meu filho, tu sempre estás comigo; tudo o que é meu é teu. Entretanto, era preciso que nos regozijássemos e nos alegrássemos, porque esse teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado. Aqui ele demonstra a plenitude do amor em que o filho mais velho não conseguiu acreditar. Tudo o que o pai tinha era dele, mas ele, exatamente como fazemos, preferiu acreditar antes na sua própria capacidade de realização, na sua integridade moral e na sua bondade. É nessa hora que, com profundo pesar, o pai descobre que aquele filho tão honesto, tão trabalhador e tão bom nunca tinha estado em casa por um instante sequer.

Contudo, antes que o amaldiçoemos, vamos admitir que a maioria de nós pensa da mesma forma. A maioria de nós trabalha pela recompensa. Mas será que nós não vamos receber nada por termos sido fiéis e constantes, por termos sido atuantes e presentes? Claro que sim. Sabem qual é a recompensa? Não é o amor exclusivo, mas aquela que o filho mais novo deixou de desfrutar quando foi para a terra distante: o gozo da comunhão plena com o amor do pai durante aqueles longos anos. Lá no seu exílio o pródigo reconhece, antes mesmo que o mais velho, que o amor do pai era tão grande que não deixava de fora nem os estranhos, quanto mais os filhos. Mas quando o nosso pietismo pessoal, o nosso moralismo rígido, quando a religião nos impede de reconhecer a graça de Deus dentro da nossa casa, melhor seria que tivéssemos dissipado tudo na terra distante, como fez o mais novo. Penso que foi isso que Lutero quis dizer naquele seu estranho ditado: Peque ousadamente, já que você será um pecador hoje. Pise firme no hoje, vivendo na certeza da graça de Deus.

Nós os irmãos mais velhos, nós as irmãs mais velhas temos deixado o pai sem sair de casa. Mas como podemos saber que isso acontece de fato? Existe uma prova para nos avaliar, alguém quer saber qual? Basta simplesmente que verifiquemos as nossas atitudes para com aqueles que tem falhado na vida. Vamos verificar as nossas atitudes para com aqueles que estão tão perdidos que pecam em tudo que fazem. Vamos verificar as nossas atitudes para com aqueles cuja conduta nós desaprovamos e até detestamos. Uma das maneiras mais contundentes de sentir o impacto total do que Jesus quis nos contar com essa parábola é imaginar o que teria acontecido se o filho perdido que estava na terra distante, que acordou no esterco, e que declarou sua confissão de pecados tão humildemente, tivesse encontrado o irmão mais velho, ainda no campo, antes que ele encontrasse o abraço acolhedor e amoroso do pai.

Vamos simplesmente tentar imaginar essa real possibilidade. Eu acredito firmemente que ele nunca teria chegado em casa, e viveria como um escravo faminto para sempre em uma terra distante. Mas acredito também que ainda assim seria melhor do que viver faminto de amor e de aceitação do seu próprio irmão dentro de casa. Quantas pessoas perdidas, quantas pessoas necessitadas nunca conseguiram voltar para receber o braço do pai, justamente por causa de nós, os irmãos mais velhos e as irmãs mais velhas da igreja, da família e da sociedade. A comunhão cristã pode tornar-se uma casa de julgamento ou um meio de graça. Alguém disse o seguinte: Eu tive que ir além dos fatores negativos da minha igreja para encontrar o sentido positivo da minha fé. Isto nos choca? Isso nos perturba? É duro de aceitar? Então, deixe-me terminar com mais uma pergunta: Existe alguém que voltou faminto e sozinho para a terra distante simplesmente porque teve a incrível má sorte de nos encontrou primeiro?

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A terra distante I

Diversões do filho pródigo, Palma il Giovane (1548-1628)
Leia Lucas 15. 25-32
O drama se intensifica. Os ouvintes de Jesus, assim como nós, não podiam se identificar com o filho perdido. Na segurança da sua lei eles nunca tinham se sentido perdidos, então não havia como. Porém, a história do filho mais velho não deixa brecha para fuga, ela os pega de jeito. Ele é a responsabilidade personificada, e a vida é séria assim, há muito trabalho a ser feito. Enquanto o mais novo estava lá naquela terra distante esbanjando tudo que tinha tirado do pai, o mais velho estava tomando conta da fazenda. Na divisão, ele como primogênito, recebera dois terços de tudo. Então estava cuidando do que era seu, antes de ser um exemplo vivo de fidelidade. Tudo era dele, talvez fosse por isso que trabalhasse tanto.


