O que é SABEDORIA?

Judith e Holofernes, Viktor Vasnetsov (1848-1926)
No Oriente Antigo a sabedoria tem características contraditórias: ela é uma qualidade natural que se desenvolve por educação e experiência, mas também é um atributo próprio da divindade, a qual reserva para si o direito de gratuitamente dá-la a quem desejar. Estas concepções nasceram em ambientes diferentes. A primeira nos palácios e nas escolas dos escribas, a segunda, da fé em um ou mais deuses que tem a sabedoria como característica típica. É uma força misteriosa que provém de um Deus, como se fosse o seu espírito.

Em Israel a sabedoria tinha um sentido prático que nem sempre tinha conteúdo moral, pois sábios eram o perito, o conselheiro, o artífice, o esperto o ancião e o rico. A partir do século VIII a.C. os sábios passaram a ser contados entre as classes dirigentes, junto aos sacerdotes, profetas e militares, não tanto quanto estes pela sabedoria, mas pelas riquezas que acumularam. Era este o principal tipo de sabedoria que eles queriam transmitir aos seus filhos, eternizando assim a sabedoria no seio da família. Mesmo depois da queda da monarquia, esses sábios não desapareceram, mas passaram a negociar a sua sabedoria e a ocupar cargos de poder religioso e político. A literatura sapiencial condenava esta prática com veemência, atestando que a sabedoria tinha por finalidade ensinar a arte de viver e de ser feliz, por isso a chamava com frequência de fonte, árvore ou caminho da vida. Tinha também a sabedoria como uma ética, que visando interesse próprio proclamava o temor a Deus como o princípio de toda a sabedoria. Este caráter moral e religioso teve a sua origem fora do ambiente profético. Vem daí a falta de senso coletivo no uso da sabedoria.

Na literatura mais recente ela continua a ser uma qualidade natural do ser humano desenvolvida sob orientação do Espírito de Deus. Deste modo, os sábios vão ocupar o lugar deixado pelos profetas, fazendo com que sabedoria e ação do Espírito se tornem sinônimos. Neste sentido, a sabedoria vai atingir o grau de independência que os gregos chamavam de hipóstase, ou existência individual. Vai, por assim dizer, ser quase tão autônoma quanto o Espírito de Deus: A Sabedoria edificou a sua casa, lavrou as suas sete colunas. Já deu ordens às suas criadas e, assim, convida desde as alturas da cidade: Vinde, comei do meu pão e bebei do vinho que misturei. O temor do SENHOR é o princípio da sabedoria, e o conhecimento do Santo é prudência. (Pv 9.1,3,5 e 10) Notem que a sabedoria, que foi escrita com letra maiúscula, se difere do seu uso, que foi escrita com letra minúscula, denotando assim a sua auto suficiência.

A sabedoria humana, tão exaltada no Primeiro Testamento, é raramente estimada no Segundo. Seu valor é reconhecido unicamente quando esta é orientada para um ideal moral e religioso. O conhecimento ou a ciência puramente humanos são desaprovados tanto por Paulo quanto por Tiago, pois são fruto da carne, do mundo e do demônio. A verdadeira sabedoria, para eles, é um dom de Deus, que faz o homem ser suscetível à revelação dos planos de salvação de Deus e agir segundo a vontade dele. Para os que creem, Cristo crucificado é a sabedoria de Deus, para os que não creem, é loucura. Cristo é a perfeita revelação de Deus, a fonte da mais pura e verdadeira sabedoria. Uma sabedoria que foi manifestada desde a criação e se conserva permanentemente no governo do mundo. Uma verdadeira lástima para os pregadores do caos, para aqueles que anunciam que o mundo jaz no maligno e para quem aposta no fim trágico da humanidade. 

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Não sem sangue

Onde há um testamento, é necessário provar que a pessoa que o fez já morreu. Pois o testamento não vale nada enquanto estiver vivo quem o fez; só depois da morte dessa pessoa é que o testamento tem valor. Então Moisés disse: “Este é o sangue que sela a aliança, que Deus mandou vocês obedecerem. De fato, de acordo com a lei, quase tudo é purificado com sangue. E, não havendo derramamento de sangue, não há perdão de pecados. Hb 9.16,17,20 e 22
Sacrifício de Isaque, Caravaggio em 1603
Não fosse o escritor da Carta aos Hebreus, pelo menos eu não teria atentado para o real sentido da palavra testamento no contexto cristão. Sempre que se fala em testamento, simplesmente, imediatamente associa-se à ideia de uma partilha de bens deixada por escrito por alguém que morreu recentemente. Mas dificilmente alguém se lembra das consequências da morte quando falamos em Antigo ou Novo Testamento, ou, como prefiro chamar, Primeiro ou Segundo Testamento. Esta associação, que deveria ser imediata, é mais clara na mente de uma pessoa não ligada à igreja do que no pensamento de iniciado no Cristianismo, mesmo que ela seja imprescindível.


Se formos definir o que é testamento, seja ele novo ou antigo, primeiro ou segundo, teríamos que fazê-lo a partir de duas premissas: Primeiramente, não há testamento sem sangue (mais exatamente, sem sacrifício). Em segundo lugar, um dos testamentos veio para substituir, complementar e aperfeiçoar o outro. Poderíamos dizer que no aspecto jurídico, o segundo veio para levar à perfeição a justiça que o primeiro se propôs fazer. Para efeitos legais, onde há divergência entre eles, prevalece o texto que do segundo e mais novo testamento.

Falando agora especificamente do contexto cristão, não podemos refutar a ideia de que a morte de Cristo é o que nos dá a certeza de que o texto do Segundo Testamento prevalece sobre o Primeiro. Mesmo aqueles que não querem aceitar esta lógica, não podem omitir o fato de que o próprio Jesus já havia se pronunciado neste sentido, quando por várias vezes disse: Ouviste o que foi dito aos antigos? Eu, porém, vos digo. O escritor desta carta faz uma afirmação, embora traduzida em linguagem pouco usual, que confirma a legalidade do processo de sucessão. Se o Primeiro Testamento foi ratificado a partir do sacrifício de animais, Jesus ratificou o segundo com o seu próprio sacrifício. No versículo 7 deste capítulo 9 ele escreveu: Mas não se sangue.

Não se pode comparar a diferença dos preços que foram pagos por estes Testamentos. Aqui, mais uma vez eu me lembro da história que contava o meu falecido amigo João Wesley Dornellas sobre o sanduiche de bacon com ovos. No caso do ovo, a galinha apenas participa, contribuindo com o fruto do seu trabalho. Mas no caso do bacon, o porco se engaja e se compromete dando o seu sangue. É preciso que ele morra para que o processo se confirme. Do primeiro Testamento, Moisés é um mero participante. Faz a sua contribuição e volta para sua casa com saúde e integridade física. Poderíamos até dizer que voltou melhor do que antes. Mas na confirmação do Segundo Testamento Jesus não voltou para casa, não teve o seu rosto resplandecido, não foi admirado pelos que o viram e nem causou medo ou espanto. Jesus padeceu ali mesmo. Foi abusado, humilhado, torturado, exposto à degradante cruz e morto sem uma justificativa válida.

Este é o preço que foi pago para nos livrar das leis impiedosas e das dietas rigorosas. Nos fez dispensar artefatos sagrados, com a Arca da Aliança, shofar, mezuzáhs e menorás. Este foi o preço que Jesus pagou para que não mais confundíssemos o seu Pai com um dos antigos deuses da guerra; não mais Senhor dos Exércitos, mas agora Deus e Pai de todos nós. Este é o preço que nos permitiu conhecer a perfeição da lei: o amor a Deus intimamente ligado com o amor ao próximo. Que ao abrimos estes Testamentos possamos ver mais do que heranças e promessas. Que vejamos nele o preço da sua autenticação, pago por Jesus, e o preço da sua conservação íntegra, pago pelos nossos heróis da fé. Numa coisa, porém, os dois Testamentos concordam: Onde não há derramamento de sangue, não há perdão de pecados. 

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Quanto tempo esperaremos ainda? III

Pentecostes, Antoon van Dyck (1599-1641)
Eles precisavam tempo para confiar em suas próprias experiências com Deus. Jesus sempre foi um mestre criterioso. Ele nunca tentou fazer lavagem cerebral em qualquer dos seus discípulos. Também nunca fez com que os seus seguidores fossem dependentes demais da sua presença. Deu a eles tarefas importantes e as fez cumprir sozinhos, chamou-os de amigos e por várias vezes os fez saber que a sua confiança neles era grande. Mas a partir dali eles precisavam estabelecer outro tipo de relacionamento com o seu mestre.

