Você não está sozinho

Mas eu deixarei sete mil pessoas vivas em Israel, isto é, todos aqueles que não adoraram o deus Baal e não beijaram a sua imagem. Leiam I Rs 19.1-18

A crise de Elias, Frederic Leighton (1830-1896)
No tempo do profeta Elias, Israel vivia uma situação muito parecida com a que vivem hoje o Cristianismo e a sociedade brasileira. Quaisquer olhos críticos intuiriam claramente que nos três casos o problema se inicia e se estabelece através de uma enorme inversão de valores. E como sempre acontece, quando são apenas uns poucos aqueles que enxergam o mal comum, são estes os primeiros a se sentirem como um peixe fora d’água: abandonados, sozinhos e distantes do seu habitat pela inconformidade com a situação.

Quando estava refugiado em uma caverna no deserto, Elias foi alertado por Deus que ainda havia, escondidos no meio do povo, aqueles que, temerosos pelas retaliações que a realeza fatalmente levaria a cabo, não se deixaram enganar, e aguardavam apenas a hora propícia de manifestarem a sua indignação contra toda aquela inconcebível situação. Deus fez ver a Elias que ele estava enganado, e que não estava sozinho.

A sociedade brasileira, tomada de repente por uma consciência coletiva de indignidade, está nas ruas dando o seu grito de basta em meio à repressão de uma policia idiota, que ainda não descobriu que vem sofrendo do mesmo mal, e que também vem pagando o mesmo preço que a ganância dos nossos governantes tem exigido de nós, tentam, com o risco das suas próprias vidas, defender o indefensável: a injustiça que há muito tempo tem assolado quase que a totalidade da população deste país. A sensação que temos hoje diante destas manifestações é que cada brasileiro está descobrindo que não está sozinho na sua justa indignação.

É hora de nos perguntarmos: a Igreja de Jesus Cristo está esperando o quê? Até quando vamos ter que aturar estes falsos pastores se servindo da carne e do sangue do rebanho, em vez de guiá-lo a campos verdejantes e a águas tranquilas, como preconiza o salmo? Até quando vamos conceber que a Palavra incorruptível do nosso Deus esteja servindo para maquinações ilusórias e cada vez mais extraídas de um paganismo absurdo, o que tem levado esta Santa Palavra ao escárnio e descrédito daqueles que nela não creem?

Uma coisa posso lhes afirmar com certeza dentre as minhas pouquíssimas convicções: não estamos sozinhos. Deus tem guardado no meio da sua Igreja os tais “sete mil” que não dobraram os seus joelhos ao ilusionismo apostólico, e cuja língua não confessaram o deus da retribuição, da falcatrua e da bênção egoísta como seu senhor. Podemos viver nesta certeza: escondidos no meio dos “ungidos” Deus tem preservado a sua reserva moral naqueles em que a indignação não é mais suportável.

Temos que reconhecer que tanto em Israel quanto na população brasileira se fez necessário que uma faísca se acendesse para atiçar em todos o fogo do desejo de lutar para alcançar os mesmos propósitos. Aqui no Brasil foi a maquiavélica esperteza do governo em se aproveitar da distração criada pela Copa das Confederações para aumentar em todo o país o preço das passagens. Com o profeta Elias já foi diferente. Foi preciso que as maiores forças da incontrolável natureza passassem diante dele para que ele percebesse na brisa suave a voz de Deus desafiando-o a voltar e desencadear o enfrentamento contra o mal.

Minha pergunta ao final desta breve meditação não espera outra resposta a não ser aquele que eu mesmo tenho que dar. Penso que cada indignado, da mesma forma, deve esperar de si essa resposta: O que estou fazendo para que o vento de Deus varra definitivamente esta falta de senso cristão que se instalou indevidamente no seio da sua Igreja?


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O que é VIRGINDADE?

A Virgem e o Cordeiro, Bouquereau em 1903
Em diversas religiões antigas a virgindade tinha um valor sagrado. Deusas como Anat, Artemis ou Atenas eram chamadas de virgens, mas com objetivo de realçar a sua eterna juventude e vitalidade. Somente a revelação cristã viria mostrar a plenitude do sentido religioso dessa palavra: a fidelidade de um amor exclusivo a Deus. Na perspectiva de aumento e crescimento da população, os antigos consideravam que a virgindade era como a esterilidade, uma verdadeira humilhação: Ela concebeu, deu à luz um filho e disse: Deus me tirou o meu vexame. (Gn 30.23) 


Contudo, a virgindade antes do casamento era muito estimada. Os sacerdotes só podiam se casar com virgens: Não se casarão nem com viúva nem com repudiada, mas tomarão virgens da linhagem da casa de Israel ou viúva que o for de sacerdote. (Ez 44.22) Mas esta era apenas uma preocupação pela pureza ritual, não pela virgindade como tal. Tornando fecundas as que eram estéreis, Deus quer mostrar que os portadores da promessa são gerados pela sua Onipotência, e não por um acidente genético.

Paralelo à virgindade corre a continência voluntária. Jeremias, por ordem de Deus, teve que renunciar ao casamento. Os essênios a praticam, sobretudo por uma preocupação de pureza legal. Mas há exemplos, como o de Judite, que manteve a sua viuvez como penitência, como o de Débora, que optou pela virgindade para ser mãe de todo o seu povo, e como o de Ana, que se recusou casar novamente para dedicar-se inteiramente a Deus.

Os profetas chamam de virgem iludida os países que afrontaram o povo de Deus: Desce e assenta-te no pó, ó virgem filha de Babilônia; assenta-te no chão, pois já não há trono, ó filha dos caldeus, porque nunca mais te chamarás a mimosa e delicada. (Is 47.1) Este adjetivo é dado também a Israel, para mostrar que sua virgindade e que sua infidelidade era flagrante: A quem afrontaste e de quem blasfemaste? E contra quem alçaste a voz e arrogantemente ergueste os olhos? Contra o Santo de Israel. (Is 37.23)

No Segundo Testamento, a virgem Israel passa a se chamar Igreja. O tema da virgindade está contido na relação matrimonial entre Cristo e sua Igreja: Cristo amou a Igreja e se entregou por ela. (Ef 5.25) A Igreja de Corinto, desviada da doutrina que lhe foi ensinada, é tratada por Paulo como uma virgem pela qual Deus tem ciúme: Porque estou zeloso de vós com zelo de Deus; porque vos tenho preparado para vos apresentar como uma virgem pura a um marido, a saber, a Cristo. II Co 11.2) Por isso, luta incansavelmente para que eles mantenham a integridade da sua fé.

A virgindade de Maria é um capítulo à parte. Antes de tudo, ela representa o elo entre as duas Alianças: ela é a filha de Sião pela qual se inicia a virgindade da Igreja. A mãe de Jesus é a única mulher na Bíblia em que o título de virgem se aplica integralmente. Maria, pela sua virgindade, assume a sorte das mulheres que não puderam conceber, e a humilhação transforma em bênção. Na Anunciação, ela que já estava inclinada a se reservar para Deus, recebe do anjo a notícia de que será mãe e virgem ao mesmo tempo. Mesmo sem entender a extensão da sua responsabilidade, aceita essa vocação pela submissão a Deus. Nela se consuma a preparação do povo de Deus que se iniciou no Primeiro Testamento. Ela é mais do que Eva, pois não é esposa e sim mãe do novo Adão.

Paulo, como opinião própria, diz que é preferível a virgindade ao casamento, pois os que permanecem virgens não tem o coração dividido. Mas Jesus fala dos eunucos que assim se fizeram pelo Reino de seu Pai, dizendo que eles entenderam que somente este Reino justifica esta drástica decisão: Porque há eunucos de nascença; há outros a quem os homens fizeram tais; e há outros que a si mesmos se fizeram eunucos, por causa do reino dos céus. Quem é apto para o admitir admita. (Mt 19.12) Este é um preceito que dá a virgindade uma dimensão escatológica de uma Igreja, que como uma virgem espera acordada e ansiosa pela vinda do seu noivo. Isso faz com que todos os conceitos de virgindade e casamento se mantenham restritos a esse mundo, porque somente na Jerusalém Celeste os que são de Cristo se farão inteira e alegremente virgens.

Ps. Os conceitos aqui emitidos nas postagens cujo título se inicia por "O que é..." são de minha inteira responsabilidade, porém, são resumos extraídos da opinião de teólogos e biblistas renomados, e estão exclusivamente relacionados ao contexto bíblico e às situações referidas por ele. Não há qualquer predisposição em aviltar paradigmas sociais ou culturais, doutrinas das várias denominações cristãs, bem como o pensamento das demais religiões.