Mas assim como seu irmão, ele se esqueceu de tudo tinha sido dado por seu pai para ser usado com gratidão. Por isso é que ele é parecido conosco, parecido até demais. Nele nós somos forçados a ver mais de nós mesmos do que estamos preparados para ver.

Vejam o rosto dele. As linhas de orgulho, as linhas de julgamento e as de autossuficiência tem sido marcadas em nossos rostos, como no dele. O nosso semblante é sério porque a vida não é brincadeira. Nos assustamos quando olhamos no espelho e não vemos a alegria, porque se somos como ele, não há graça alguma em nossas vidas. Então vamos ver de perto a vida desse filho. Quem não se identifica com aquele rapaz? Ele foi tão correto e tão cuidadoso exatamente como nós somos, por isso gastamos tempo refletindo sobre a vida. Quem não ficaria indignado com aquela festa? Gastar mais dinheiro com quem já gastou tanto? Por que só ele estava trabalhando enquanto todo mundo dançava? Só porque o vagabundo voltou? É aí que o pai corre de novo, agora corre atrás do filho mais velho. O amor que antes correra para abraçar, agora corre para suplicar. Ele tinha que contagiar também o coração desse filho.

Ele tinha todas as razões para não ir àquela festa. Ele justificou tudo que fez e porque fez, mostrando o seu desejo íntimo e recolhido pela terra distante. Ele citou de cor delitos do seu irmão que não se encontram no texto. Como ele sabia que o irmão gastara o dinheiro com mulheres perdidas? De onde veio essa ideia, se ele nunca tinha ido lá? Não seria a fantasia do seu próprio pecado? Sua recusa brusca nos fala muito sobre ele. Ele gostaria de fazer o que o irmão fez, mas tinha que manter a sua aparência insuspeita, por isso vamos investigar essa tal aparência.

Primeiramente ele possuía uma retidão própria. Ele imaginou que o pai iria amá-lo na medida do seu serviço a ele. Por causa disso ele não tinha arriscado absolutamente nada. Ele estava determinado a ser sem pecado, a ser irrepreensível, ele queria ser amado por ser perfeito. Eu não me lembro de ter sido diferente. Assim como ele, eu sempre quis fazer o que era certo para Deus me amar. Como eu tenho desperdiçado tanto assim o amor gratuito de Deus?

Em segundo lugar, esta sua retidão própria o fez ser orgulhoso. Se a nossa bondade determina o nosso status com Deus, se as nossas boas obras determinam o quanto Deus vai nos amar, então não podemos fazer outra coisa senão exaltar e louvar as nossas próprias realizações. Por que não posso ter orgulho do que eu faço? Como eu não vou ter a honestidade de admitir, se a minha relação com Deus depende disso? É quando vamos descobrir que temos construído a nossa vida toda ao redor de nosso orgulho, autossuficiência e arrogância. Não somos nada diferentes daquele filho que nunca deixou o lar. Nós cremos que todo produto do que fazemos é nosso, o que é meu é meu, por isso a nossa rebelião é tão parecida com a dele. Eu ganhei, multipliquei, aperfeiçoei, mereci: é meu.

Em terceiro lugar. Os não afortunados desse mundo são assim porque não merecem o que eu mereço. Aquele meu irmão está faminto e sujo porque não trabalhou como eu. O irmão mais velho, que nos parece tão correto, estava sendo oprimido pela sua carência de aprovação do pai, este foi o nervo exposto dele. Mas como pode acontecer em um mundo racional como o nosso uma celebração tão grande por um filho tão devasso, tão vagabundo e tão perdido como o que voltou da terra distante? O pai ficou louco? O bom e o certo não valem nada? Não há razão alguma nesse mundo que justifique aquela festa.