Na população judaica da época de Jesus havia dois grupos: os não familiares com Deus e os familiares demais. As crianças, as mulheres, os necessitados e os doentes faziam parte do primeiro grupo. Já os anciãos, escribas, sacerdotes e fariseus faziam parte do segundo. Eu acredito que a maioria dos cristãos de hoje faça parte deste último grupo. Assim como os escribas e fariseus da época de Jesus, nós também sabemos tudo que precisamos saber sobre a nossa fé. Isso nos faz familiares demais com as coisas de Deus, e aí está o nosso problema. Assim como Jó no seu primeiro estágio, conhecemos Deus apenas de ouvir falar. Mas não foi assim com os primeiros cristãos. Eles não tinham ninguém mais experiente naquele grupo. Eles não tinham ainda um apóstolo como Paulo. Eles não tinham nem o Segundo Testamento para ler e meditar. Não tinham um livro sequer sobre a história da igreja, porque, de fato, a igreja ainda nem tinha história. A alternativa era confiar nas suas próprias experiências com Deus. Eles tinham que confiar plenamente no seu próprio discernimento de Deus. Eles tinham que firmar a sua fé em cima as respostas que receberam de Jesus sobre seus questionamentos.

Uma das causas, senão a maior, do marasmo em que vive a igreja hoje é a nossa tendência em começar com as respostas que os cristãos do passado nos deram. Ninguém mais quer experimentar, ninguém quer mais se lançar no inusitado. Nós já sabemos como são e como devem ser as coisas de Deus. Nós sabemos tudo sobre a vida cristã porque os mais experientes nas coisas de Deus já nos disseram como ela deveria ser.

Damos sempre graças a Deus pelos nossos heróis e heroínas na fé. Damos graças a Deus pela história da nossa igreja e pela história da Igreja Cristã. Damos graças a Deus pela sua tradição, pela sua participação. Damos mais graças a Deus pelos homens e mulheres que se dispõem a largar tudo e mergulhar numa nova experiência no ministério cristão, indo onde Deus os enviar. Tudo isso é muito válido. Mas deixa no ar uma pergunta: Onde estamos nós neste exato momento? Estamos aguardando na sala de espera? Estamos numa fila? Estamos irritados com Deus por causa disso? Estamos desesperados para começar a trabalhar, para dar início ao nosso ministério? Estamos aflitos para fazer qualquer coisa pelo evangelho? Wesley disse aquela frase quando foi proibido de pregar nas igrejas tradicionais. Subiu no túmulo do seu pai, naquela que era talvez a única propriedade da sua família para falar da universalidade do ministério cristão.

Para aqueles que esperavam que o final desta meditação lhes trouxesse uma resposta sobre o tempo que ainda temos que esperar pela plenitude do Reino Deus, peço meu perdão pelo desapontamento. A minha questão atual é saber quanto tempo ainda vou esperar para fazer o que Deus quer que eu faça.

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Quanto tempo esperaremos ainda? II

Espírito Santo,Conrado Guiaquinto(1703-1765)
Eles precisavam de tempo também para deixar que a fraternidade se consolidasse entre eles. Embora este termo esteja enfraquecido pelo mau uso em várias situações, ainda é o que pode expressar melhor o sentimento de união que deveria haver entre os discípulos. Aqueles judeus, que deram início à obra que hoje chamamos de igreja, precisavam de tempo para firmar a comunhão. Eles já eram conscientes da união que deveria existir entre o povo de Deus, não precisavam desenvolver este aspecto. Nesta nova experiência, eles tinham que viver como Cristo viveu entre eles, acolhendo a fraqueza do fraco, perdoando setenta vezes sete vezes, amando o inimigo e se colocando ao lado do pobre e do perseguido. Precisavam desenvolver laços de confiança irrestrita e de atenção, que seriam a base de todo relacionamento entre eles.

Quase toda religião é marcada por três elementos: o culto, o ensino e o estilo de vida. Isto é o que todo seguidor de um credo deve mostrar aos que não creem do seu modo. A fraternidade está relacionada ao terceiro elemento, o estilo de vida. Sempre existiram e existirão aqueles que vão atrás de qualquer novidade que aparece travestida de evangelho. Quando se fala em novidade religiosa parece que o Brasil se destaca como o maior dentre todos os países. Para um examinador criterioso parece que temos mais variedade de religiões que e Índia e a China juntas. A maioria dos cristãos faz isso porque é incapaz de discernir o ensino teológico e o culto cristãos. Cada um se acha no direito de fazer a seu modo. Por que, então, vamos atrás daquilo que nem entendemos? Por causa o estilo de vida, é claro. A maioria vai atraída pela fraternidade oferecida pelo grupo.

Outra coisa que detesto tanto quanto esperar é quando alguém tenta me convencer que o seu evangelho é o correto. Detesto também o ensino dos colecionadores de curiosidades bíblicas, principalmente quando se aclamam profundos conhecedores dela. Até hoje não consegui decorar a ordem dos livros da Bíblia, nem do Segundo Testamento, que é menor. Durante muito tempo eu me senti diminuído, porque todo mundo sabia esta ordem até de trás pra frente. Para orar, então, eu era um desastre. Diante tudo isso, nada me restava, senão me sentir fora, descrente e não cristão. Mas eu comecei a entender um pouco do que era evangelho a partir desta frase de John Wesley: O mundo é a minha paróquia. Ou seja, absolutamente ninguém está fora, nem que queira. Basta apenas estar no mundo para fazer parte dela. Pelo menos uma coisa eu aprecio neste pessoal que tenta converter os outros na marra, eles realmente incomodam quando tentam nos apresentar as suas convicções.

A fraternidade não é resultado de almoços e festas na igreja. Não é resultado de cafezinho após o culto. Não é resultado do futebol ou de fazer parte do grupo de louvor. Ela é resultado do amor que é cultivado entre os membros. E foi para aprofundar esta união entre os discípulos, as mulheres que acompanhavam Jesus, e até mesmo sua mãe, Maria, que eles receberam a ordem de esperar em Jerusalém. Eles, que estavam se sentindo individualmente inúteis, impotentes e abandonados, tiveram que esperar até que a sua fraternidade fosse fortalecida. A maior descoberta na valorização do deficiente foi integrá-lo à sociedade. O elemento principal que faltava para a auto aceitação destas pessoas eram as outras pessoas. Somente uma congregação, uma família ou um grupo podem ajudar a uma pessoa indecisa e perdida encontrar a sua própria identidade. A nossa responsabilidade como congregação cristã é receber e aceitar os outros como eles são, e talvez esteja aí a nossa maior obrigação. (continua)

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Quanto tempo esperaremos ainda? I

E, comendo com eles, determinou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai, a qual, disse ele, de mim ouvistes. At 1.4
A última ceia, Tintotetto
A vida nos faz sentar na sala de espera nas horas mais inoportunas, e isso é algo que simplesmente detestamos. Talvez só exista uma coisa pior do que esperar, é esperar na fila. Por conta disso, qualquer um de nós pensa imediatamente em desistir, mas nem sempre podemos. Jesus numa hora crucial da vida dos seus discípulos mandou que eles fizessem justamente isso: esperar. Logicamente que isso não foi bem recebido e nem bem compreendido. Considerem a situação: Eles tinham estado numa boa com Jesus. Para o acompanharem durante três anos em seu ministério libertador, eles tinham dado a ele tudo que tinham e tudo o que podiam. Tinham deixado suas famílias, seus bens e os seus sustentos, convencidos intimamente de que a verdade estava nele e pelas vidas que haviam sido transformadas diante dos seus olhos.


No espaço de uma semana esse mundo maravilhoso desmoronou. Quem antes vira seu mestre ser aclamado como Messias, o via agora pregado numa cruz entre dois ladrões. Eles estavam por baixo, desanimados, derrotados e quem sabe até desesperados. Aí aconteceu o inimaginável, Cristo estava vivo. Deus o tinha ressuscitado. Nada mais os impedia de sair pelo mundo e o transformarem radicalmente. Eles sabiam que esta era a boa nova que deveria ser anunciada, e também queriam correr para compensar as suas falhas durante a paixão e morte de Jesus, quando o abandonaram. Eles estavam prontos, mas Jesus os manda esperar. Isto é o que diz o nosso texto. Que ordem insuportável é essa? Será que não há cegos precisando enxergar, aleijados que precisem andar ou pobres que precisem conhecer o evangelho? Mas ordem era esperar em Jerusalém semana após semana até o dia de Pentecostes. Onde estava a sabedoria desta espera?