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São Irineu de Lion

Irineu de Lion, iconografia bizantina
Muitos pastores não se dão conta, mas todos temos com Irineu uma dívida impagável. Foi este bispo e mártir do Cristianismo que preservou uma das mais importantes e significativas tradições da nossa fé: a sucessão apostólica. A sucessão apostólica é nada menos que a linha de conexão direta que faz com que uma ordenação pastoral seja uma continuidade ininterrupta da bênção que Jesus concedeu aos apóstolos, quando, ao impor-lhes as mãos, comissionou-os ao ministério da doutrina, da palavra e dos sacramentos da sua Igreja. Essa sucessão é a garantia de várias promessas, uma delas e a promessa de que as portas do inferno não prevaleceriam contra a igreja. Uma ruptura total ou parcial nesta linha pode significar que: os ministros do evangelho não se obrigam mais a serem fiéis aos ensinamentos dos apóstolos, ou que as promessas de Jesus não foram cumpridas.



Essa linha básica doutrinária foi formulada por Irineu no século II da nossa era, e teve o propósito de trazer a orientação segura e oportuna para que a Igreja se desviasse da onda de gnosticismo que a assolava incessantemente. Todo o ocultismo e tendência ao misticismo estranhos à fé cristã foram devidamente combatidos por Irineu, que trouxe de volta a doutrina simples e inteligível dos apóstolos, deixando bem evidente que qualquer um que se aventurasse a ensinar algo diferente ou contrário à doutrina que os apóstolos ensinaram, não tinha confirmado em si ou em seu ministério a integridade dessa sucessão.

Existem fortes indícios de que Irineu tenha nascido em Esmirna, na Turquia, em uma família convertida à cristã, o que explica a sua disciplina rígida na ortodoxia e na tradição da Igreja. Foi um dos mártires da perseguição levada a cabo pelo imperador Marco Aurélio. Sua morte se deu em Roma de forma desconhecida, e data de 177 d.C. Seu túmulo, na Igreja de São João em Lion, foi violado e destruído, em 1562 pelos hugenotes, nas guerras religiosas que ocorreram na Europa e Ásia Menor.

Este homem santo escreveu uma série de livros, sendo que dentre os mais importantes está a série de cinco volumes intitulada Contra as Heresias. Existem hoje apenas fragmentos do texto original em grego, mas a tradução contemporânea a esta em latim está perfeitamente preservada. Sua obra fundamenta-se no Segundo Testamento, mas deixa de citar alguns livros, dentre eles as carta a Filemom, II Pedro, III João e a epístola de Judas, que muito provavelmente não eram conhecidas ou não haviam sido escritas na sua época.

O foco da teologia de Irineu é a Unidade de Deus. Doutrina que faz frente às concepções gnósticas de demiurgos e seres intermediários entre Deus e os homens. É também enfático em afirmar que foi Deus, e não um ser menor, que criou o universo, e o mantém sob seu controle permanente. Irineu diz que a nossa salvação se dá, essencialmente, através da encarnação de Deus como homem. Ele caracteriza que a penalidade para o pecado é a morte. Deus, porém, é imortal e incorruptível, e simplesmente tornou-se unido à natureza humana através de Jesus Cristo. Ele transmite essas qualidades para nós, e elas se espalharam, por assim dizer, como uma infecção benigna. Portanto, Irineu entende a expiação de Cristo se deu através da sua encarnação, em lugar da sua crucificação, embora esta seja parte integrante da doutrina de Justino Mártir, em quem tanto se inspirou.

São Irineu nos deixou pérolas preciosas do seu pensamento, dentre elas:
Jesus Cristo nosso Senhor, por causa de seu amor superabundante, se fez o que nós somos, para fazer de nós o que Ele próprio é (Contra as Heresias Livro V, prólogo).

O Verbo de Deus se fez homem, para que o homem receba a filiação divina... Pois, como poderíamos participar da eternidade e imortalidade, se, antes, não se tivesse feito como nós o Eterno e Imortal, de modo que nossa corruptibilidade fosse absorvida por sua incorruptibilidade, e nossa mortalidade por sua imortalidade?

Com tal Igreja, por causa da sua peculiar preeminência, deve estar de acordo toda Igreja, porque nela... foi conservado o que a partir dos Apóstolos é tradição. (Contra as Heresias 3, 2).

É com esta igreja (de Roma), em razão de sua mais poderosa autoridade de fundação, que deve necessariamente concordar toda Igreja, isto é, devem concordar os fiéis procedentes de qualquer parte; nela sempre se conservou a Tradição que vem dos Apóstolos (Contra as Heresias II, 3-1-3).

Onde está a Igreja, aí está o Espírito Santo de Deus, aí estão a Igreja e o tesouro de todas as graças.


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Deus não faz nada pela metade

Ele é quem perdoa todas as tuas iniquidades; quem sara todas as tuas enfermidades; quem da cova redime a tua vida e te coroa de graça e misericórdia; quem farta de bens a tua velhice, de sorte que a tua mocidade se renova como a da águia. Salmo 103
A cura de um cego, El Greco em 1567
Texto do livro Salmos para o Espírito do rev. Jonas Rezende.
 Os poetas escreveram poemas de qualidade diferente. Alguns são mais belos e expressam com mais felicidade o pensamento de quem os concebeu. Outras poesias parecem desperdiçar a ideia original, com um tratamento sem maior inspiração. Os salmos não são exceções. Todos são importantes e cumprem um papel na vida do poeta e da comunidade, mas há alguns que nascem perfeitos no conteúdo e na forma, como o que agora partilhamos. Confira você mesmo. Embora seja uma tradução, o poema nos passa música, ritmo e beleza. E, sobre tudo, transmite a mensagem que atinge nossa vida com palavra contemporânea. Eterna. Palavra que Deus também faz dele e nossa.

Davi vive neste salmo mais um momento de mergulho dentro de si mesmo. Faz esse balanço necessário de vida comum às pessoas sensíveis e conscientes. É como se falasse diante de um espelho que não captasse apenas traços exteriores, mas vasculhasse também as suas memórias mais profundas. O rei se dirige a si mesmo, movido pelo reconhecimento e gratidão: Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e tudo o que há em mim bendiga ao seu santo nome.

O salmo mantém o tom intimista e, ao mesmo tempo, de público testemunho. É uma avaliação pessoal que bem pode se transformar, como se transformou, em um hino comunitário. Como se o rei falasse em nome de todo o seu povo. Como se um único homem interpretasse o sentimento de todos os seres humanos.

Para mim, o ponto mais sensível do salmo encontra-se no texto que abre esta página.

O rei nos mostra que Deus não faz as coisas ela metade nem para no meio do caminho. Ele perdoa as nossas iniquidades e cura as nossas enfermidades. Todas. Veja só com a hierarquia é perfeita. Primeiro, o perdão. Depois, a cura. O salmo responde até mesmo à moderna concepção de doenças que são a somatização dos nossos problemas psicológicos, porque são frutos de um monstruoso sentimento de culpa.

Fica, como você percebe, um problema: e as enfermidades tidas como incuráveis? Segundo alguns teólogos, todos os males desaparecerão do corpo de quem ressurge para uma vida perfeita. E aqui penetramos no universo da esperança.

Conta-se que um grupo de cristãos, oprimidos e discriminados, cantava mais com o coração do que com os lábios, nos seus rápidos encontros clandestinos, este salmo que nasceu deles, do seu sofrimento:

A alma e o corpo feridos
me aproximo do Senhor
que houve meus tristes gemidos
e sara toda essa dor...

A plena libertação de Deus é para todos. Experimente.


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Um dia incomum

E sucedeu que, posto o sol, houve densas trevas; e eis um fogareiro fumegante e uma tocha de fogo que passou entre aqueles pedaços. Gn 15.17
O caminho do fogo, Ed Anton (1975-)
Falar que existiram dias incomuns na trajetória do patriarca bíblico Abraão é algo que soa bastante redundante. Para um caldeu que na Idade do Bronze deixou para trás o crescente fértil da sua terra natal, para se aventurar por lugares de seca e fome constantes, o que mais podia ele esperar senão dias pouco comuns? Novidade é um elemento mais do que provável para aquele que se aventura na caminhada da fé, e com o pai da nossa fé não poderia ser diferente. Mas o que mais impressiona neste dia incomum citado neste pequeno e pouco comentado versículo do Gênesis é que não foi um dia incomum apenas para Abraão, que nesta altura dos acontecimentos ainda se chamava Abrão. Aquele, segundo a Bíblia, foi um dia incomum para todo mundo.