Com a sua indignação ele estava dizendo: E eu hein? Eu fiz tudo isso por nada? Aquele filho herdara tudo que era do seu pai, e agora estava pronto para encarar um mundo de competição de capacidades, herdara tudo, menos o seu coração de amor e de aceitação. (continua)

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Jesus e a Mulher II

Jesus chorou, James Tissot em 1886
Leiam João 4:5-27 e Isaías 61:1-3, 8-11
Sermão de Elisa Gusmão pelo Dia Internacional da Mulher de 2013.
Muitos cristãos extraíram suas ideias patriarcais dos ensinamentos religiosos do Antigo Testamento ou das epístolas paulinas, sem perceber que o que eles estão tomando como ensinamentos eternos não são mais do que elementos passageiros de contexto, época e cultura. Apesar dos esforços de alguns pregadores em dizer que este ensinamento era positivo - que as mulheres eram assim segregadas porque estavam trazendo algo que havia estado em contato com o sagrado de volta à vida diária - a verdade é que durante séculos a sexualidade feminina foi usada pela igreja como argumento contra a ordenação de mulheres, e agora contra as mulheres no bispado.


Ao longo da minha vida cristã ouvi comentários de pessoas que acreditavam que maternidade e Ministério são incompatíveis, ao ponto de dizer que a figura de uma mulher grávida no púlpito era imprópria, inaceitável. Mas nós temos mulheres grávidas em praticamente todas as profissões, inclusive locutoras de TV; por que então não no púlpito? A prova de que esses ensinamentos são transitórios é que um a um, eles caducaram. Estas instruções foram dadas para orientar as jovens Igrejas, e para proteger as mulheres das consequências e críticas a modos de comportamento que, naquela época, eram inaceitáveis.
A tentativa de justificar a exclusão de mulheres do clero, desta vez com o argumento de que os discípulos de Jesus eram todos homens. Pode-se dizer que nós não sabemos as identidades dos 72 apóstolos enviados dois a dois, à frente de Jesus (Lucas: 10, 1-24), ou, ainda, do grupo grande de seguidores que o acompanhavam por toda parte: E todos os seus conhecidos, e as mulheres que juntamente o haviam seguido desde a Galileia, estavam de longe vendo estas coisas.

As palavras que eu repeti não se referem simplesmente ao acompanhamento geográfico de Jesus à medida que ele se deslocava, mas a segui-lo como discípulas: E algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual saíram sete demônios; e Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes, e Suzana, e muitas outras que o serviam com seus bens.

Foi o que elas ouviram de Jesus na Galileia que ajudou as mulheres a compreenderem os eventos da manhã de Páscoa. Parece mesmo que mulheres que estiveram presentes em muitos eventos foram subsequentemente excluídas, quer seja quando tais eventos foram escritos, ou copiados. E podemos facilmente adivinhar que isso aconteceu devido ao contexto cultural na época em que foi feita tal redação ou cópia.

Voltando ao que estávamos dizendo sobre elementos transitórios; são, no entanto, os princípios eternos que devem nos guiar, e estes são muito claros nas ações e ministério de Jesus. É preciso ser cego para não percebê-los e ver que, como parte de sua missão, Jesus estava quebrando todas as barreiras entre os seres humanos - inclusive aquelas entre os sexos. Mesmo se buscarmos nos escritos de Paulo princípios sobre o lugar da mulher na igreja, vamos descobrir que ele não via diferenças espirituais entre os sexos: "Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus."(Gal. 3:28)

Em um século no qual uma senhora chamada Angela Merkell praticamente governa a Europa, quando mulheres soldados são destacadas para o Afeganistão, e quando muitas mulheres executivas seguem carreiras como “high flyers", enquanto seus cônjuges desempenham tranquilos as funções caseiras - essa discussão pode parecer um desperdício de tempo. Será? As mulheres parecem mais envolvidas em todas as áreas da sociedade; são muitas vezes até mais agressivas do que no passado. Talvez essa agressão seja sua forma desesperada de competir – quando o sucesso ainda é reservado para os homens.
A imagem de Deus: Pai ou Mãe?