Primeiramente, eles precisavam refletir sobre a natureza do Reino de Deus, pois, como Jesus mesmo disse, ele é difícil de achar, ele é bastante evasivo. Ainda que Jesus falasse exclusiva e exaustivamente sobre ele, o Reino de Deus, até hoje, continua a ser muito difícil de ser compreendido, continua, do mesmo modo, evasivo. Eles tinham que compreender que o Reino de Deus é segundo o Espírito de Deus. O modelo de vida que eles tinham era o do Império Romano, que saía pelo mundo para conquistá-lo e dominá-lo pela força, é também o nosso modelo. Esse é o militarismo está presente até nos nossos hinos tradicionais: “Avante, avante ó crentes, soldados de Jesus”. Esse é o Vini, vide, vince (vim, vi e venci) da filosofia. Eles tinham que compreender que o Reino de Deus não exigia o domínio absoluto sobre outros credos e nem a conquista de desmesurada de adeptos, mas deveria fazer com que as pessoas passassem a sem guiadas pelo Espírito.

Outro fato que precisava ser compreendido é que o Reino de Deus possui força própria. Ele não pode ser possuído, conduzido e nem controlado por ninguém. Até gostaríamos de fazer, mas não podemos não. Gostaríamos de fazer todo joelho dobrar e toda língua confessar que Cristo é o Senhor. Mas o Reino de Deus não é moldado desta forma. Então o que podemos fazer? Somente deixá-lo acontecer. Somente descobrir os seus sinais onde e quando eles aparecem. Existe um abismo de diferença entre tentarmos expulsar os males do mundo, agindo como se fôssemos sozinhos e imprescindíveis e atacarmos esses mesmos males entendendo que estamos no conflito, mas que a luta é de Deus. A briga é dele, não é minha e nem sua. Agimos como se não soubéssemos disso, e os nossos estudos, nossas orações e nossas pregações caminham no propósito de tomarmos conta do Reino e fazê-lo acontecer em nosso tempo, segundo a nossa vontade. Mas o Reino de Deus tem o seu próprio tempo, a sua própria vontade. (continua)

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O que é PROMESSA?

Pentecostes, Grão Vasco (1475-1542)
Prometer é uma das palavras chave da linguagem do amor. É a um só tempo, anunciar. garantir, dar uma palavra de compromisso e proclamar-se certo se si. Também é provocar no parceiro a adesão do coração e a generosidade da fé. Números 23.19b diz: Quando foi que Deus prometeu e não cumpriu? Ele diz que faz e faz mesmo. Prometer, para ele, é o mesmo que dar, porém, o que ele dá antes de tudo é a fé para esperar que venha o dom. Em Israel as promessas são as chaves da sua história de salvação. Esses juramentos tornaram irrevogáveis as dádivas de Deus, embora as infidelidades do povo acarretassem restrições, elas foram mantidas para o pequeno grupo chamado de Resto de Israel. Exatamente por isso que o Judaísmo enfatizou sempre o aspecto da recompensa, pois as promessas seriam uma resposta á obediência aos mandamentos.


Já o Cristianismo as vê como uma iniciativa puramente divina, um dom que já foi concedido, ao qual se toma conhecimento através da fé. Paulo teve o cuidado de mostrar que a vida cristã está baseada na fé nas promessas, que uma vez dirigidas a Abraão, se cumpriram em Cristo. Enquanto que para os judeus as Escrituras são em primeiro lugar a lei que deve ser observada custe o que custar, os cristãos as tem, antes de tudo, como o livro das promessas. Isso faz dele os depositários: e de nós os herdeiros das promessas. E, já que vocês pertencem a Cristo, então são descendentes de Abraão e receberão aquilo que Deus prometeu. (Gl 3.29)

Nos evangelhos, Jesus é o Messias prometido, mas também se apresenta como objeto destas e portador de novas promessas. Ele inicia o seu ministério retomando as promessas do Primeiro Testamento juntamente com as promessas do Reino de Deus, que nas bem aventuranças são prometidas aos pobres e perseguidos. Aos seus seguidores diretos, promete uma miraculosa pesca de homens e o poder de julgamento sobre as doze tribos de Israel. A Pedro, faz a promessa de uma igreja que seria edificada por pessoas como ele, e que nem mesmo os portais do Inferno poderiam lhe resistir. A quem perder a sua vida pelo evangelho, ele promete o cêntuplo e a vida eterna. A quem tomar partido por ele, promete representá-lo diante de Deus. Promessas que são palpáveis somente pela fé, pois embora já brilhe a luz desse novo tempo ele ainda não é pleno, mas o será quando a sua hora for chegada.

É prometida também a presença constante do Espírito de Deus, que encherá o universo, mantendo unidas todas as coisas. Esse é o tudo que o que o mundo não pode receber, porque não pode crer. Muito embora este Espírito tenha sido derramado sobre toda a carne, somente os que creem em Cristo adquirem esta consciência, que os faz efetivamente participantes delas.

Cumulados de todas as riquezas, sem que lhes falte qualquer dom da graça, os cristãos não tem mais nada a desejar, uma vez que o Espírito é neles uma presença viva, uma posse permanente e uma unção que sela definitivamente esta herança. Contudo, esse Espírito é apenas o penhor dessa herança, as primícias da nossa redenção e a sua oração não é mais que um gemido de esperança, pois o que ele anuncia as promessas de algo que: Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. (I Co 2.9)



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Quem não tem noção erra de novo

Ai de vós que desejais o Dia do SENHOR! Para que desejais vós o Dia do SENHOR? É dia de trevas e não de luz. Am 5.18
Banquete de Belsazar, Frans Francken II (1581-1642)
Um ilustre desconhecido disse uma verdade irrefutável: Quem não conhece a sua história está condenado a repeti-la. Peço licença a este que foi realmente ilustre para acrescentar duas palavras ao texto: inexorável e sumariamente condenado, porque a história não é como Jesus, ela não perdoa. Paulo era outro que também não era muito de perdoar, tanto que para os gálatas ele faz a seguinte advertência: Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará.

Já foi comentado aqui neste blog sobre a interpretação errada e conveniente do fenômeno da glossolalia, conhecido com línguas estranhas. Foi relembrado o quanto este sinal foi desastroso para Israel. Nas vezes que se ouviu língua estranha em Jerusalém, a cidade foi arrasada e o templo destruído. A primeira pelos babilônicos, um povo de longe e de língua estranha. A segunda foi pelos romanos, pouco tempo depois do Pentecostes. Nem mesmo isso freou o ímpeto da igreja em propagar esta anomalia como um sinal de Espírito.

Mas o assombro não para aí. Recentemente me deparei com uma foto de uma imensa mão de plástico que os jovens de uma igreja, em seu retiro espiritual, glorificavam e exultavam acreditando ser a mão de Deus. Em um tumulto generalizado tentavam freneticamente tocá-la, enquanto que outros, mais afortunados, disputavam a tapa a “benção” de se manter embaixo dela. Será que estes, a exemplo dos contemporâneos de Amós imaginam que a visão de um sinal de Deus na Bíblia foi prenúncio de algo benéfico? Será que nenhum deles leu o que aconteceu na corte de Belsazar, descendente de Nabucodonosor? Será que esta igreja não conhece o texto de Daniel cinco?

Pois bem, a mão de Deus já apareceu em um período da história e quem esteve debaixo dela não conheceu um bom desfecho. A mão de Deus veio para escrever onde todos puderam ver “Pesado foste e te encontraste em falta”. Um inequívoco sinal de que as coisas não estavam nada bem. Naquela mesma noite Belsazar foi morto. Um inequívoco sinal de que em breve se sentiria o peso desta mão. Agora não mais sobre uma cidade ou um templo, mas sobre toda uma civilização.

O grande problema da heresia em massa é que ela não atinge somente os hereges. Em Jerusalém, como afirmava Lucas: Ora, estavam habitando em Jerusalém judeus, homens piedosos, vindos de todas as nações debaixo do céu. (At 2.5) Mas nem mesmo estes escaparam da desolação imposta pelas legiões de Tito. Quero acreditar que alguns daquele grupo de jovens refutaram esta estapafúrdia ideia. Quero acreditar também que a intenção da maioria era brincar com um objeto inflável. Quero acreditar mais ainda que um pastor, após a brincadeira, fez ver a todos que aquela não era de fato a mão de Deus e que tudo não passara de uma oficina para a conscientização de todos sobre o grave perigo de se crer em qualquer sinal.