O que é comum após todo por do sol em todos os dias comuns é o avanço lento e progressivo da escuridão da noite vencendo a penumbra do crepúsculo. Mas não foi isso que aconteceu naquele dia: E sucedeu que, posto o sol, houve densas trevas. Aquela foi uma noite em que a escuridão pegou a todos de surpresa. Uma noite que, para quem não tinha uma explicação razoável da ciência, seria por demais assustadora. Uma noite para deixar apreensivo tanto Abrão com também toda a sua posteridade.

Uma das lembranças mais vivas e mais presentes na mente do semita antigo era a fornalha de ferro do Egito, de onde eles foram libertados: Mas o SENHOR vos tomou e vos tirou da fornalha de ferro do Egito, para que lhe sejais povo de herança, como hoje se vê. (Dt 4.20) Para eles essa era a representação mais esclarecedora daquilo que hoje chamamos de Inferno. Uma releitura deste texto a partir do Êxodo teria como conclusão que Abrão, amedrontado pela escuridão repentina, estava vendo a si, a sua família e a promessa de uma grande descendência engolida pela crepitante fornalha.

Em dias tenebrosos com esse, os hebreus recém libertos do Egito tinham apenas um pensamento: Deus nos tirou da fornalha de ferro do Egito para nos fazer padecer na fornalha de um deserto escaldante. Aqui neste texto Deus dá uma resposta estarrecedora a todos aqueles que temiam as noites tenebrosas. Deus responde ao grito apavorado dos que temiam o fogo da fornalha, também com fogo. Mas um fogo que não somente queima, mas que ilumina e caminha seguindo uma trilha predeterminada pelo próprio Abrão. Deus fez com que o tão temido e adorado Deus do Fogo lhe fosse submisso e lhe obedeça mansamente.

E o que o texto tem para ensinar a nós que não tememos mais as escuridões repentinas? Primeiramente o texto vem afirmar que nem mesmo a mais densa treva pode fazer com que o Bom Pastor, por um instante sequer, perca o seu rebanho de vista. O seu cuidado e atenção estão presentes em todas as situações, mesmo as mais tenebrosas.

Em segundo lugar, Deus sempre permite que encaremos os nossos maiores temores, para nos lembrar do quanto seria pior se não tivéssemos a ele como referência. O quanto andaríamos perdidos nas trevas da superstição.

A seguir, o que ele faz é usar precisamente o tal objeto tenebroso, contra o nosso próprio medo. Ele nos faz caminhar dentro da escuridão profunda guiados exclusivamente pela fé. Ele nos faz entrar na fornalha e permite que seu fogo nos queime, mas não permite que o fogo nos consuma.


Finalmente ele usa as consequências do medo circunstancial para nos fazer fortes diante do medo instituído e generalizado. Ficamos com a certeza que é exatamente no meio da provação que nos sentimos mais próximos, mais acolhidos e mais encorajados. A noite escura servirá apenas para glorificar o dia de sol brilhante que se seguirá a ela.

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Não aos cães e não aos porcos

Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis ante os porcos as vossas pérolas, para que não as pisem com os pés e, voltando-se, vos dilacerem. Mt 7.12
Evolução do porco, Patrick Goivin (1975-)
Os alegres e bem nutridos cães de estimação, que na realidade se tornaram membros privilegiados em muitos lares, nem sempre gozaram desta estima e afetividade nas civilizações ao longo da História. Na cultura hebraica, por exemplo, não eram mais considerados que os proscritos, que as velhas prostitutas aposentadas dos templos pagãos ou os que tinham qualquer doença de pele, que na época era chamada de lepra. Quanto aos porcos, um simples contato com qualquer um que simplesmente tivesse tido contato com eles, já tornaria essa pessoas, uma imunda pecadora, alijada do culto. Contudo, pela contundência com que Jesus faz essa advertência, podemos muito bem entender que não é dos animais ou mesmo de pessoas cuja aparência ou modo de vida semelhante a eles, que ele está se referindo neste texto. Diante da precariedade em que vivia a nação judaica, espoliada que era pelos romanos, dar aos cães qualquer coisa que não fosse resto seria um desperdício inaceitável, como também uma afronta àquele que passa necessidade.

Em uma outra ocasião ele disse a mulher sírio fenícia que não era lícito dar aos cães o pão dos filhos. Embora este diálogo não fosse condizente com o caráter de Jesus, ele nada fez além de tratar o gentio como qualquer judeu tratava os gentios, como cães infiéis. Jesus não perderia tempo chutando cachorro morto. Por isso em penso que a questão se apresenta de forma bem mais complexa. Os cães em Israel eram os animais que estavam sempre em busca de alimento. Em uma cuja dieta incluía cadáveres, até os seus próprios vômitos eram bem vindos. É sobre a voracidade com que os líderes religiosos oprimiam, em nome da Lei, o povo. É sobre esse apetite insaciável dos governantes, que produzia cada vez mais pessoas descaracterizadas, de vida e comportamento digno dos animais. Esse é o basta de Jesus contra toda iniquidade daqueles que negam ao povo as condições mínimas de dignidade humana.

Se este sermão tivesse sido pregado hoje, logicamente que não seria sobre um monte, mas às escondidas, e diria algo mais ou menos assim:
Não deem a pérola, que é fruto do seu trabalho exaustivo, para governos corruptos que no lugar de hospitais e escolas, constroem monumentos faraônicos aos deuses das celebridades sem cérebro. Que edificam estádios onde aqueles que foram comprados vitaliciamente pelas multinacionais do esporte, mas que nasceram exclusivamente pelo beneplácito de um povo cuja paixão de torcedores os faz relevar suas inconsequências. Para que cães famintos que para defenderem organismos impessoais e gananciosos se voltem contra vocês com argumentos expelidos pelas suas cloacas.

Não deem o seu santo dinheirinho àqueles que não chegaram ao poder pela competência em legislar, pela habilidade administrativa ou por uma ficha de serviços dignos à nação, mas por engodar os inocentes que ao receberem apenas o que lhes é devolvido por direito, se tornam mulas carreadora de votos como se isso fosse uma obrigação. Não deixem que aqueles que sem se esforçarem para se graduar em uma ciência benéfica à humanidade, que foram apenas bafejados pela sorte de nascerem com habilidade de chutar uma bola maior que a média, pisem com seus pés ridicularizando-os quando o ímpeto de vocês explode clamando por justiça e quando enfrentam a truculência de uma polícia burra em buscam dos seus direitos.

Se não nos bastar o que Jesus disse: Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis ante os porcos as vossas pérolas, para que não as pisem com os pés e, voltando-se, vos dilacerem. Vejam o que Santo Agostinho pensava sobre isso: Fiquem atentos “para que não se dê por caridade o que se deve por justiça”.



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Qual é a deles?

Todos os que as ouviram guardavam-nas no coração, dizendo: Que virá a ser, pois, este menino? E a mão do Senhor estava com ele. Lucas 1.66

Nascimento de João Batista, Tintoretto em 1772
A cristandade celebra hoje a Natividade de João Batista, a Voz que Clama no Deserto. O nascimento daquele que, segundo Jesus, foi o maior profeta nascido de uma mulher. Um homem cujo nascimento, vida e morte são razoavelmente detalhados na Bíblia, mas cujo ministério lança uma espessa nuvem de questionamentos sobre a atuação da Igreja atual. O primeiro dele, que foi feito pelos seus contemporâneos nesse mesmo dia e mês, ainda ecoa hoje com a mesma ênfase e intensidade: Que virá a ser, pois, este menino?

Fala-se muito hoje nas grandiosas manifestações pelo Brasil a fora. Fala-se com ceticismo, fala-se com esperança, fala-se do desdém e fala-se até com temeridade. Mas a realidade plena é que, excluindo-se a bandidagem acuada pelas UPPs, os saqueadores oportunos, os políticos eleitos ou não que vão na carona, os líderes e militantes de movimentos minoritários, os subversivos de pijama da ditadura militar, professores, médicos, bombeiros e outros profissionais do ensino e da saúde, quem sobra? Alunos do segundo grau e dos primeiros anos do curso superior, ou seja: meninos e meninas, que são quase que a totalidade desse inédito movimento.