E, finalmente, as nossas ideias sobre as mulheres, afetam nossa imagem de Deus: enquanto o Feminismo Socialista preocupava-se com direitos econômicos, o Feminismo Liberal com direitos políticos e o Feminismo Radical com direitos sexuais (queima de sutiãs), às vezes parece que as pessoas religiosas envolvidas no Feminismo estão basicamente preocupadas em definir sexo de Deus. Desta forma, pensam elas, será simples reescrever nossos hinos, recriar nossa liturgia, ou decidir quem pode ser ordenado...
Sermão de Elisa Gusmão pelo Dia Internacional da Mulher de 2013.
Leiam João 4:5-27 e Isaías 61:1-3, 8-11

Na Bíblia, podemos facilmente encontrar imagens de Deus como ambos os progenitores, pai e mãe. Entre os textos mais conhecidos estão estes, de infinita ternura: "Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha os seus pintos debaixo das asas, e não quiseste?"

Obviamente a imagem de um progenitor é a melhor que existe em nossa experiência humana para descrever Deus. Não é de admirar que Jesus tenha escolhido dirigir-se a Deus como Abba. É preciso estarmos conscientes, entretanto, de ambas as imagens - pai ou mãe – são imagens humanas. Deus é espírito, além da compreensão humana, e qualquer imagem que usarmos para descrevê-lo deixará sempre a desejar.

Para satisfazermos a sede que temos de Deus, nós o vemos com os olhos da mente e o sentimos com o coração. Os índios americanos já se dirigiam a Ele como o Grande Espírito, A teóloga Mary Daly criou a palavra Be-ing – que lembra o Yahweh hebraico.  Feministas estão aparecendo com novos nomes a cada dia. Contanto que esses nomes reflitam nossa ideia da grandeza de Deus, por que não usá-los?

Quando falamos de "feminista" pensamos em mulheres agressivas, como a americana Betty Friedam, ou irônicas, como a francesa Simone de Beauvoir, ou as feministas dos nossos dias. Às vezes é difícil para nós, como cristãos, adotarmos qualquer tendência de pensamento secular. Mas temos que ter conhecimento sobre as ideias e dar apoio aos movimentos que ecoam os ensinamentos de Jesus. Com respeito ao lugar das mulheres, ainda há muito por fazer.  Porque ele realmente deu início a uma revolução para libertar os oprimidos - e as mulheres estavam entre eles. Sob muitas formas, eles ainda estão.

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Jesus e a Mulher I

Filhas de Jerusalém, Chris Gollon (1953-)
Leiam João 4:5-27 e Isaías 61:1-3, 8-11
Sermão de Elisa Gusmão pelo Dia Internacional da Mulher de 2013.
Às vezes, ao lermos textos do VT, e até mesmo do NT, não podemos negar que a nossa religião foi marcadamente patriarcal em sua fundação. Por esta razão, desde sua chegada, o feminismo tem desafiado nossa religião e levantado muita controvérsia entre os cristãos. Vamos examinar o que Jesus Cristo fez e disse, em relação às mulheres. Espero que isso nos leve, quem sabe, a reexaminar algumas de nossas próprias ideias sobre o sexo feminino, ou o chamado "sexo frágil".

No final de 2012, fomos inundados nos noticiários britânicos por comentários sobre um tal Jimmy Saville e seu comportamento abominável em relação a meninas adolescentes. Não importa  quantas vezes elas tentaram fazer queixas sobre ele, parece que ninguém jamais lhes deu ouvidos. Tratava-se simplesmente de mulheres muito jovens – que, por sua juventude e fragilidade, não eram levadas a sério. Hoje a justiça inglesa se depara com cerca de 400 processos movidos contra Saville – depois de sua morte.

Adolescentes também não eram importantes no tempo de Jesus. E Jesus começou a mudar isso, mesmo antes de nascer: porque sua mãe engravidou ainda solteira, num tempo e num país onde as mães solteiras não eram apenas insignificantes, mas também corriam o risco de, como castigo, serem apedrejadas até a morte. Ainda antes de nascer, Jesus já estava mudando um costume judaico de raízes profundas; e José recebeu de Deus a ordem de aceitar sua noiva, e tornar-se o pai adotivo de Jesus.