Bom, só eu mesmo para acreditar nisso, porque tudo aponta para outro lado. O lado do barateamento das manifestações Deus, para o achincalhamento da sua Palavra, para o descaso das profecias e para profanar da forma mais pornográfica possível, o sagrado. A igreja não se iluda, aquilo que eles estão plantando agora, pode ser que não colhamos, mas com certeza nossos filhos e netos colherão. Enquanto não se estabelecer a ruptura definitiva da igreja de Cristo com estes movimentos sincretistas, estaremos todos debaixo desta mão, que vem, não para abençoar. Isto Deus já fez com o derramamento do seu Espírito, e não com uma só mão. Mas uma mão que vem para acusar, para apontar erros e para pesar sobre as nossas omissões.

Isso só pode ser evitado através do conhecimento, através da leitura e interpretação honesta da velha Bíblia. Somente conhecendo a história da nossa igreja e os desvios que teve que superar para chegar até nós, entenderemos qual é o seu verdadeiro propósito. É claro que pecaremos também, mas serão pecados novos, pecados inusitados, como bem disse Bertrand Russell:  Por que repetir erros antigos se há tantos erros novos a escolher?

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Estrelas ou Jardins

Imagem retirada de http://fburgoa.blogspot.com
Ao depararmos novamente com a questão da eutanásia nos sentimos no dever de tomarmos uma posição frente a ela. Uma vez que os países sobre a questão, não podemos continuar tratando este problema como um crime comum, posto que, em várias ocasiões, é o próprio paciente quem opta por receber este tipo de tratamento. Como não tenho ainda todas as informações para dar um parecer próprio, recorri à meditação do mestre Rubem Alves, que em 2008 profetizou sobre o assuntoFui eu quem levantou a questão do sofrimento dos doentes  terminais e, com ela, a difícil questão da eutanásia. Julgo-me, portanto, na obrigação de pensar essas questões sob o ângulo da ética.

Diariamente nos defrontamos com dilemas éticos porque eles fazem parte do cotidiano da vida. Ética são os pensamentos que pensamos quando nos encontramos diante de uma situação problemática que nos pergunta: “Que devo fazer para que a minha ação produza o maior bem possível – ou o menor mal possível?” Essa pergunta pode ser respondida de duas formas diferentes, dependendo da direção do nosso olhar.

Há um olhar que contempla as estrelas e descansa na sua eternidade, perfeição e imutabilidade. Habitando ao lado das estrelas estão os valores éticos que foram criados mesmo antes que delas e gozam da sua imutabilidade. Como se fossem “móveis” e “obras de arte” da mansão divina. Quando surge um problema na terra os olhos procuram a resposta nos céus, morada da verdade eterna de Deus.

Há, entretanto, um outro olhar que não olha para as estrelas por preferir os jardins. Deus começou a sua obra criando as estrelas, mas terminou-a plantando um jardim... A se acreditar nos poemas sagrados Deus ama acima de tudo, mais que as estrelas, o jardim. Está escrito: “... e Deus passeava pelo jardim ao vento fresco da tarde...” Deus ama mais os jardins porque ama mais a vida que as pedras. Árvores, arbustos, flores são seres vivos. Nelas não há nada que seja permanente. Tudo muda sem parar. Uma folha que estava verde seca e cai. Uma planta que se planta hoje será arrancada amanhã. Um galho onde um pássaro fez um ninho apodrece e tem de ser cortado. O jardim, como a música, tem sua beleza nas constantes e imprevisíveis transformações.

Os astrônomos olham para os céus e podem determinar com precisão a verdade do astro que estão examinando. Os jardineiros olham para o jardim e não podem determinar nada com precisão. Porque a vida não é uma estrela. O jardineiro não olha para as estrelas para decidir sobre o que fazer com o seu jardim. Ele observa a paisagem, examina cada uma das plantas, o que foi verdade ontem pode não ser verdade hoje, vê as transformações, imagina possibilidades não pensadas, cria novos cenários...

A ética da Igreja Católica é a ética dos olhos que examinam as estrelas em busca da perfeição final eterna. Não é por acidente que ela não tenha escolhido como símbolo para si mesma um jardim. Ela escolheu como seu símbolo uma pedra: Petrus...

A ética que nasce da contemplação das estrelas resolve de maneira definitiva e absoluta os dilemas da vida. Nós, que vivemos no tempo ao lado dos jardins (efêmeros), ao nos defrontarmos com um dilema ético temos de nos perguntar: “O que dizem as estrelas? Que valores estão eternamente gravados nos céus?” Porque a tarefa dos homens é trazer para a terra a perfeição imutável dos céus. A palavra eterna dos céus diz o que nós, seres do tempo, temos de fazer. E assim se resolvem os problemas que a experiência vem colocando através da história: o homossexualismo, o divórcio, a pesquisa com as células tronco (tantas vidas seriam salvas!), o aborto de fetos sem cérebro, a eutanásia. Porque, examinados os astros, as respostas vieram prontas...

Texto do rev. dr. Rubem Alves, pastor presbiteriano, mestre em Teologia, doutor em Psicologia e professor da UNICAMP.

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O que sou e o que serei

O SENHOR me disse: “Você não será apenas o meu servo que trará de volta os israelitas que ficaram vivos e criará de novo a nação de Israel. Eu farei também com que você seja uma luz para os outros povos a fim de levar a minha salvação ao mundo inteiro.” Is 49,6
Moisés e a sarça ardente, Aaron Deal (1980-)
Algumas máximas criadas recentemente tomaram o lugar de versículos bíblicos tanto nas camisetas quantos nos adesivos dos carros. “Tudo é força, mas só Deus é poder.” Este é um exemplo típico do que digo: um jogo de palavras cuja inversão surtiria o mesmo efeito. Contudo, o que eu queria me referir mais especificamente é este: “Deus não escolhe os capacitados, capacita os escolhidos.”

Tenho pensado até que ponto esta é uma verdade tão absoluta que mereça figurar entre as verdades bíblicas, ou que tenha peso suficiente para servir de modelo à identidade cristã. Temos um exemplo bastante claro de que isto nem sempre é verdade quando Deus escolheu os seus apóstolos, os continuadores da mensagem do seu Filho. Foi justamente a escolha do mais capacitado deles que vingou. Foi o mais capacitado que levou e evangelho mais longe e aos mais diferentes povos. Foi o mais capacitado deles que livrou o evangelho de se tornar uma seita judaica. Foi o mais capacitado deles que determinou os mais importantes princípios que regem o Cristianismo. Foi o mais capacitado deles quem sozinho escreveu mais de um terço de todo o Segundo Testamento.

Por que Deus, na sua infinita sabedoria não poderia lançar mão dos recursos que bem quer? Particularmente, ou seja, na minha própria vida, eu poderia até aplicar esta regra em muitas ocasiões, principalmente como estímulo a empreendimentos que julgo estarem acima das minhas habilidades. Mas quando tento desafiar outra pessoa com este argumento, simplesmente cometo a grosseria de chamá-la na cara de incapaz, desdenho de saída a virtude da sua modéstia, e, de certa forma, me estabeleço como seu superior, uma vez que também me vejo no direito de julgar suas capacidades e o quanto ela necessita de capacitações.

Outra situação que colabora com a inverossimilidade deste argumento é a escolha de Moisés. Aí está mais um exemplo claro da incapacidade que é usada por Deus quando na sua forma mais natural. Moisés tinha oitenta anos quando foi escolhido, era gago e dependente financeiramente do seu sogro. Deus não lhe fez uma recauchutagem geral, como diríamos hoje. Não modificou o seu sistema vital para que ele se sentisse mais jovem e com mais disposição. Ordenou tacitamente que ele desafiasse o todo poderoso Faraó do Egito com as suas deficiências e murmurações.

O que dizer, então, de Jeremias? Deus escolheu uma criança para fazer o serviço de gente grande, e quão grande precisava ser este escolhido. Por que Deus não esperou pela sua maturidade? Por que Deus não o enviou antes para uma escola de profetas? Por que foi desencavar justamente o filho de um sacerdote de terceira categoria, que morava numa cidade de foras da lei, para ser um dos maiores profetas que história da salvação jamais conheceu?

O segundo Isaías não se calaria diante deste argumento. No versículo supracitado ele deixa bem explícito que todos somos igualmente apenas servos, mas que uma vez que fomos escolhidos por ele, pouco importará o que realmente somos, mais sim o que seremos, pois é ele quem nos fará ser exatamente o que o seu plano de salvação necessita que sejamos, quer estejamos ou não capazes, quer sejamos ou não capacitados.