Tudo pode ser considerado novo nesse movimento: tanto a convocação que se deu pela novidade da informática através das redes sociais; as concentrações que priorizam o entorno dos estádios de futebol onde se realiza a Copa das Confederações da FIFA; as reivindicações mais abrangentes e menos casuísticas. Mas duas coisas ainda permanecem: a injustiça social e o autoritarismo corrupto de um governo que não estava nem aí para o povo, e a pergunta a respeito da criança que se chamou João Batista, o precursor de um novo tempo, também continua a mesma: Que virá a ser, pois, este menino?

Logicamente que nada do que a imprensa diga sobre o que está acontecendo, isenta de preocupação os pais e avós desses meninos e meninas. Aqueles que viveram os Anos de Chumbo neste país sabem bem o quanto era perigoso manifestar-se contra o governo daquela época, mas cujo ranço e a descendência ainda sobrevivem entre nós. Sabiam bem o quanto as polícias civil, militar, federal e do exército eram eficientes e imediatas para encontrar um subversivo ao regime militar, denunciado anonimamente, que nunca havia sido antes visto, escondido numa caverna no interior do Mato Grosso, vestido de mulher. As mesmas polícias que hoje não conseguem prender um traficante conhecido, no morro onde estão carecas se saber que está instalada a sua central de distribuição de armas e drogas.

Mais do que a qualquer outro segmento da sociedade, esta pergunta está sendo feita à Igreja de Jesus Cristo. Mais do que qualquer outro organismo nesse país, a Igreja é responsável pelo futuro dessa nova e extraordinária geração que aprouve Deus nos agraciar. Os profetas de Deus de hoje usam tatuagem, piercing, pintam e modelam os cabelos de todas as formas e cores, mas estão traduzindo a vontade de Deus de forma avassaladora e revolucionária com a mesma veemência que o aniversariante do dia, João Batista.

Que virá a ser, pois, este menino?  Depende em grande parte da resposta que a Igreja vai dar. Se eles serão o anúncio de que o Reino de Deus mais do que nunca está entre nós, a realização da promessa de um mundo mais justo e mais humano ou se serão deixados à margem, falando sozinhos pelos desertos, enquanto que um governo ineficiente e desumano se municia de todo aparato para trancafiá-los, emudecendo para sempre as suas vozes, ou ainda cortando-lhes as cabeças do movimento, que com um mínimo de aceitação e compreensão da nossa parte, virá como nos veio o Reino dos Céus, para ficar entre nós.


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O vinde e o ide

O homem de quem tinham saído os demônios rogou-lhe que o deixasse estar com ele; Jesus, porém, o despediu, dizendo: Volta para casa e conta aos teus tudo o que Deus fez por ti. Então, foi ele anunciando por toda a cidade todas as coisas que Jesus lhe tinha feito. Lucas 8.38s
O gadareno, John Piper (1946-)
O texto bíblico de onde foram tirados esses dois versículos é de extrema complexidade. Recomendo que ele seja lido por inteiro, podendo ser encontrado no capítulo 8 do evangelho segundo São Lucas, do verso 26 ao 39. Um dos mandamentos mais conhecidos e compreendidos dos evangelhos sinóticos foi dado por Jesus em um momento de bastante tensão entre ele e seus discípulos. Jesus falava de sua iminente paixão e morte quando foi chamado à parte e repreendido por Pedro, que tentava dissuadi-lo a mudar o enredo do seu ministério terreno, evitando o confronto final em Jerusalém. Arreda-te de mim Satanás, porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens. Foi esta a resposta de Jesus, que logo a seguir ditaria o mandamento, não somente aos doze, mas a todo o povo: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. (Mc 8.31-38)


Nada é mais recomendável a um discípulo do que seguir de perto as orientações e os exemplos de seu mestre. Segundo entendemos, esse foi o convite de Jesus a várias pessoas que atravessaram o seu caminho: o jovem rico, aquele que pleiteava parte da herança do irmão, o que queria “sepultar” os pais etc. Contudo, o gadareno que mesmo sem convite se mostrou empenhado a segui-lo, Jesus diz: Volta para casa e conta aos teus tudo o que Deus fez por ti.

Talvez seja neste pequeno trecho de evangelho que se encontre uma das maiores questões com que Jesus desafia o nosso ministério: conhecermos com precisa exatidão, unicamente através da sensibilidade calcada na experiência da fé, a hora em que devemos vir atrás de Jesus e a hora ir ao mundo para testemunhá-lo.

Já falei aqui da camiseta em que está estampada a frase: “Andar com Jesus no peito é fácil, difícil é ter peito de andar com Jesus.” Se andar ao lado do mestre, seguir de perto os seus passos, quando temos todo um Testamento a nos ensinar, o exemplo decisivo dos nossos pais na fé e a história milenar de uma igreja, já encontramos essa dificuldade toda, imaginem o quanto não foram pesadas as palavras de Jesus aos ouvidos do endemoninhado de Gadara.

Aquele homem nunca antes ouvira falar de Jesus, mesmo porque no seu exílio, que era tanto opcional quanto imposto pela sociedade local, tornou nula a possibilidade de alguém chegar até ele. Situação essa muito mais agravada pela negação da vida, que se expressava na sua forma mais degradante. Aquele homem vivia nos sepulcros saciando as suas necessidades com cadáveres. Peripsema é a palavra grega usada para quem tem este tipo de comportamento. Era ele que andava nu e que transferia golpes dolorosos contra todos que cruzavam seu caminho, e na falta desses, contra si mesmo. Aquele mesmo homem, em quem não se podia pôr cadeias, que despedaçava os grilhões, que não se subordinava a qualquer lei, fosse ela dos homens ou de Deus, e que era o terror de toda uma região, encontrava-se agora aos pés de Jesus, manso, lúcido e propício a segui-lo.

Se há alguém entre que nós tem muitos motivos para seguir Jesus, o gadareno tinha muito mais. Na verdade ele tinha uma legião de motivos. Em nosso julgamento, ninguém mais indicado e mais necessitado de andar com Jesus pode ser encontrado na Bíblia. Aquele era o protótipo do discípulo perfeito, pois ele havia descido ao mais profundo abismo da degradação moral, conhecido as maiores mazelas que a alma humana pode suportar, seu comportamento era tão irracional que cabia apenas aos animais. Ele era tão perfeito como discípulo que Jesus decidiu mandá-lo à frente de todos os demais. Vai e conta apenas o que Deus fez por ti, e isso já será suficiente.


É aqui que uma vez o evangelho de Jesus joga por terra todas as minhas convicções. Nessa história mais uma vez me vejo na obrigação de rever todos os meus conceitos de vida cristã. Mais uma vez eu vejo quão grande é o abismo que me separa do ideal de vida. Ideal esse, alcançado por um homem endemoninhado, que tudo o que fez foi deixar-se ser alcançado pela graça, simplesmente colocando-se aos pés de Jesus. 

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O que é JURAMENTO?

O juramento dos Horácios, Jacques-Louis David em 1785
Uma prática comum a todas as religiões é fazer com que seus fiéis compareçam diante de suas divindades para empenhar solenemente a sua palavra: quer se trate do cumprimento de uma promessa por um beneplácito alcançado, quer seja para lhe assegurar uma bênção pretendida. Era comum entre os antigos a troca mútua de juramentos, pois estes se prestavam para todo o tipo de transação: fosse para firmar uma aliança: O Deus de Abraão e o Deus de Naor, o Deus do pai deles, julgue entre nós. E jurou Jacó pelo Temor de Isaque, seu pai. (Gn 31.53); fosse para garantir a irreversibilidade das promessas: Para que eu te faça jurar pelo SENHOR, Deus do céu e da terra, que não tomarás esposa para meu filho das filhas dos cananeus, entre os quais habito. (Gn 24.3); ou mesmo de simples decisões.


O juramento também era a garantia da verdade em uma afirmação, numa resposta a uma inquirição jurídica ou do vaticínio de um profeta. O recurso à garantia de Deus toma, muitas vezes, termina em um apelo a uma sanção no caso de perjúrio ou descumprimento do juramento: Responderam os anciãos de Gileade a Jefté: O SENHOR será testemunha entre nós e nos castigará se não fizermos segundo a tua palavra. ( Jz 11.10)

Israel recorria constantemente a juramentos atribuídos ao próprio Deus, quer para consolidar a aliança: Então, o SENHOR, teu Deus, não te desamparará, porquanto é Deus misericordioso, nem te destruirá, nem se esquecerá da aliança que jurou a teus pais. (Dt 4.31); quer para garantir as promessas incluídas nessa aliança: Jurei, por mim mesmo, diz o SENHOR, porquanto fizeste isso e não me negaste o teu único filho. (Gn 22.16) Também se invocava um juramento particular de Deus para marcar a sua autoridade. Sua fórmula era: Pela minha vida, diz o SENHOR.