Mas será que ainda há vestígios de patriarcado à nossa volta nos dias de hoje? Será qua ainda temos vestígios de sociedade patriarcal hoje em dia?. Eu sei que hoje na Grã-Bretanha, em lares não muito longe do meu, há mulheres que são considerados como cidadãs menos importantes, incapazes de contribuir de qualquer forma relevante para a vida social, cívica, intelectual ou religiosa - mulheres que vivem dentro dos limites de suas casas, e que não têm outro propósito na vida que não seja servir aos seus maridos e filhos. O que me dizem das mulheres brasileiras?

Esta era, caracteristicamente, a realidade da vida das mulheres antes de Cristo. Citando a autora Elaine Storkey em What’s Right with Feminism: A sociedade judaica da época de Jesus "ainda subestimava as mulheres de forma muito acentuada. Uma mulher era considerada menor de idade a vida toda; só poderia divorciar-se se o pedido partisse do marido. Não recebia os ensinamentos do Torá como seus irmãos (Marta e Maria). Uma mulher não poderia passar pelo pórtico dos gentios no templo de Herodes. E, para lembrar a tentação de Adão por Eva, qualquer homem estava proibido de ficar a sós com uma mulher, exceto se fossem casados. Um homem não deveria olhar para uma mulher casada, e os líderes judeus eram considerados profanados se olhassem diretamente para uma mulher."

Jesus e sua ‘praxis’ com relação às mulheres
Nós, cristãos, muitas vezes falamos do lugar especial que Jesus deu as mulheres durante seu ministério na terra. Mas eu ainda acho que não estamos plenamente conscientes de como ele foi revolucionário a este respeito. Talvez a misoginia de grandes nomes cristãos (até muito queridos), como Tertuliano, Crisóstomo, Agostinho, Tomás de Aquino, Lutero e Calvino, e até Carl Barth e Dietrich Bonhoeffer, roubaram a Igreja daquilo que poderia ter sido um passo de gigante rumo à justiça e igualdade. Se Cristo é a pedra fundamental da nossa fé, é apenas por um engano enorme que se pode tratar homens e mulheres de forma diferente. Aliás parece - pela frequência com que são citados e à importância que lhes é dada nos Evangelhos – que os samaritanos, cobradores de impostos e as mulheres – eram o tipo de pessoas com quem Cristo andava sempre, e aqueles que o aceitaram de imediato.

Seu reconhecimento das mulheres lhe é devolvido na cruz:(Mt 27:55-56): “E o centurião e os que com ele guardavam a Jesus, vendo o terremoto, e as coisas que haviam sucedido, tiveram grande temor, e disseram: Verdadeiramente este era Filho de Deus. E estavam ali, olhando de longe, muitas mulheres que tinham seguido Jesus desde a Galileia, para o servir;”. É muito significativo que elas não tiveram medo de estar ali; e que foram elas que visitaram seu túmulo no início no 3º dia. Sim, elas o tinham aceitado como Mestre e em breve se tornariam as primeiras testemunhas de sua ressurreição; mas, ao não abandoná-lo naqueles momentos terríveis, eles estavam sendo gratas a alguém que mudou radicalmente a forma pela qual eram tratadas.(continua)

Elisa Gusmão é brasileira, residente em Watford,  na Inglaterra onde é presbítera da igreja local. Fez cursos de Teologia na FaTeo, em São Paulo, Seminário Teológico Unido, em New York e na London School  de Northwood. É coautora da  Soweit die Wolken Gehen, publicada pela Burckhardthaus, Berlin e  da Light for Our Path, da IBRA. 

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Gritei e agradeci

Todos vós que a Deus temeis, vinde escutar: vou contar-vos todo bem que ele me fez! Quando a ele o meu grito se elevou, já havia gratidão em minha boca! Sl 66.16s
O poder da oração, Alex Levin (1975-)
Embora hoje em dia se tente de todas as formas, as possíveis e as inimagináveis, provar o contrário, toda a história do Cristianismo nos conta que ele nunca privilegiou uma fé que se baseia única e tão somente em resultados. Confesso a vocês que passo por certas situações em que fico tentado a pensar dessa forma, mas logo me vem à mente inúmeras razões para não fazê-lo. A principal delas é não conseguir imaginar que tipo de desculpa Deus teria que dar aos heróis da fé citados na Carta aos Hebreus, como também para todos aqueles que sofreram e até morreram por acreditarem em simples promessas, sem nunca terem vislumbrado o menor sinal da realidade que lhes foi prometida, assegurando assim, que os seus descendentes pudessem, no futuro, ter a oportunidade concreta de experimentá-la.