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O álibi de quem não tem (final)

Então, eu lhes disse: quem tem ouro, tire-o. Deram-mo; e eu o lancei no fogo, e saiu este bezerro. Ex 32.24
Ressurreição, Noel Coypel (1628-1707)
Primeiramente ele a usou para os hipócritas que gostavam de dar esmolas em locais públicos para serem elogiados. Lembrem-se disto, estes estão recebendo o que eles queriam: o elogio dos outros. Suas atitudes estavam ancoradas em princípios imediatos e perecíveis, por isso Jesus conclui que eles já receberam toda a recompensa. A segunda vez que a usou foi com os que gostavam de fazer orações em lugares onde pudessem ser notados e admirados. Lembrem-se disto, estes já receberam o que queriam, pois suas orações não eram dirigidas a Deus, mas serviam para os propósitos pessoais que lhes rendiam prestígio e admiração das pessoas.


Na terceira vez que usou este princípio, foi para aqueles que faziam caras tristes e inconsoláveis para que todos vissem que estavam jejuando. Lembrem-se disto, estes já receberam também o que queriam, mas somente o que queriam. Mais tarde Jesus falou que uma pessoa poderia ganhar o mundo inteiro, mas só isso, porque neste processo poderia perder a sua alma. Voltando a pergunta: O que estão recebendo estes que no mundo de hoje parecem que estão recebendo mais do que deveriam? O que estão recebendo estes que impunemente roubam e oprimem os outros sem que lhes sobrevenha qualquer condenação? O corrupto e o fraudulento podem receber uma posição de destaque e ser admirado por muitos, mas jamais se sentirão realizados vocacionalmente. Lembrem-se disto, eles já receberam toda a recompensa.

Se a justiça humana tem vida em si mesma, a justiça de Deus muito vida própria tem. Por isso ela é tão difícil de se ver. Nem sempre ela é administrada aos nossos olhos ou no nosso tempo. Mas podem ter a certeza de que a justiça de Deus prevalece. Prevalece agora mesmo, e prevalecerá para sempre. Eu lancei o ouro no fogo e saiu este bezerro. Paulo colocou esta verdade mais evidente ainda: Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará. Porque o que semeia para a sua própria carne da carne colherá corrupção; mas o que semeia para o Espírito do Espírito colherá vida eterna. (Gl 6.7s) Ainda assim, nenhum ministro do evangelho pode parar aqui e simplesmente deixar que a justiça de Deus siga o seu curso. A criação de Deus é moral. O nosso universo não é indiferente à moralidade. Por mais que se ache que não vai dar em nada, que se pode torcer a justiça e corromper o direito. Por mais que esta nossa realidade possa parecer definitiva, não se enganem. De Deus não se zomba.

As consequências dos nossos pecados não podem ser apagadas, mas os nossos pecados podem ser perdoados. Existe retribuição nesta vida, mas existe também a misericórdia de Deus. Aarão pecou feio, e fez o povo pecar feio também, mas Moises intercedeu e trouxe a graça. Segundo a Teologia moderna, Deus mudou a sua mente com relação ao pecado do povo. Se você se ente amarrado a uma vida frustrada, e está desiludido completamente que não vê saída para esta nossa situação de pecado, tente entender o que disse o teólogo Paul Tillich sobre a providência de Deus: A providência divina não significa que Deus tem tudo planejado, como costumamos pensar. A providência divina não quer dizer que Deus tem predestinado tudo. A providência divina significa que existe uma possibilidade criativa, uma possibilidade redentora, e esta possibilidade é implícita, é incluída em cada situação desta vida e que não pode ser destruída por nada ou por ninguém.

O povo no deserto foi perdoado, a promessa foi renovada, e nenhum daqueles permaneceu para sempre presa à consequência dos seus atos. A cruz nos mostrou para sempre que Deus está sempre no melhor dos seus planos quando o ser humano está no seu pior. Este é o mistério da cruz, esta é a expectativa da Quaresma. Um tempo de reflexão sobre a nossa situação pessoal e social, não para a desilusão ou para desistência, mas para a certeza de que Deus nos espera fim desta caminhada sombria e cheia se incertezas com a maravilhosa luz da ressurreição.

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O álibi de quem não tem

Então, eu lhes disse: quem tem ouro, tire-o. Deram-mo; e eu o lancei no fogo, e saiu este bezerro. Ex 32.24

Moisés e Aarão perante Faraó, Jean Dinteville (1498-1554)
A Bíblia descreve na história dos dois irmãos, Moisés e Aarão, uma situação que lança luzes reveladoras sobre qual é o verdadeiro sentido que o tempo da Quaresma deveria ter para a igreja. Moisés estava sozinho no monte Sinai e Aarão com o povo no deserto. Em rápidas palavras poderíamos dizer que Moisés estava esperando as ordens para a marcha que mudaria a história da humanidade e Aarão tentando contornar os problemas de um povo desnorteado. O contraste moral e espiritual entre eles é ainda mais significante. Moisés estava isolado, abrindo seu coração diante de Deus por quarenta dias a espera de uma manifestação sua. Embaixo, o povo, sem entender a razão da demora de Moisés, já começando a achar que errou ao sair do Egito, pois lá tinham panelas de carne e pão para se fartar.


Eles não queriam um Deus invisível que os fazia esperar, mas deuses como tinham os egípcios, que podiam ser visto e tocados. Afinal, estes deuses tinham feito grande sucesso, pois transformaram o Egito na maior potência da época. Aarão era um político, e fez exatamente o que o povo queria que fosse feito. Um simples não evitaria uma enorme tragédia, mas ainda assim, me é muito difícil julgar esta atitude de Aarão. Como bom brasileiro, eu sei da dificuldade de se dizer não. Quase ninguém está pronto para dizer não.

O problema se instaura quando Moisés desce do monte, vê o bezerro de ouro e pergunta a Aarão: Que te fez este povo para cometeres tão grande pecado? É aí que Aarão dá a resposta mais esfarrapada que poderia: Então, eu lhes disse: quem tem ouro, tire-o. Deram-mo; e eu o lancei no fogo, e saiu este bezerro. Parece coisa de criança. Parece que Aarão não sabia o que estava fazendo. Parece que tudo foi consequência do destino, afinal, quando se joga ouro no fogo, logo aparece um bezerro de ouro pronto e acabado. Alguém duvida que esta ideia já existia? Que eles tinham artífices prontos para executá-la? Que eles já tinham um molde? Aquele ídolo não foi um simples acidente como Aarão disse. Cinismo é o que move o mundo civilizado, as novelas estão aí para provar o que digo. Nelas, ninguém quer se responsabilizar pelos seus atos. Talvez seja isso que os escritores tentaram nos dizer. O mundo é deste jeito, ninguém assume nada. Estamos vivendo dias ruins como o que levaram o autor do Eclesiastes a dizer: Vi ainda debaixo do sol que não é dos ligeiros o prêmio, nem dos valentes, a vitória, nem tampouco dos sábios, o pão, nem ainda dos prudentes, a riqueza, nem dos inteligentes, o favor; porém tudo depende do tempo e do acaso. (Ec 9.11)

Ninguém sabe o que sairá do fogo. As pessoas jogam o seu ouro lá e esperam que aconteça de tudo, até um bezerro pode sair. Vivemos em um mundo onde a disciplina, a lealdade e a integridade não velem nada. Até o universo é fraudulento, estão sempre dizendo que ele vai acabar, mas ele insiste em continuar existindo. Por isso a pergunta: Como podemos viver num mundo onde o esforço não é premiado e o mal não é punido? Se nada importa, então tudo é válido. Podemos todos ser brincalhões como Aarão até o dia em que aparecer um profeta como Moisés e detonar a nossa fantasia. Como nós precisamos de um profeta como ele para desfazer as ilusões em que vivemos, e fazer a mesma coisa conosco.

É bem certo que todos nós gostaríamos de receber mais do que recebemos e de possuir mais do que possuímos, mas alguém já se perguntou o que estão realmente recebendo aqueles que pensam que estão recebendo muito mais do que precisam? No sermão do monte fez três vezes uma declaração intrinsecamente julgamental: Eles já receberam a sua recompensa. No segmento desta meditação falaremos sobre elas.

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Igrejas adultocêntricas?

Crianças vem a Jesus, John Lautermilch (1910-1986)
Texto de Nicolás Panoto.
É interessante constatar como os imaginários sociais atravessam a vida das igrejas: as diferenciações entre grupos pertencentes a distintos estratos socioeconômicos, a relação homem-mulher, os modelos de organização institucional, entre outros aspectos que poderíamos mencionar. Muitas vezes concebemos as comunidades eclesiais como pequenas ilhas que não são afetadas no que são e fazem pelo que acontece na sociedade. Longe disso, são uma expressão inevitável das vicissitudes, complexidades, belezas e problemáticas que se apresentam em nosso meio. Isto também diz respeito à infância e adolescência.