Apesar de todo esse comprometimento verbal, o que mais ficou patente na história de Israel foi o perjúrio, a infidelidade e a idolatria; severamente condenadas pelo Decálogo e pelos profetas. Após o Exílio, observa-se um outro abuso: a frequência dos juramentos que põem Deus a serviço de interesses sórdidos, e é aí que os perjúrios se exponencializam: Edificaram os altos de Baal, para queimarem os seus filhos no fogo em holocaustos a Baal, o que nunca lhes ordenei, nem falei, nem me passou pela mente. (Jr 19.5)

No pensamento de Jesus o juramento se apresenta de forma complexa. No Sermão da Montanha ele determina aos seus discípulos absterem-se de juramentos: Também ouvistes que foi dito aos antigos: Não jurarás falso, mas cumprirás rigorosamente para com o Senhor os teus juramentos. Eu, porém, vos digo: de modo algum jureis; nem pelo céu, por ser o trono de Deus... (Mt 5.33s). Ele também jamais recorreu a qualquer juramento para garantir autoridade à sua doutrina, limitando as suas afirmações à fórmula comum: Em verdade, em verdade vos digo. Contudo, Jesus ataca insistentemente os casuísmos da lei judaica que propõem expedientes para atenuar as exigências do juramento: Ai de vós, guias cegos, que dizeis: Quem jurar pelo santuário, isso é nada; mas, se alguém jurar pelo ouro do santuário, fica obrigado pelo que jurou! Insensatos e cegos! Pois qual é maior: o ouro ou o santuário que santifica o ouro? (Mt 23.16s) Parece que está dizendo: É bom que não façam juramento, mas se o fizerem, cumpram.

Paulo também condena o perjúrio, assim como não utiliza as fórmulas condenadas por Jesus e nem pelas leis judaicas. Porém, recorre, sem cerimônia, às garantias divinas que lhe tocam com profundidade. Toma Deus por testemunha do desinteresse dos judeus pela sua pregação, da integridade da sua própria palavra e da sua sinceridade para com as igrejas: Ora, acerca do que vos escrevo, eis que diante de Deus testifico que não minto. (Gl 1.20)

Os demais autores mostram a mesma discrição que Jesus. Tiago interpreta o juramento como Jesus: Acima de tudo, porém, meus irmãos, não jureis nem pelo céu, nem pela terra, nem por qualquer outro voto; antes, seja o vosso sim sim, e o vosso não não, para não cairdes em juízo. (Tg 5.12). Somente a Carta aos Hebreus reconhece o valor do juramento. Pois os homens juram pelo que lhes é superior, e o juramento, servindo de garantia, para eles, é o fim de toda contenda. (Hb 6.16)

Resumindo: o Segundo Testamento transmite o pensamento de Jesus sobre a sinceridade que deve existir entre os homens, sobre o respeito à honra de Deus e sobre a gravidade dos casos para os quais se deve invocar o juramento.

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Perseguição pode ser um elogio

Quando dentro de mim me esmorece o espírito, conheces a minha vereda. No caminho em que ando, me ocultam armadilha... Livra-me dos meus perseguidores, porque são mais fortes do que eu. Salmo 142
Davi e Urias, II Guercino
Texto do Rev. Jonas Rezende.
Li o episódio de uma crônica de Luiz Fernando Veríssimo. Henry David Thoreau se encontrava preso por tem cometido um ato de desobediência civil contra alguma injustiça do governo norte-americano. Um amigo que foi visitá-lo condoeu-se da sua situação e foi logo dizendo, assim que o avistou: - Henry, o que você está fazendo aí dentro? Thoreau respondeu serenamente e no mesmo tom: - Meu amigo, o que você está fazendo aí fora?

É em situações como essa que eu chamo a perseguição de elogio. Porque significa que não compactuamos com a injustiça, denunciamos o erro, resistimos, pacificamente, ou não; corremos, enfim, o risco e pagamos o preço, às vezes muito alto. Assim, as perseguições e a morte de Sócrates, Jesus Cristo, Thomas More, Gandhi, Luther King e tantos outros, que somam seus nomes àquela galeria de mártires de que nos fala o escritor da carta aos hebreus, terminam por ficar para os torturados, como um involuntário elogio de seus torturadores. Ironias da História.

Essa era a situação que Davi se encontra, quando escreve o presente salmo. Abandonado por todos, escondido em uma caverna, como um bicho, caçado pelos homens que só respiram crueldade. O salmista vive uma aflição tão grande, que argumenta com Deus, como se fosse uma criança: tu conheces o meu caminho, sabes que não fiz nenhuma coisa errada. Entretanto, o rei tem consciência de está só. Apenas Deus se encontra de seu lado e pode libertá-lo. A súplica de Davi é comovente: tira a minha alma do cárcere, para que eu dê graças ao teu nome. Depois de orar, ele se abandona nas mãos divinas. Boas mãos. E vive essa paz interior que é possível, ainda no tumulto da vida.

Mas o salmista em momento algum perde a consciência de que está sendo injustiçado. Sofre porque agiu com correção.

Você sabe? Esse poema me conforta, quando me sinto incompreendido, mal interpretado. Tanta gente já passou por isso antes de mim. E saiu vitoriosa. Davi, o autor dessa página, me dá seu testemunho e, de certa maneira, me faço irmão dele no sofrimento. Acredito que o mesmo pode acontecer com você ou com qualquer outra pessoa, ao receber uma crítica injusta ou quando, por pura maldade, buscam destruir-lhe a imagem e até a própria vida. É uma amarga experiência, mas que redunda, involuntariamente, em elogio.

Você certamente conhece o Sermão da Montanha. Pois bem. Quando Jesus enumera as bem-aventuranças, ele previne s seguidores: vocês serão bem-aventurados quando os perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vocês. Alegrem-se, porque assim perseguiram os profetas que viveram há tanto tempo.

Em outra oportunidade, o mestre preparou seus discípulos até para morrer: bem-aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor, porque descansam de seus trabalhos e suas obras o seguem.

A perseguição injusta é um elogio àquele que é fiel. Faça você também parte dessa comunidade. Não se trata de querer sofrer por masoquismo, mas do doloroso desdobramento de uma vida ética, digna e justa. Imagino o Cristo respondendo ao apóstolo Pedro, que desejava evitar-lhe a morte:

Se me tiram a cruz, não sou Jesus.





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Dia da Igreja Congregacional

Igreja Fluminense nos anos 1930
A sua igreja tem um sistema de governo congregacional? Se os membros das igrejas locais fazem as suas decisões em vez de um bispo ou de um conselho de presbíteros de fora, então a sua forma de governo da igreja é congregacional. É uma das maneiras mais comuns que os protestantes governam suas igrejas em todo o mundo hoje. Mas quando foi que a Igreja Congregacional orientada pelo congregacionalismo efetivamente começou? Existem várias correntes de pensamento. Alguns escritores remontam às primeiras igrejas fundadas pelos apóstolos, pois esses plantavam igrejas por onde passavam e as deixavam por conta dos congregados locais, nomeando sempre um episcopus, ou bispo dirigente. No entanto, a maioria dos historiadores concebe este sistema como sendo resultante de uma maré de ideais democráticas surgidas entres os franceses do século XVI, das quais este sistema se alimentou e para o qual muito contribuiu.

Esses estudiosos costumavam apontar para o dia 19 de junho de 1567 como um dia de letra vermelha. Este foi o dia em que Richard Fitz e vários outros foram presos no Pavilhão do canalizador, em Londres. Para entender o porquê, precisamos nos lembrar das condições daquele dia. Muitos ingleses e mulheres estavam descontentes com a Igreja oficial da Inglaterra. De acordo com alguns, foi longe demais na reforma. De acordo com outros, não suficientemente longe. Parte desses últimos chamou para sai a tarefa de purificação da igreja. Eles foram chamados de puritanos. Outros queriam separaram-se inteiramente da Igreja da Inglaterra. Tornaram-se conhecidos como separatistas.

Cerca de mil quinhentos e cinquenta pequenas congregações secretas de separatistas surgiram como que do nada. Uma delas, a que era liderada por Richard Fitz e John Robinson. John mais tarde desempenhou um papel fundamental como líder dos Pais Peregrinos que vieram para a América realizar a incrível missão colonizar o Oeste dos Estados Unidos.

