O que é ADVENTO?

Nascimento de João Batista, Tintoretto
Para o calendário cristão o ano termina neste sábado, uma vez que ele recomeça no primeiro domingo do Advento, que será celebrado neste dia. Como o nome sugere, é a espera de alguém que há de vir para estar conosco. Basicamente Advento é um tempo de espera e de expectativa. Mas, ainda
assim não é um tempo que sugere um estado de inanição na enfadonha tarefa de simplesmente aguardar pelo que vai acontecer, para daí então fazer alguma coisa. Este tempo que começa no quarto domingo que antecede o Natal e que termina na véspera dele, é assinalado por vários acontecimentos bíblicos que evocam decisões e atitudes para que a espera daquele que há vir seja de fato motivo de celebração.

A criativa liturgia da tradição cristã idealizou um símbolo marcante para celebração destes quatro domingos que antecedem o Natal. Uma coroa de ramos e flores onde são colocadas quatro velas equidistantes, e, dependendo da tradição, mais uma no centro, sendo que a cada domingo uma vela por vez é acesa, para que no quarto domingo no culto em que esta data é celebrada, estejam todas acesas. Aqueles que usam a quinta vela, a acendem do culto de Natal, pois esta, que é de cor diferente das demais, simboliza o próprio Jesus. Mas, como foi dito anteriormente, cada vela representa um acontecimento bíblico, que faz lembrar ao povo cristão um compromisso para com este que é simbolicamente esperado em cada Natal. Sem querer estabelecer uma sequência rígida ou única, passaremos a detalhar o que é para muitos que consideram ser esta a festa máxima da cristandade, cada uma destas velas.

A primeira vela simboliza o profetismo que anunciou há tempos a vinda do Messias prometido. Aquele que livraria o povo de Deus da opressão. Desta feita, diferentemente do que aconteceu no êxodo, não seria apenas uma libertação política, mas libertação total do homem de todas as coisas que o escravizam, inclusive da morte. O profeta que mais foi preciso em suas predições foi Isaías, que concebeu não um guerreiro poderoso, como era a expectativa reinante, mas um servo que sofre atraindo para si as dores e flagelos do mundo. Portanto, o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel. Is 7,14

Muito embora haja quem diga que Jesus, conhecedor que era das palavras deste profeta, seguiu rigorosamente um programa para fazer com que estas profecias se consumassem nele Ed no seu ministério, até mesmo estes tem que levar em conta que certos acontecimentos escapavam totalmente do controle de quem assim quisesse proceder. Por juízo opressor foi arrebatado, e de sua linhagem, quem dela cogitou? Porquanto foi cortado da terra dos viventes; por causa da transgressão do meu povo, foi ele ferido. Designaram-lhe a sepultura com os perversos, mas com o rico esteve na sua morte, posto que nunca fez injustiça, nem dolo algum se achou em sua boca. Is 53.8-9

Para a igreja cristã é o tempo de anunciar que aquele que chegou ao mundo numa aldeia obscura e distante da Palestina, quer chegar também em cada lar, em cada relacionamento e em cada coração. A igreja deve viver esta experiência do advento como esperasse algo realmente novo, e que cada Natal simbolizasse uma espera revolucionaria, que modificaria e suplantaria todos os acontecimentos dos Natais anteriores. As igrejas membro do CONIC, Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, celebram em todo o Brasil esta data de uma forma bastante expressiva. No Rio de Janeiro, no dia de hoje, acontece aos pés do monumento do Cristo Redentor, uma celebração ecumênica para onde são convocadas todas as pessoas de todos os credos. Alguns poderão dizer que não passou de mera coincidência, mas foi a partir da celebração de 2010, quando o Rio de Janeiro estava assolado por uma crise insuportável de violência, em que ônibus e carros eram incendiados por toda a cidade, creio eu, que foi através das orações e súplicas das pessoas presentes, inclusive dos turistas, que situação começou a mudar. É nesta expectativa que devemos celebrar o Advento, esperando com fé uma mudança, da qual não somos diretamente responsáveis e nem merecedores.

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O que é PARÁCLITO?