Socialmente, tais grupos etários carregam uma série de estigmas que influenciam tanto seu desenvolvimento como também a atitude de terceiros sobre eles e elas. A ideia evolutiva sobre o humano, por exemplo, que coloca a infância e a adolescência em um estado de “quase-adultez”, que se poderia traduzir como uma condição “quase-humana”. Também a preferência que se dá à “lógica adulta” sobre aquelas que representam as crianças e os adolescentes: a razão sobre o emocional, a distância individualista sobre a espontaneidade do corporal, a técnica sobre o lúdico etc.

A vida de adulto se representa, entre outras coisas, com a maturidade, a frieza nas decisões, a superação das instabilidades, a semeadura da razão, a efetividade dos resultados. E é na rigidez destes estereótipos onde muitas vezes perdemos a surpresa da espontaneidade, o frescor da aproximação dos corpos e a riqueza dos caminhos que abre nossa liberdade intrínseca. Em outros termos, nos esquecemos da condição lúdica que caracteriza a vida humana e social. É esta condição que nos impede de “ir mais além” e abrir horizontes. Necessitamos ser como crianças que jogam. Como disse Rubem Alves, “no jogo, o homem encontra significado e, portanto, diversão, precisamente no fato de suspender as regras do jogo da realidade, que o transformam num ser sério e em tensão constante. A realidade nos deixa enfermos. Produz úlceras e depressões nervosas. O jogo, entretanto, cria uma ordem da imaginação e, portanto, produto da liberdade”(1).

Por tudo isto, a infância é um desafio para as igrejas. Poderão me dizer: “Mas, como, se quase todas as igrejas possuem programas de trabalho com crianças e adolescentes?”. Isso é verdade. Entretanto, trabalhar com a infância e a adolescência não quer dizer “ter programas”. Muitas vezes, precisamente tais atividades podem se transformar em mecanismos para distanciar as crianças e os adolescentes dos supostos “espaços centrais” da vida da igreja: da tomada de decisões até um protagonismo ativo nas áreas mais “importantes”.

Que papéis cumprem nossas crianças e adolescentes nas igrejas? Sua presença passa por uma atividade no fundo do templo ou têm um lugar protagônico em nossas liturgias? Nos perguntamos se as atividades que realizamos tratam de temas ou dinâmicas pertinentes a suas necessidades atuais ou queremos continuar com “o que sempre se faz” para mantermos eles distantes das complexidades da realidade? Por que não pensar em deixar nossa lógica adulta, organizada e institucionalizada de ser igreja para adentrarmos em dinâmicas inclusivas, lúdicas e dinâmicas onde as crianças se sintam parte, e possamos aprender com elas?

Levar a sério a infância é deixar de ver as crianças como uma “etapa incompleta” da vida humana; é deixar de criar espaços de contenção e entretenimento enquanto os adultos nos encarregamos das “coisas sérias”. As crianças nos apresentam uma lógica de vida cuja importância está em si mesma, não na comparação com a nossa como adultos.

Assumir a riqueza do lúdico na vida implica compreender que as estruturas institucionalizadas podem ser transformadas, que os seres humanos não são valiosos por possuir um lugar mas pelas infinitas possibilidades de se mover e de criar coisas novas. Também envolve o aprendizado de ver Deus a partir de seu movimento constante em nossa vida cotidiana, não a partir de regras e preconceitos fixos. Como diz Edesio Sánchez Cetina, “o peculiar do jogo é a criação de um momento no qual o que conta é o sujeito do jogo, não as regras. Estas se transformarão no próximo jogo. Por isso a teologia que surge neste contexto não pode sistematizar-se. A única coisa segura no jogo é a inovação, a surpresa, a liberdade que se vive. E esse momento do jogo, ainda que pareça efêmero, por ser ‘evangelho’ se converte em eternidade” (2).

Romper com o adultocentrismo das igrejas implica distanciar-nos de uma lógica que se naturalizou em nossas sociedades, que responde ao etnocentrismo e à tecnificação e racionalização típicas do capitalismo ocidental, que deposita no “homem adulto” toda a capacidade para “transformar o mundo”, para criar o caminho do “progresso”, para não deixar espaço para o imprevisto. É precisamente esta mesma lógica que criou mecanismos de segregação, opressão e pobreza, afetando majoritariamente as grandes massas de crianças e adolescentes, como os grupos marginalizados e vulneráveis.

Portanto, se não mudamos nossa lógica de vida e nossa maneira de ser igreja, todos os nossos programas de trabalho podem terminar sendo apenas paliativos frente a um contexto que nos oprime violentamente. Necessitamos ir fundo. Todo empreendimento de trabalho com a infância e a adolescência implica, de parte dos adultos, um ato de humildade e de mudança de posição, deixando de lado as tribunas de poder e do suposto conhecimento para se arriscar a questionar os espaços de segurança e repensar a rigidez institucionalizada. É na inquestionabilidade adulta do estabelecido onde encontramos a violência marginalizante que oprime a nossas crianças.

Recordemos a ação de Jesus em Marcos 9.36: “E, tomando uma criança, colocou-a no meio deles...”. Esta criança representa — em seu corpo, olhar, pensamento, sentimentos — a imagem mesma do Reino. Um pequeno, que em sua presença joga por terra as elucubrações teológicas dos discípulos adultos que, em seu afã de buscar constantes explicações, não observavam, não sentiam, não participavam das ações do Mestre, assim como aquelas crianças que, sem se importar o que diriam os outros, pegavam o braço de Jesus para escutá-lo e senti-lo.

Sejamos como crianças: este é o desafio. Como disse Ernesto Sábato, falecido recentemente: “Toda criança é um artista que canta, dança, pinta, conta histórias e constrói castelos. Os grandes artistas são pessoas estranhas que conseguiram preservar no fundo de sua alma essa inocência sagrada da infância e dos homens que chamamos primitivos, e por isso provocam o riso dos estúpidos” (A resistência).

Texto de Nicolás Panoto, licenciado em Teologia pelo Instituto Superior Evangélico de Estudos Teológicos - ISEDET. Mestrando em Antropologia Social e doutorado em Ciências Sociais pela FLACSO (Argentina).
Notas(1) Rubem Alves, Hijos del mañana. Salamanca: Sígueme, 1976, p. 112.
(2) Edesio Sánchez Cetina. Para un mundo mejor… El niño es el mejor protagonista. In: Seamos como niños. Buenos Aires: Ediciones Kairós, 2007, p. 80.

* Artigo publicado na Revista Kairós, Ano 11, No. 27, Jul. 2011, pp.12-15.

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O que é CONHECIMENTO?

Eva e a árvore da ciência, Paul Gauguin, em 1889
Uma das duas árvores plantadas no centro do Jardim do Éden era a árvore do conhecimento do bem e do mal, porém, mais do propriamente que um vegetal, esta árvore foi o artifício literário que apresentou o pecado que privou o homem da sua estada neste harmonioso jardim. Foi destacada dentre as demais como uma proibição-provação com risco de morte, e deve o seu nome e seu efeito à reflexão teológica que Israel fazia, naquela época, sobre a
experiência amarga do pecado. Significava um tipo de conhecimento que o homem não tinha quando no seu estado original, mas que adquiriu através da sua ação pecaminosa. Ao mesmo tempo, é um tipo de conhecimento reservado a Deus, mas que uma vez adquirido, torna o homem o responsável direto por decisões, que na harmonia do Éden não se faziam necessárias.


A narrativa não se refere ao despertar da inteligência para a sobrevivência ou da consciência moral, pois estas, supõe-se que ele as possuía antes de pecar. Também não se pode dizer que o homem, pelo seu pecado, tenha adquirido, para si e para a sua posteridade, uma espécie de oniciência divina. Na verdade, o bem e o mal é uma expressão que abrange os dois extremos do conhecimento, podendo significar qualquer coisa ou absolutamente nada. De noite, porém, veio Deus a Labão, o arameu, em sonhos, e lhe disse: Guarda-te, não fales a Jacó nem bem nem mal. (Gn 31,24) Mas normalmente se refere a um conhecimento que traz discernimento entre os dois lados.

Mesmo tendo adquirido tal conhecimento, o home não pode arbitrariamente fazer o que bem entender, pois está capacitado a estabelecer normas que regulamentam o que é bem e o que é mal, e incorre no pecado da arrogância aquele que faz um mau arbítrio entre ambos. Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor; lancei-te por terra, diante dos reis te pus, para que te contemplem. (Ez 28.17) A arrogância do querer ser Deus é a essência do pecado chamado original, que de uma forma explícita brotou na índole pecaminosa da natureza humana.