No seu sermão A Salvação pela Fé, John Wesley diz que a fé de resultados é a fé circunstancial, a fé que dura mais do que uns breves momentos. Com a visão de um homem do século XVII, ele dizia também ser esta fé a fé dos pagãos, pois assim considerava aqueles que acreditam na lógica da retribuição, pois criam que Deus apenas abençoa aqueles que o buscam. Um tipo de fé que está longe do ideal cristão, pois ainda consegue ser menor do que a fé dos demônios: que creem firmemente que Deus existe, que sabem do que Deus é capaz, tremem diante desta realidade e mesmo assim não se convertem.

No entanto, o salmo citado faz alusão a uma fé de resultados mais que imediatos, pois é assegurado que a resposta do salmista veio ainda antes que acabasse de fazer o seu pedido. Mais autoridade e peso adquirem as suas palavras, quando ele convoca Deus por testemunha, pois o seu salmo se fundamenta em fatos, e não somente em expectativas ou promessas: vou contar-vos todo bem que ele me fez!

Seria o salmo 66 o preferido de todos os que confessam a fé de resultados. Ele contempla não somente a eficácia como também a prontidão da resposta de Deus. Seria, caso as entrelinhas não nos levassem a concluir que a única coisa que realmente aconteceu de imediato foi a gratidão do salmista pela sua confiança em Deus, e não pela resposta ao seu grito de socorro. À medida que analisamos o conteúdo do salmo vamos descobrindo que a situação era de provação extrema, e que o ímpeto imediato do salmista mandava que ele desistisse e se entregasse às evidências: Ó Deus, tu nos puseste à prova. Como a prata é provada pelo fogo, assim nos provaste. Tu nos deixaste cair numa armadilha e colocaste cargas pesadas nas nossas costas. Deixaste que os nossos inimigos nos pisassem. Passamos pelo fogo e pela água,...

É justamente aqui que a fé em Deus tem que fazer toda a diferença. É principalmente na hora do sufoco que ela precisa se revelar ao mundo. É nessa hora que vamos ter que cantar com fé “as tuas mãos dirigem o meu destino e o acaso para mim não haverá”. Porque não é por mero acaso que caímos em armadilhas, que cargas pesadas são colocadas nas nossas costas, que os nossos inimigos tripudiam sobre as nossas fraquezas.

Muitas vezes não entendemos isso. Na grande maioria das vezes ficamos sem saber o por quê disso. Ainda bem que nossa fé não se baseia em resultados, se assim fosse nós já teríamos deixado de ser igreja há muito tempo, porque motivos não nos faltaram para isso. A única certeza que poderemos ter nesta hora não será a certeza da resposta positiva e imediata, mas a certeza com que o salmista encerra o seu salmo: ...ele não deixou de ouvir a minha oração e nunca me negou o seu amor.

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Lázaro vivo ou morto?

Ressurreição de Lázaro, Vincent Van Gogh em 1890
Leiam João 11
Muito ainda se especula sobre a ressurreição de Lázaro alegando-se ter sido uma cena armada para que Jesus fizesse a sua entrada em Jerusalém ainda mais triunfal.
Isso quando não afirmam que Lázaro foi acometido por um ataque cataléptico e tudo não passou de um engano. Nunca foi meu propósito ou pretensão defender a Bíblia e as suas verdades, simplesmente pelo fato de que muito cedo pude perceber que não fui nomeado para ser seu guardião, por outro lado, não vejo nela qualquer fragilidade que necessite da minha interferência para sustentá-la. Para mim as verdades bíblicas se sustentam por si. Penso que interferência humana deve se limitar ao preceito lançado por João do Apocalipse: a ela não se deve acrescentar nada, e dela não suprimir coisa alguma. Contudo, algumas ordens dadas por Jesus nesse episódio, transcendem a barreira da suspeita que pode ser lançada sobre a ressurreição de Lázaro porque elas falam diretamente a qualquer um de nós hoje, inclusive aos mais céticos.