Mas seus movimentos são difíceis de traçar, porque os Separatistas realmente vieram à tona quando eles estabeleceram o que eles chamavam de "Privye" ou igreja particular, que não iria responder aos bispos ingleses, a Roma ou a qualquer outra autoridade religiosa. Em suma, seria governada pelo seu próprio pastor e por seus membros. Isso os colocou em rota de colisão direta com a rainha que era a chefe da Igreja da Inglaterra. Os puritanos e separatistas simplesmente abominavam a exuberância das cores, esplendor ritualista e a forma de adoração que esta Igreja praticava.

Richard Fitz e seus homens presos, um diácono e outros muitos Separatistas, no Salão do Canalizador passaram um bom tempo na prisão, acusados de praticarem atividades religiosas ilegais. Sabe-se que uma fiança, mais tarde, foi paga para que os separatistas de Fitz e fossem libertos e voltassem às suas comunidades religiosas.

Esta igreja chegou ao Brasil em 1855 através do missionário escocês Dr. Robert Kalley, que fundou a primeira Igreja Evangélica de sistema congregacionalista e de língua portuguesa no Brasil: A Igreja Fluminense, que fica na rua Camerino, no Centro do Rio de Janeiro.


Fonte: christianity.com  

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Por que odiamos os governos?

Disse Jesus: Fiquem sabendo que os governos das nações as dominam e os grandes as tiranizam. Mas entre vocês não seja assim. Mateus 20.25
A matança dos inocentes, Nicolas Poussin em 1629
Nenhum dos governos instaurados na Terra é perfeito. Estão todos abarrotados de corrupção, descontrole, ineficiência e inconsistência, e a injustiça é unanimidade. No entanto, a maioria dos pastores prega que é dever de um bom cristão ser pacifico para tornar esse mundo um lugar melhor. Fazem-nos acreditar que, através do esforço e da boa vontade, o povo e seus governantes podem encontrar paz, prosperidade e felicidade para todos. Isso é a verdade? Os cristãos receberam de Deus um poder espiritual que pode influenciar os governos deste mundo a ponto de se tornarem melhor? Será que tudo o que Jesus está esperando de você é que mande um email ao deputado que você votou, alertando-o sobre a situação caótica desse país?

A Bíblia nos ensina algo totalmente diferente. Ela nos diz que o povo não precisa de protetores e sim de quem os encha de orgulho, de quem represente os seus clamores e esperanças. Pelo menos dois presidentes nesses últimos trinta anos trocaram a imortalidade por coisa nenhuma. Dois deles tiveram quase que a totalidade do povo ao seu lado. Quem não se lembra dos fiscais do Sarney e do Plano Cruzado que iria por esse país no rumo? Isso foi trocado por apoio parlamentar dos safados. Quem não se lembra da atmosfera de esperança que viveu este país no início do governo Lula? Isso foi trocado por um copo de cachaça.

Na Bíblia lemos que o povo sabe dar valor a quem realmente tem, e que a história é sempre soberana na sua justiça. Quando o carro do Senna parou na pista de Interlagos cercado por torcedores, todos temeram pela sua segurança. Senna abriu os braços para receber o abraço do seu povo, porque ali se sentiu mais seguro do que nunca. Ele estava entre os que o amavam e ai daquele que atentasse contra ele. Por que um simples piloto é o nosso maior orgulho, e presidentes tão admirados e queridos se tornaram tão odiados e proscritos?

Depois de mim virá quem de mim bom fará, provérbio português sempre citado pelo meu amigo Jerônimo Caldas. Existe uma escalada invertida na qualidade dos governos desse país. Não são poucos os que tem saudade do governo Collor, e ainda há aqueles que gostariam que o rigor da ditadura militar voltasse. Parece até que em algum lugar do passado já fomos felizes com os nossos governantes e que já dormimos pelo menos uma única noite embalados pela justiça, seguros pela paz e gozando de plena harmonia com nossos representantes. Mas infelizmente a realidade é outra, aqui o que era péssimo tornou-se insuportável, e o que era incômodo, agora é inadmissível. O homem que matou o homem mau era mau também.

Fala-se em dar um basta, que o povo agora acordou e que deixamos de ser uma nação de inconsequentes torcedores de futebol. Mas ainda falta muito para que os nossos vândalos sejam chamados pela imprensa de manifestantes. Ainda estamos longe de sermos vindicantes legais, pois estamos ainda na informalidade daquilo que os telejornais chamam de baderna. Nós podemos muito bem fazer aglomerações nas portas de hospitais em busca de atendimento, às vezes somos até entrevistados pelas TVs. Mas jamais subir a rampa do planalto ou cercar o palácio do governo. Podemos fazer passeata para Jesus ou pelo Movimento Gay, mas não por parlamento minimamente comprometido, já que não podemos dizer honesto.

Ninguém precisa lembrar que o cristão é aquele que antes de tudo segue a Jesus Cristo e acima de qualquer lei, obedece a lei de Deus. Então, se Jesus nos garantiu que o governo de Deus já está sendo estabelecido na terra, então como é que nós os cristãos vamos obedecer e nos submeter cega e integralmente a governos corruptos, ineficientes e injustos? Diante da pregação de Jesus, qual deve ser o nosso relacionamento com o governo desse país? Continuar a acreditar no poder da boa vontade ou ficar atentos ao tipo de governo que nos está sendo imposto?

Os governos dominam as nações, mas só são tiranizadas aquelas que de Jesus não aprenderam que o mundo não pode e não deve ser desse jeito.







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Deus fez II

Bodas de Caná, Gerard Davi (1460-1523)
A resposta está em Deus, porque O que a lei de Moisés não pôde fazer porque a natureza humana era fraca, Deus fez. Ele nos perdoa quando nós confessamos nossas necessidades em vez ficarmos tentando justificar a nós mesmos. A mentalidade moralista, que conheço por experiência própria, uma vez que fui criado no rigor do puritanismo protestante americano, onde só existe o bem e o mal, o certo e o errado, o preto e o branco, é uma realidade que o brasileiro através do seu jeitinho, com toda a razão rejeita. Já nos perguntamos como o povo pode entender o que acontece num culto fundamentalista? Isso não seria um grande problema, caso a nossa mentalidade moralista não nos impulsionasse compulsivamente a mudar os outros. Caso o nosso o nosso julgamento dos outros não fosse sempre destrutivo e ameaçador. Caso a nossa melhor defesa não fosse a condenação de tudo o que não nos é familiar.

Todo mundo tem medo de ser julgado. Isso é um paradoxo. Quando nós queremos fazer o certo, nós nos tornamos juízes do bem e do mal. Óbvio que é assim. Se não fizermos esse julgamento, como escolheríamos entre o bem e o mal? Quando queremos condenar o mal ou louvar o bem, nos tornamos peritos julgadores. Quando temos a necessidade de desmascarar os maus e honrar os justos, tornamo-nos moralistas. Não existe outro jeito, é um paradoxo mesmo. Por conta disso, nós os protestantes tradicionais somos os bons moralistas, a reserva moral da nação, ou danação, não sei bem. Sabemos bem o quanto é bom se achar bom e o quanto faz bem imaginar que está fazendo o bem. O nosso viver no orgulho protestante é constantemente julgar o errado. É impossível para qualquer um de nós não fazer isso. O que não percebemos é que é essa atitude de julgamento que nos faz tão medrosos. É justamente essa atitude de julgamento que nos divide, na nossa vida secular, na nossa própria casa, e na nossa igreja.

Quantos casamentos são destruídos por causa do medo de ser julgado? Obsevem a noiva antes do casamento, o quanto está radiante. Mas por quê? Por causa do milagre do amor romântico? Pode ser, mas há também um milagre está acontecendo. Ela encontrou o homem que não a desaprova. A noiva tem a coragem de contar ao seu amado tudo que vem à sua mente. Ela se abre e conta os seus segredos mais íntimos, coisas que jamais contou a alguém. O seu amado, por sua vez, responde com sinceridade que ela é magnífica, inteligente e encantadora, e da mesma forma lhe expõe toda a sua vida, ou pelo menos quase toda. Isso acontece quando nos sentimos cercados de amor e confiança. Acontece quando não nos sentimos julgados pelos outros.

O problema é quando a Lua de Mel acaba. Quando a esposa nota que o seu marido é bastante egoísta, e ele é. Quando o marido se dá conta de que a esposa se mete em tudo o que ele faz e que fala demais sobre o que não conhece, e ela fala mesmo. Agora um começa a ver o outro como ele é e é aí que começam os julgamentos. Não há mais confissões, não há mais confiança. Cada um se fecha em si com medo do julgamento do outro. Ninguém revela mais as suas fraquezas com medo que isso se volte contra si. Cada um se esmera em reunir provas, se especializa em julgar e se acha pronto a condenar. É aí que o amor acaba.

