Um Deus esbanjador II

Filho prodigo na terra distante, James Tissot
Outra evidência do amor esbanjador do pai é que ele simplesmente deixou o filho ir embora. O pai amou o filho demais para detê-lo. Ele não era como nós, ele não era um superpai, ele sabia mais do que nós. Ele sabia que o amor não aprisiona, pelo contrário, dá asas. Mas também é certo que o nosso coração bate igual
ao daquele pai, quando ele sentia a agonia da separação. Acho que o filho sabia a dor que estava causando ao seu pai com aquela decisão. Eu penso assim porque esta questão envolve uma questão maior do que ela, porque sabemos bem quanta agonia causamos a Deus cada vez que resistimos ao seu amor, recusamos a sua direção e renunciamos à sua bondade. Não foram poucas as vezes que arrumei as malas, pedi parte da minha herança e parti para a terra distante, para lá viver para sempre. Terra distante é um impulso de rebelião. Ela é muito mais do que um lugar geográfico, ela é um estado da nossa alma. Você já se perguntou qual é a sua terra distante? O filho foi para o outro país decidido a não voltar, ele não queria ser dependente do pai nem mais uma vez. A maioria de nós é levada para a terra distante pela roda viva que é a nossa vida. Primeiro são as coisas simples que temos no início, depois são os nossos planos, depois as nossas posses, depois os relacionamentos mais íntimos, e por fim os nossos desejos.

Nós vivemos as nossas vidas longe de Deus. Ele fica lá em cima em algum lugar que nem sabemos onde fica e nem temos a certeza se realmente existe, e o que fica aqui embaixo é a nossa terra distante. A miséria tem muitas formas, nós não andamos vagando no mundo como fez o rapaz. Normalmente nós nos desviamos do nosso potencial através da rebeldia de não fazer nada, ou pela rebeldia de querer fazer demais. Que é possível falir financeiramente, todos nós sabemos. Mas o que muitos não sabem é que existe também a pobreza do sucesso financeiro. Este é um aspecto negativo na abordagem da Teologia da Libertação, porque entre aqueles tem e aqueles que não tem existe muita coisa em comum por baixo das aparências exteriores. Ambos podem não saber por que razão nasceram. Assim como também existem muitas maneiras de desperdiçar toda a herança que temos recebido. Nós estamos sempre querendo rejeitar ideais, sonhos e esperanças que temos herdado dos nossos pais e da nossa tradição religiosa. Nós estamos sempre querendo pouco a pouco trocar os nossos valores, mudar a nossa convicção sobre certo e errado e dissipar o nosso caráter verdadeiro tão rápido quanto o filho mais moço dissipou a sua riqueza. Nós usamos as coisas boas desta vida para finalidades erradas. Usamos o sucesso, o reconhecimentos, o acúmulo de bens para fins impróprios.

Qual é a ideia que fazemos daquele povo da terra distante, eles eram realmente maus? Aquela era uma terra de gente perversa que arruinou a vida daquele rapaz? Claro que não. Ruim foi o que o rapaz fez naquela terra movido pela falsa sensação de felicidade, é aqui que está o erro. Seu valor era frouxos e aí uma luxúria desenfreada tomou conta de seus impulsos. Mas não podemos condená-lo porque ele fez exatamente o que nós faríamos se estivéssemos com muito dinheiro em um país distante, onde tudo é permitido, porque nada importa. É o que faríamos se estivéssemos com uma fortuna em nossas mãos em um lugar onde podemos comprar qualquer pessoa ou qualquer prazer e onde não há regulamento, restrição ou fiscalização e não há ninguém para perguntar por que você está fazendo isso consigo mesmo.

Nós nos identificamos muito bem com esse rapaz. Ele tinha deixado o lar de uma vez para sempre. O dinheiro o permitiu um estilo de vida diferente. Somente uma coisa importava para ele: o que ele queria, quando ele queria. Afinal de contas a vida não era dele? O dinheiro que estava gastando não era o dele? Ele não tinha o direito de dirigir a sua própria vida? Não estava ele, naquela hora, no controle total da sua vida? Ninguém podia lhe dizer nada. Ninguém para dizê-lo como agir. Não tinha mais o pai para acordá-lo de madrugada e mandá-lo para o campo. Não tinha mais quem reclamasse dos seus atrasos ou da sua falta de compromisso. Ninguém poderia lhe dizer nada enquanto ele tivesse dinheiro.

Como essa história dói. Como ela chega tão perto de nós. É uma história que nos pergunta sempre o que estamos fazendo com o dom da vida. Ela o alerta constante a todos nós que, sem percebermos, estamos numa busca frenética atrás de significado. Numa corrida louca para acharmos propósitos e importância. Enchemos nossas vidas com aquilo que podemos sentir o gosto, com aquilo que podemos tocar, com aquilo que nós podemos comprar e com aquilo quem nós podemos vender. A nossa questão não é, como a do filho pródigo: o que vai acontecer quando o dinheiro acabar? Nossa pergunta é diferente: o que mais podemos extrair dessa vida, o que podemos mais devastar antes da morte chegar? (continua)

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