Retirem a pedra
Fosse qual fosse o buraco que Lázaro estivesse metido, morto ou não, as circunstâncias do lado de fora não iriam mudar em virtude desse fato. Por mais que alguém tente fugir dos problemas, ocultando-se, inclusive na morte, as vicissitudes a vida, de uma forma ou de outra, irão alcançá-lo. Está passando nos cinemas um desenho animado cujo título é Pequena Loja de Suicídios. Conta a história de um país onde o suicídio em local público é crime passível de multa, e essa loja oferece alternativas para os interessados em morrer sem este prejuízo. A despeito do filme, ocultar-se na morte nunca é solução, e é por esse motivo que Jesus ordena que a pedra seja removida e que o esconderijo de Lázaro seja revelado, mesmo que isso não cheirasse muito bem. Dentre as muitas contradições que Jesus anunciou o que seu ministério o levaria, uma delas é justamente essa: na fé cristã não há nada oculto que não venha a ser revelado, como ela também não se presta para ocultar alguém ou qualquer coisa, porque todas as pedras que serviam a este fim foram retiradas no mesmo instante que o véu escondia o sagrado dos sagrados se rompeu.

Venha para fora
Essa é ordem mais difícil de ser cumprida, porque quando Jesus chama Lázaro para fora, mas não o chama imediatamente para o esplendor do Reino que veio anunciar, mas o chama para o mesmo velho e perigoso mundo que ele havia deixado para trás. Lázaro venha para a vida, para os problemas, para as doenças, para as injustiças e até para uma segunda morte. Venha para um mundo que não está nem aí se você está vivo ou morto, que não vai lamentar a sua partida e nem festejar a sua volta.

Voltando ao desenho animado, os problemas dos proprietários da loja começam justamente quando lhes nasce um filho que só consegue enxergar a vida, seja qual for a circunstância, mesmo nas mais trágicas. Fico tentando imaginar o quanto não aumentaram os problemas de Lázaro com a sua ressurreição precoce. A partir então passaria a ser visto como um zumbi ou como alguém que já não deveria estar entre os vivos. O venha para fora de Jesus acarreta em implicações ainda maiores do que as que nos fazem fugir e nos ocultar. Por esta razão, vir para fora, não é um ato de coragem para os fortes e nem para os que correm melhor, como diz o hino, mas para os fiéis e sinceros que se propõem a seguir o caminho inconsequente da autodoação voluntária, assim como fez Jesus.

Desatai-o e deixai-o ir.
Desatai-o das amarras do medo e dos grilhões da escravidão do preconceito. Deixai-o ir como um homem livre que já passou pelo pior pesadelo, pelo inimaginável, que foi além do limiar crítico. Desatai-o do fundamentalismo, da ideia preconcebida e das tradições que se sustentam pelo orgulho e não pela necessidade. Deixai-o ir de encontro àqueles que não acreditam ser possível alguém sobreviver nessas condições. Desatai-o dos dogmas seculares que creditam à morte um propósito em si mesmo, e que não a veem como a possibilidade de um novo recomeço. Deixai-o ir para novas experiências que o farão antecipar as maravilhas que o esperam no Reino dos Céus.

Seja qual for o tipo de crença, ela sempre encontra lugar nesse nosso mundo. Acreditar ou não na ressurreição de Lázaro não trará tantas implicações para a nossa vida. Complicado é não entender que o propósito da sua narrativa não foi o de contar mais um milagre de Jesus no passado, e sim para que enxergássemos que nos efeitos mais trágicos da morte, estão os sinais evidentes que podemos estar vivendo em sepulcros, escondidos atrás das pedras e privados de viver uma vida de expectativas e esperanças, ainda que sob o risco da morte. Bem entendeu isso o poeta quando disse:
Aprendam caros senhores
Eterna é esta lição.
Existe vida na morte
E apenas na morte
Existe ressurreição


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