Da mesma forma nos imaginamos diante de Deus. Imaginamos que ele está sempre pronto a nos julgar e a nos condenar. Para nós ele nunca deixou de ser aquele olho sem pálpebra que está sempre aberto e vigilante. Para nós ele nunca deixou de ser aquele Senhor severo e inflexível. Para nós ele nunca foi verdadeiramente Pai.

Pode ser que alguém interprete de outro modo, mas quando leio o que Jesus disse sobre o julgamento, não consigo entender que julgamos os outros com critérios mais rígidos do que os que usamos para nós. Entendo que os critérios que usamos para nos mesmos, os nossos critérios que entendemos ser os critérios de Deus é que são os mais inflexíveis. Por eles julgamos os outros. Mas quando o coração se abre totalmente para Deus, a sua graça incondicional, arbitrária, universal, eficiente e radical cancela e anula tanto os julgamentos que fazemos de nós quanto o que fazemos dos outros. O amor e a confiança voltam a reinar absolutas. Isso não vem de nós, não vem do que somos, do que fazemos ou do que deixamos de fazer. Vem da graça, vem de graça. O que a lei de Moisés não pôde fazer porque a natureza humana era fraca, Deus fez.

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Deus fez

O que a lei de Moisés não pôde fazer porque a natureza humana era fraca, Deus fez. Romanos 8.3a
Sermão do Monte, Fra Angelico
No livro Graça de Deus e saúde humana, Harold Hellens disse que a graça de Deus é incondicional, arbitrária, universal, eficiente e radical. Incondicional como na parábola do Filho Pródigo. Tão universal quanto à aliança que em Abraão abençoou todos os povos. Radical no sentido de atingir o ser humano quando este se encontra na sua maior indigência e separação. Arbitrária porque, assim como o Espírito de Deus, sopra onde quer e sobre quem lhe apraz. Eficiente porque todo aquele que foi alcançado por ela reivindicou de Deus outra providência.

Assim como a maldade humana, o abismo entre Deus e os homens parece crescer cada vez mais. Não seria leviano afirmar que cada fase da história humana tem conhecido e tem amargado as consequências do seu pecado. Contudo, cada um desses episódios conheceu um final. Um final que afirma sempre que apesar do pecado, Deus continua a cuidar do ser humano. O final é esse: apesar de tudo que temos feito contra Deus e contra o próximo, o final é que Deus continua a nos alcançar com a sua graça.

Até a iniciativa frustrada da Torre de Babel a Bíblia fala da humanidade em geral, mas a partir do capítulo 12 do Gênesis ela passa a focar apenas um homem, sua mulher e sua família. Abraão e Sara começam a viver debaixo da promessa de que a graça somente se consumaria no final da história da sua família. O final da promessa de Abraão anuncia o final da graça de Deus sobre a humanidade. Por esse motivo, Deus age em todo o Primeiro Testamento para restaurar o relacionamento com a descendência desse casal e para fazê-los entender que eles não eram um fim em si mesmos, mas um meio pelo qual a graça de Deus atinge a todas as pessoas.

O povo de Deus sempre teve dificuldade de sustentar em sua história uma teologia bíblica da graça. A percepção da graça foi perdida vez após vez na história. O judeus levaram aproximadamente mil anos para perdê-la; alguns cristãos, menos do que quinhentos anos; e os reformadores protestantes? Nós temos uma tendência natural, que já se tornou até compulsiva, de tentar reter em nossas mãos o controle da justificação. Para nós sempre foi uma questão de mérito. Se andamos dentro da lei, somos premiados, se escorregamos, somos punidos. Se pensamos assim, por que ainda continuamos pecando a despeito dessa equação tão simples? Mas isso está tão arraigado em nosso ser que não conseguimos pensar diferente. Somos assim porque para nós é extremamente assustador aceitarmos a graça gratuitamente. Para nós, religião se transformou em um código que determina aquilo que não podemos fazer. Usamos a Bíblia como se ela fosse um código inflexível de proibições e condenações, e aí, quando reconhecemos a nossa relação estreita como irmão mais velho do pródigo, quando aceitamos a realidade de que não conseguiremos jamais cumprir com todas as exigências da religião, fazemos as coisas se tornarem realmente impossíveis.

Ninguém conseguiu ser aceito por Deus obedecendo um código moral. Essa preocupação nossa de tentar controlar a justificação, de fazer com que a eleição de Deus seja meritória, de isentarmos a nós mesmos de toda a culpa é o que cria a mentalidade moralista. As prescrições de Jesus no Sermão do Monte parecem corroborar com a ideia de que ficaríamos livres de toda a culpa se obedecêssemos este código moral, mas o seu propósito é exatamente oposto. Ele é uma palavra devastadora que condena como homicida a pessoa que jamais assassinou alguém. É uma palavra duríssima que condena como adúltero aquele que diz não tem cometido um ato imoral sequer. É uma palavra perturbadora que revela o ódio da pessoa que tanto se orgulha do seu amor. O Sermão do Monte é uma palavra avassaladora que revela a hipocrisia da pessoa com a sua própria retidão. Ele é justamente oposto a qualquer código moral, porque nos mostra o que está faltando à nossa retidão. Ele diz com todas as letras que é totalmente impossível livramos das nossas culpas através de uma conduta perfeita.

Se a resposta não está em nós, não está naquilo que fazemos, não está naquilo que deixamos de fazer, não está nas boas ou nas ótimas intenções, onde estará então? (continua)


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A salvação continua vindo dos judeus?

Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. João 4.22s
Jacó luta com Deus, Paul Gouguin em 1888
A concepção de salvação no Judaísmo leva em conta a Teologia do Duplo Pacto, ou seja, é a salvação que vem pela graça mediante a fé em Deus Pai, mas que se manifesta na obediência a Lei. Essa visão não exclui totalmente de Jesus o seu caráter salvador, mas o limita a ser salvador apenas dos gentios, uma vez que os judeus já tem o seu salvador desde que se revelou a Moisés, e posteriormente para eles por inteiro no Primeiro Testamento ou Aliança. O Segundo Testamento ou Nova Aliança é a revelação do salvador dos gentios, da qual o judeu prescinde.


Seria o caso de pensarmos que a salvação dos judeus vem de fato dos judeus, e a nossa, os gentios, viria de Jesus, o Cristo? Considero que esta seja uma maneira tentadora de pensar, pois nos evitaria grandes conflitos de ideias, sobretudo com os trechos complicados e enfáticos da Antiga Aliança. Mas não é isso que a Bíblia nos diz. Tanto os momentos de aflição do povo de Deus no passado quanto no peso do pecado que recai sobre a consciência dos homens de hoje, clamam por um mediador único, que vem para restaurar a justiça e apregoar o Ano Aceitável do Senhor, proclamar que o Dia de Iahweh era chegado, implantar o Reino de Deus na terra, vários nomes para a mesma comissão. Portanto, neste sentido não cabe a ideia de um salvador especializado, mas sim de um salvador universal. Mas sabemos bem que isso não responde a pergunta que foi gerada pelo diálogo de Jesus com a samaritana.

Sem a pretensão de por um fim a milenar questão, gostaria fazer algumas considerações: Primeiramente, a palavra judeu não aparece nos textos originais. Ela é um neologismo da língua inglesa que não existia no tempo de Jesus. O termo mais próximo na língua falada na época fazia referência aos nativos da província da Judeia, ao sul de Canaã, da qual nem Jesus nem a maioria dos seus seguidores eram oriundos. Seria no mínimo estranho achar que Deus teria uma preferência étnica a essa altura da história, uma vez que os profetas já haviam declarado a incapacidade daquele povo. O próprio Jesus já havia dito também que Deus não faz acepção de pessoas, e sim de quem está a favor ou contra a sua justiça.

Convém dizer que a palavra gentio, que da forma que conhecemos também não era usada na época, pois não designava todos os que não eram judeus, mas apenas os infiéis ou os nascidos em nação estrangeira que adoravam a outros deuses.

Havia também um termo parecido para diferenciar os crentes que permaneciam fiéis a Deus, daqueles que já haviam sido fiéis, mas apostataram da fé, como era especificamente o caso em que os judeus enquadravam os samaritanos. É bem provável que tenha sido esta a palavra usada, não por Jesus, mas pelo evangelista para discorrer sobre esse famoso diálogo. Temos como base desse pensamento o encontro de Deus com Jacó. Quando Deus mudou seu nome para Israel, não o fez por causa da mudança do seu caráter, mas sim porque o reconheceu como um homem de fé.