A narrativa bíblica sobre o paraíso serve para exprimir a consciência moral e religiosa de Israel, embora empregue materiais da imaginação popular e efeitos mágicos. A função da arvore, assim como o seu nome, podem ser explicadas de várias maneiras, dependendo do ponto de partida, mas nem por isso deve se criar a expectativa de se chegar a uma síntese perfeita, pois nem mesmo a própria narrativa se deu por finalizada.

Várias são as espécies que se prestaram para identificá-la. Algumas tradições dizem ser a parreira, outras a oliveira, os gregos pensavam ser uma figueira, mas foram os autores latinos que mais elaboradamente, o que não quer dizer corretamente, apresentaram a sua sugestão. Com base em Cantares 8.5b, que na versão da vulgata diz: Sob a macieira te despertei, aí onde a tua mãe te deu à luz com dores de parto; e ainda através do jogo das palavras malum, que significa mal, e malus, que quer dizer macieira, evoluiu a sua tese.

Segundo Paulo, a decisão entre o bem o mal não é uma escolha simples, pois o bem que ele queria fazer, não conseguia, mas o mal que não queria, este estava sempre diante dele. A leitura do capítulo 7 da Carta aos Romanos pode nos dar uma visão mais profunda e mais contextualizada do conhecimento do bem e do mal no conceito de liberdade cristã. Somente depois que li este texto pude entender o quanto a graça de Deus extrapola todo conhecimento, e o quanto ela está acima dos nossos conceitos rudimentares de bem e de mal. 

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Aprendi na igreja

Cultiva na criança o carinho pelas coisas de Deus, e, mesmo quando em idade avançada, nenhuma outra coisa satisfará tão gratamente o seu coração. Paráfrase de Pv 22.6

Jesus abençoa as crianças, Lucas Cranach (1472-1553)
Já há algum tempo tenho postado neste blog algumas indignações contra a situação da igreja nos dias de hoje. Tenho feito isso com bastante frequência sem citar nomes, mas também sem omitir as minhas falhas. Penso que já está passando da hora de expor as boas influências que a igreja causou e tem causado na minha vida, e quero que seja este seja considerado o mais fiel testemunho que já dei, até então, a respeito daquela que sempre considerei a porta mais aberta do Reino de Deus. Quero dizer também que aqui como em qualquer outro veículo em que já tive a oportunidade de manifestar a minha opinião, nada foi mais espontâneo e verdadeiro. Contudo, para que este testemunho seja mais abrangente e diga respeito a um maior número de pessoas e situações, não vou falar da minha preparação específica para o ministério pastoral e nem dos meus professores e mentores.


Quero falar tão simplesmente da inestimável e impagável contribuição que a igreja deu à minha vida, à formação do meu caráter e das ferramentas com as quais me municiou para a vida profissional, quando ainda não tinha pretensões eclesiásticas.

Primeiramente, tenho que falar da contribuição que fala mais diretamente a este blog. Foi a igreja quem me deu a grande e inusitada oportunidade de, quando criança, começar a manipular, redigir, editar e imprimir jornais e boletins. O meu interesse pela palavra escrita nasceu bem cedo, devido a esta chance que tive de participar ativamente da confecção de veículos de comunicação que eram realmente lidos e discutidos por pessoas de várias faixas etárias. Isso mesmo, os textos não eram somente lidos e apreciados em um grupo de crianças. Adultos faziam questão absoluta de adquirir e ler estes periódicos. Logicamente que os textos não passavam de informações já conhecidas, de cópias de outros materiais já editados ou de uma e outra curiosidade, mas a realidade é que oportunidade de um começo estava lá à minha disposição.

A reboque da manipulação da palavra escrita foi a igreja quem me permitiu também engatinhar nos princípios básicos da oratória. A necessidade do uso em público da palavra falada, quer em reuniões do departamento infantil, que tinha o pomposo nome de Sociedade de Crianças, quer nas classes de Escola Dominical, em congressos ou retiros cultivou em mim este dom, coisa que o ensino secular, embora recebido em excelentes escolas, sequer cogitou. Importante que se diga que uma simples repetição de um texto decorado, a sua leitura ou a citação da conhecida oração do Pai Nosso em voz alta em público, para uma criança que não foi educada nestas práticas é literalmente o maior dos pesadelos.

Não menos importante que as anteriores foi o aprendizado do uso de recursos financeiros comuns. O que priorizar quando se tem a responsabilidade de manipular os recursos de um grupo para que atenda o maior número de pessoas. Este dom, associado ao da capacidade de dirigir reuniões, que também aprendi nos banquinhos da igreja, me abriram completamente a visão de coletividade e de preocupação para com o próximo.

Por estes e por tantos outros motivos que foram deixados de lado, recomendo a você que é pai, mãe ou responsável por uma criança. Não negue a ela esta oportunidade que é única em nossa sociedade. Nunca veja isso como massificação de opinião ou como imposição religiosa. Muitos daqueles que comigo frequentaram estes banquinhos, embora não frequentem mais uma igreja, ainda se lembram com saudade e gratidão das horas que passaram brincando de aprender coisas sérias e importantes para toda vida. E eu nem disse que foi lá que aprendi a cantar.

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O que é LÍNGUA?

Construção de Babel, Cleve-Van
Pela língua o homem se comunica com o seu semelhante e exprime a Deus os sentimentos do seu coração. Estar privado do uso da língua pode representar um duro castigo divino: Todavia, ficarás mudo e não poderás falar até ao dia em que estas coisas venham a realizar-se; porquanto não acreditaste nas minhas palavras, as quais, a seu tempo, se
cumprirão. (Lc 1.20) Porém, devolver a língua aos mudos é uma messiânica, pois lhes possibilita cantar louvores a Deus: Imediatamente, a boca se lhe abriu, e, desimpedida a língua, falava louvando a Deus. (Lc 1.64)

Para a sabedoria judaica a morte e a vida estão à mercê da língua: A morte e a vida estão no poder da língua; o que bem a utiliza como do seu fruto. (Pv 18.21) O apóstolo Tiago fez sérias advertências sobre a diversidade de funções da língua: Por ela bendizemos o Senhor e Pai, e por ela amaldiçoamos os homens feitos à imagem de Deus. Mais conclusões sobre o mal uso da língua podem ser encontradas nos salmos, onde é perversa, mentirosa, fraudulenta e que só profere maledicências e calúnias: A boca, ele e tem cheia de maldição, enganos e opressão; debaixo da língua, insulto e iniquidade. (Sl 10.7) Algumas figurações bem duras lhe foram acrescentadas: A tua língua urde planos de destruição; é qual navalha afiada, ó praticadora de enganos. (Sl. 52.2) Fecha mortífera é a língua deles; falam de engano; com a boca fala cada um de paz ao seu companheiro, mas no seu interior lhe arma ciladas. (Jr 9.8)

No entanto, a Bíblia reconhece a dificuldade de se controlar esse órgão tão pequeno. Ela mesma lança sobre o resto de Israel a esperança de um tempo de paz e harmonia entre os homens, no qual não existirá o mau uso da língua: Os restantes de Israel não cometerão iniquidade, não proferirão mentiras, e nem na sua boca se achará a língua enganosa, porque serão apascentados, deitar-se-ão, e não haverá quem os espante. (Sf 3.13) Esta esperança não é vã, pois a Bíblia a descreve como sendo a língua do justo, daquele que fala em nome de Deus, celebra a sua justiça, proclama o seu louvor e confessa o seu poder universal: E a minha língua celebrará a tua justiça e o teu louvor todo o dia. (Sl 35.28) Mas para isso, as suas obras devem corresponder às suas palavras: Não amemos de palavra nem de língua, e sim em atos , verdadeiramente. (I Jo 3.18)

A Bíblia fala também da diversidade de línguas que há no mundo, e por esta expressão quer designar a diversidades de culturas existentes. Neste aspecto a língua também é ambígua, pois se de um lado exprime a riqueza intelectual do gênero humano, do outro é a razão principal da incompreensão entre os povos. Gênesis 11 fala que o mistério da confusão das línguas veio através da construção da torre de Babel, que através da abordagem religiosa que faz, denuncia a soberba humana que insiste em deixar Deus de fora dos seus empreendimentos.

A resposta de Deus à confusão causada por Babel é o Pentecostes, onde o Espírito de Deus supera a barreira causada pela diversidade de línguas, culturas e religiões: Ora, estavam habitando em Jerusalém judeus, homens piedosos de todas as nações debaixo dos céus. (At 2.5) O derramamento do Espírito Santo, conforme foi predito pelo profeta Joel, foi o bastante para que o evangelho fosse ouvido e entendido nas línguas de todas as nações.