Acima da prepotência de quem se julga coautor da salvação, por considerar que o versículo base fala de si ou de seu povo, está a responsabilidade daquele que crê. Jesus disse claramente que a salvação vem por meio dele: Eu sou o caminho. Mas disse também que ela é transmitida por aqueles que mantêm a sua fé viva nele, e é isso que realmente importa sabermos. Somos herdeiros de uma riquíssima herança de fé, quer seja dos judeus da igreja primitiva, quer seja dos gentios que se converteram pela pregação de Paulo. Mais importante que divagar sobre a nacionalidade ou a confessionalidade da salvação é ter a consciência de que é imprescindível para o mundo que ainda não crê, que ela venha pelo testemunho e mensagem daquele que crê, ou Deus fará com que as pedras façam isso em nosso lugar.

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O que é CONVERSÃO?

A conversão de Paulo, Michelangelo em 1545
Para dar uma resposta sintética segundo a Bíblia, diríamos que conversão é procurar o bem em vez do mal. O profeta Amós dizia: Buscai o bem e não o mal, para que vivais; e, assim, o SENHOR, o Deus dos Exércitos, estará convosco, como dizeisO pensamento hebraico, porém, conhece além desta noção de conversão, a ideia de transformação moral, na qual o homem renuncia a sua conduta individualista anterior, para aderir a um plano nacional de salvação. Como Israel era uma nação teocrática, a intensidade desta mudança dependia de um lado do ideal religioso que é proposto, e do outro do grau de afastamento desse ideal.

Na pregação dos profetas a conversão é um acontecimento universal, que abrange tanto a moral quanto a religiosidade, pois significa abandonar a relação com os ídolos, que fazia com que os homens se descuidassem das coisas de Deus. Tanto Oséias quanto Amós pregavam que a conversão deveria ser urgente, posto que o juízo de Deus aproximava-se inexoravelmente na forma de uma catástrofe nacional. Oséias e Jeremias enxergavam a infidelidade da Israel para com seu Deus, como a de uma esposa adúltera, para com a qual Deus ainda insistia em preservá-la pelo seu amor, o que não faria por muito tempo. Ainda assim, estes profetas frisavam que a conversão de Israel não poderia ser uma obra humana, mas que dependia da interferência de Deus.

O julgamento e o castigo que se aproximavam, porém, não eram as palavras finais de Deus. Depois deles viria conversão e salvação: Dar-lhes-ei coração para que me conheçam que eu sou o SENHOR; eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus; porque se voltarão para mim de todo o seu coração. (Jr 24.7)

Após o exílio nota-se a mudança para uma piedade mais individualista e legalista. A conversão passa a ser de responsabilidade pessoal, não importando tanto as atitudes alheias. Já se encontra também as primeiras noções de livre arbítrio e um conceito mais pessoal do pecado, diante dos quais o homem é soberano para optar e responsável direto pelas consequências.

Tanto João Batista quanto Jesus começaram as suas pregações com exortações à conversão motivadas pela proximidade do Reino de Deus. Os exegetas dizem que o verbo empregado por eles não tem o sentido de arrepender-se ou de fazer penitência, mas de uma reviravolta interna em todos os aspectos da ação humana. Era o fim da religiosidade externa em que importava apenas a obediência a um código de regras, e o início da consciência de que Deus exige um ideal de vida e compromisso muito mais elevado do que um cumprimento de leis pode alcançar.

A pregação apostólica, valendo-se da morte e ressurreição de Cristo, como também da missão do Espírito Santo em nosso meio, estendeu os limites da ação de Deus a todas as criaturas, e não mais se restringindo aos perdidos de Israel. A conversão deixa de ser uma mudança de atitude para ser um ato de fé, em que não somente sobre as coisas que intelecto compreende, mas aceita o sobrenatural como manifestação possível e esperada de Deus. A fé é demonstrada pela aceitação do evangelho, onde o homem passa do mundo das trevas para o Reino da verdadeira luz.


Os favores da conversão não são alcançados plenamente neste mundo. Existe uma realidade maior e mais plena do que o estado de coisas pela qual vale a pena todos os riscos e perdas. Não que necessariamente ocorram estas perdas ou que elas alcancem o limiar do suportável, mas a conversão exige que o homem esteja pronto para enfrentá-las pelo poder da fé. Paulo dizia que as perdas não tem parâmetros de comparação com aquilo que aguarda o fiel no Reino de Deus. E dizia mais: qualquer sofrimento era pequeno para quem já estava condenado, como uma ovelha, ao matadouro. Mas que em todas as coisas ele era mais do que vencedor, não pelos méritos da sua conversão, mas pelo amor de Deus que o amou quando ele ainda era um não convertido pecador.

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Um salmo sem ameaças nem ódios

Amo o SENHOR, porque ele ouve a minha voz e as minhas súplicas. Porque inclinou para mim os seus ouvidos, invocá-lo-ei enquanto eu viver. Salmo 116
Texto do rev. Jonas Rezende.
Salmo 116, www.crossmap.co.kr
Os salmos são poemas de inspiração, verdadeiras e belas orações. Mas eles registram também os medos, as culpas e as súplicas do salmista, em contextos históricos concretos. São peças que nascem em corações humanos, e frutos também de humanas paixões. Há dramas que perpassam os salmos, como acontece com as nossas próprias preces atuais. Há imprecações, ódios e ameaças, como você pode constatar se fizer uma leitura atenciosa do Saltério, o que faz desse livro não um devocionário escrito por anjos, para um coral de seres celestiais. Pelo contrário, os salmos tem impressões digitais de seres humanos mergulhados em problemas e lutas, com seus temores e sua falta de solidariedade.

Creio que é possível afirmar, sem nenhum exagero, que o poema que se encontra diante de nós é das poucas exceções. Porque é um salmo ditado apenas pelo amor, a começar dessa bonita abertura: amo o Senhor, porque inclinou para mim os seus ouvidos, invocá-lo-ei enquanto eu viver.

Volto a esta página bela e inspiradora, e lhe digo que me sinto irmão do salmista anônimo. Porque, como ele, amo sem medidas o meu Pai: de todo o coração, de toda a minha alma e de todo o meu entendimento. Gostaria, assim, de oferecer ao salmista o meu poema, que nasceu embalado pela inspiração de seu salmo. E reparto também com você a minha oração, como fazemos com o pão da mesa eucarística que o bondoso Pastor prepara para todos os seres humanos, sem distinção ou exclusão, porque todos são convidados a participar. Mas vamos ao meu salmo, cujo valor único é a busca de Deus e a teimosa esperança do amor:

Eu sei que te amo mais. Jamais bailei nos espaços e os meus pés só se elevam do chão quando sonho embalado no amor. Não me foi reservada a bênção dos místicos que respiram orações e nem precisam do lava-pés. Não ouço noite a dentro a tua voz, e em minha cabeça fervem loucuras, que gravitam ao redor de pecados que riem da minha fragilidade.

Eu sei que te amo mais. Não possuo a fé dos que caminham sobre certezas inabaláveis, e se tornam donos-escravos da verdade. Sou tangido por Descartes e a dúvida explode, sem pedir licença, quando repito o Pai-Nosso ou quando declaro a minha fé.

Eu sei que te amo mais. Não me acomodo em nenhum rebanho, nem tenho os olhos serenos e a mansa fala dos que já se encontraram, e não mais perambulam dia e noite, com insensatas lâmpadas acesas. Descreio das minhas próprias frases e sucumbo diante das iras; palavras amargas arranham-me o fundo dos olhos e a superfície dos meus sorrisos. Sinto-me irmão de todos os malditos que não respeitam a Bíblia, sentem náusea do cheiro adocicado dos incensos; daqueles que rasgam as vestes sagradas, porque desejam secretamente apressar a ressurreição do corpo ou procuram, desesperados, a intimidade de Deus.

Eu sei que te amo mais. Porque quando busco negar-te com insolência e loucura a língua se paralisa e me nega a obediência. E no Vale de Jaboque eu quero secretamente Perder.

Eu sei que te amo mais. Porque minhas perguntas me lançam no Universo, como setas e como sondas, em busca do teu coração.

Eu sei que te amo mais. Porque os meus olhos te enfrentam, os joelhos não vergam, e a boca diz Pai, e nunca mais Senhor. Amém.

Escreva também o seu salmo; registre as ideias que fervem em seu coração.


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