Finalmente temos o carisma do falar em línguas, que foi sabiamente regulamentado pelos apóstolos. Paulo privilegia o uso da linguagem compreensível em detrimento da incompreensível, simplesmente porque a primeira é útil a todos, enquanto que a segunda, não beneficia nem a própria pessoa: Porque, se eu orar em outra língua, o meu espírito ora de fato, mas a minha mente fica infrutífera. (ICo 14.14) As manifestações do Pentecostes mostram que a igreja na nasce universal. Ela é o lugar de adoração e oração para todos os povos como um prenúncio do dia em que: Toda língua confessará que Jesus é Senhor, para glória de Deus Pai.

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Alegrem-se pela coisa certa

Não obstante, alegrai-vos, não porque os espíritos se vos submetem, e sim porque o vosso nome está arrolado nos céus. Lucas 10.20
Os setenta e dois discípulos, Ferdinand Olivier 1785-1841
A estrada pela qual caminham os discípulos de Jesus não está, como muitos nos querem fazer crer, pavimentada somente de percalços, perseguições e aflições. Logicamente que
também não é este mar de prosperidade, saúde e regozijo que a maioria dos pregadores atuais promete. Contudo, a pregação do evangelho traz também alegrias indescritíveis, e, juntamente com elas, uma visão bem mais clara do Reino do Céus e do propósito de Deus em salvar o mundo. Podemos detectar quais são os vários motivadores desta alegria. Dentre estes poderíamos citar rapidamente, a alegria de Filipe ao ouvir a confissão de fé do eunuco, a alegria de Paulo e Silas pela conversão eufórica do carcereiro, de Pedro pela indignação de Simão o mágico quando confrontado com o poder do evangelho, e outras tantas narradas pela Bíblia.

O texto Lucas descreve a inusitada alegria dos setenta ou setenta e dois enviados de Jesus às várias cidades da Palestina, quando atestaram que, diante do propósito da missão até as mais nefastas representações do mal lhes eram submissas e devidamente afastadas. Este texto não serve como parâmetro de causa e efeito, porque o padrão normal da obtenção de resultados quase nunca é imediato, quando falamos da pregação do evangelho. Mas o fato é que aquele grupo teve este privilégio: o de ver o resultado da sua missão na prática e em tempo real. Privilégio que muitos evangelistas do passado e de hoje pouco tiveram. A missão de dar continuidade à implantação do Reino de Deus na terra segue o princípio paulino em que um planta, outro rega, e somente alguns no futuro conseguem colher aquilo que somente Deus pode fazer crescer.

Assim como os setenta, também nos alegramos com o vislumbre de alguns resultados, e do mesmo modo que os setenta, expressamos a nossa alegria a Deus pelos motivos errados, e aqui entra o nosso base: Não obstante, alegrai-vos, não porque os espíritos se vos submetem, e sim porque o vosso nome está arrolado nos céus. Para entendermos a profundidade destas palavras precisamos recorrer a dois textos paralelos. O primeiro fala da inutilidade dos sinais visíveis: Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade. (Mt 7.22s) Sobre o assunto dos sinais e prodígios Lutero foi também enfático quando disse: Qualquer ensinamento que não se enquadre nas Escrituras deve ser rejeitado, mesmo que faça chover milagres todos os dias. Ou seja, nem mesmo os sinais mais contundentes servem de garantia para que a nossa alegria seja completa e justificada.

O outro texto é aquele em que Jesus define quem está ou não com ele. Vós sois meus amigos, se fazeis o que eu vos mando. (Jo 15.14) O que nos faz concluir que, para Jesus, mais importante do que a submissão dos demônios foi a obediente e cega aceitação de alguns mandamentos que reputaríamos hoje como verdadeiros absurdos: Ide! Eis que eu vos envio como cordeiros para o meio de lobos. Não leveis bolsa, nem alforje, nem sandálias; e a ninguém saudeis pelo caminho. Permanecei na mesma casa, comendo e bebendo do que eles tiverem. Não andeis a mudar de casa em casa (Lc 10.3ss)

Logicamente que há muita alegria nos céu quando um pecador se arrepende, e que esta alegria será sempre maior se a conversão ocorrer por iluminação, onde a pessoa aceita o evangelho pela razão, sem ter a necessidade de passar por experiências traumáticas. Mas a nossa alegria em particular não deve se fundamentar nos resultados imediatos da nossa missão, mas pelo desejo de sermos amigos de Jesus, os amigos que vão a lugares impensáveis e fazem além do que ele manda.

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Ovelhas sem pastor

Ao desembarcar, viu Jesus uma grande multidão e compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas que não têm pastor. E passou a ensinar-lhes muitas coisas. Marcos 6.34

Ovelha perdida, Bill Garrison (1924-2005)
Pode ser que estejamos dando a devida atenção à realidade com a qual Jesus se sensibilizou neste episódio; pode ser que a preocupação maior da igreja de hoje seja engendrar um meio para trazer estas ovelhas desgarradas de volta ao rebanho; pode ser também que se analise a fundo as causas que levaram as tais ovelhas a se desgarrarem; e pode ser ainda que certas práticas e doutrinas desgarrem mais do que propriamente agreguem, mas nada dissimula o fato de que a esmagadora maioria das ovelhas que a humanidade gerou até hoje, continua sem pastor.

Não é sem razão que um parente próximo, agnóstico convicto e extremamente culto, está promovendo uma campanha para desovelhização da humanidade. Sua proposta encontra respaldo na prática que é comumente realizada pelos pastores de ovelhas desde sempre. Diz ele: Um pastor leva suas ovelhas para onde quer: pasto bom ou ruim. Por vezes, nem sabe mesmo onde as está levando. O certo é que o interesse do pastor é tosquiar suas ovelhas (para enriquecer materialmente) e, quando não mais prestarem, um sacrifício cruel as espera. Nada a reparar ou a contestar, é isso mesmo que acontece com as ovelhas ou com qualquer outro animal domesticado que possa ser relacionado como bem material. Quer se diga ovelha, quer operário, a verdade é mais ampla, pois nem mesmo homem, por mais desovelhizado que seja, consegue escapar da realidade do custo benefício.

No entanto, não é bem deste assunto que estamos tratando agora e aqui neste blog. Vejo bem claramente que a proposta inicial do Cristianismo contempla satisfatoriamente as necessidades detectadas nas duas faces da questão. Tanto a condução segura e altruísta da ovelha, quanto à desconstrução da ideologia que formou este ser que docilmente é levado ao sabor dos interesses econômicos de terceiros. Tudo se baseia no fato de Jesus ter se compadecido desse grupo. Jesus não teve pena. Jesus não lamentou o fato. Jesus não responsabilizou o governo ou qualquer pastor presidente local. O segredo que leva à desovelhização e à reconstrução de um ser íntegro e dotado de capacidade e liberdade começa justamente pelo compadecimento.

Muito embora possua vários sinônimos, compadecer significa padecer com, sofrer junto, sentir na pele a mesma aflição e angústia que o desorientado está sentindo no limiar do seu infortúnio. Os muçulmanos estabeleceram o tempo do Ramadan justamente com o intuito de restabelecer vínculos familiares e sociais. Este povo não somente faz jejum de alimentos para conhecer o que é a realidade de quem tem fome, mas se abstêm também dos prazeres, para conhecerem de perto a realidade dos marginalizados. A proposta de Jesus segue nesta direção, pois aquele que é chamado para estar à frente de um rebanho, é chamado ao mesmo tempo para dar a vida pelas suas ovelhas. É chamado para ser o primeiro a sentir as consequências do mal que ameaça as ovelhas.

Paulo entendeu tão bem esta proposta de Jesus, que mais tarde vai estabelecer critérios rígidos sobre a prática pastoral: Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós. Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos, porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos. De modo que, em nós, opera a morte, mas, em vós, a vida. (II Co 4.7-9 e 12)

O Cristianismo condena severamente o caudilhismo. Não precisamos de mártires nem de salvadores da pátria. Já temos o nosso. Entendemos que Deus anda atrás de homens e mulheres que se disponham a dar as suas vidas pela causa maior da humanidade. Que Deus anda atrás de homens e mulheres que se coloquem à frente da muralha quando esta desaba pela força do inimigo. De pastores ovelhistas o mundo está cheio. Estão faltando aqueles que se dispõem a lutar a batalha inglória de tirar da boca lobos ainda que um sangrento pedaço de pele da ovelha destroçada. Aqueles que se compadecem daquelas que se perderam e foram devoradas.

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