Adoração da Santíssima Trindade, Dürer
Parákletos é uma palavra que só encontrada nos escritos joaninos. De forma contrária, não encontramos nestes seus escritos o verbo parakalein, que significa suplicar, admoestar e consolar, e nem o substantivo paraklesis, que significa consolação e admoestação, como ocorre muitas vezes no Segundo testamento. O termo parakletos é exclusivamente usado por João e na sua origem grega, esta palavra que foi traduzida para o latim por do latim ad-vocatus, designa aquele
que é chamado para dar assistência, uma espécie de advogado. Mas para João ela tem o sentido de auxiliador, “socorredor” e protetor, nunca de consolador, porque para ele o Paráclito está sempre em movimento, é sempre ativo e estimulante, e não fica na defensiva. É este o nome que João dá ao Espírito Santo de Deus. João segue a linha mestra do ministério de Jesus, que intercede por nós e que nos dá assistência, por isso ele diz no capítulo 14 versículo 16 do seu evangelho que Jesus pediu a Pai na certeza de que ele enviaria outro Paráclito, o que nos faz entender que além do nome, João diz também qual é a sua função. Eu pedirei ao Pai, e ele lhes dará outro Auxiliador, o Espírito da verdade, para ficar com vocês para sempre.

Não é tão complicado entendermos a função do Paráclito porque temos um histórico de medianeiros, intercessores, anjos, messias e espíritos no Primeiro Testamento, que, segundo a teologia rabínica, exerciam função semelhante. O sentido da palavra Paráclito então pode começar a ser entendida a partir destes termos hebraicos tão difundidos em toda a Bíblia, desde que se leve em conta o novo sentido que a experiência de João a partir da revelação do evangelho o conferiu. Contudo, por mais reveladoras que são as palavras do evangelho, algumas questões ainda prevalecem. João Batista foi o precursor de Jesus, o profeta que aplainaria os seus caminhos e a voz que clamava no deserto, mas não podemos dizer o mesmo de Jesus, porque ele não foi o precursor do Paráclito. Jesus é a figura central do evangelho, nele se consuma as promessas de Deus, pois foi ele quem trouxe a revelação divina definitiva. Está a grande diferença entre Jesus e os medianeiros de todos os tempos, tanto os judaicos quanto os atuais. Mas a obra de Jesus vai muito além da intercessão e do auxílio. Ele é também o redentor, para ele convergem todas as profecias da libertação de Deus , ele é coautor e consumador toda a história da salvação. Conservemos os nossos olhos fixos em Jesus, pois é por meio dele que a nossa fé começa, e é ele quem a aperfeiçoa. Ele não deixou que a cruz fizesse com que ele desistisse. Pelo contrário, por causa da alegria que lhe foi prometida, ele não se importou com a humilhação de morrer na cruz e agora está sentado do lado direito do trono de Deus. Hb 12,2

Então, qual seria a função do Paráclito nos escritos joaninos? Nota-se que a ideia do Paráclito aparece quase sempre em contextos de julgamento, em que há necessidade de um ad-vocatus, pois ele é o defensor, o intercessor e a testemunha de defesa em um tribunal. Ele é esse alguém que apela e que fala por nós diante do tribunal de Deus e do tribunal dos homens. O Paráclito também testemunha em favor de Jesus, confirmando que ele é de fato o Filho de Deus, e que a sua condenação à cruz foi um irreparável erro jurídico, um descabido assassinato judicial. Com respeito à morte de Jesus, Paráclito também vem provar cabalmente que o seu ministério não foi um fracasso total, como intuíram as autoridades da época. Também determina que o pecado está do lado do mundo que não acreditou nele, e que levou até a morte a sua incredulidade.

Mas o Paráclito tem a sua atuação concretizada também nas classes inferiores. Ele é o tutor dos órfãos que foram deixados sozinhos no mundo. Ele é o mantenedor das viúvas, suprindo-as em sua solidão. Ele é o porto seguro do estrangeiro, que não tem pontos de referência fora da sua terra natal. Ele é também o pastor que mantém as ovelhas congregadas, a igreja unida, apesar das grandes divergências que criamos. Que deixa para trás as noventa e nove e vai atrás da desgarrada, pois é ela quem necessita mais da sua assistência. É ele quem dá ensinamento ao leigo e que prova a fé dos maduros. Quem dá direção ao aflito e segura o desamparado. Ele é a glorificação suprema do ministério triunfante de Jesus e a confirmação inequívoca da perfeita comunhão Santíssima Trindade de Deus. 

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O que é FARISEU?

Pompeu no Templo, Jean Fouquet
Os fariseus formavam um partido religioso no judaísmo, que se aplicava a estudar profundamente a lei mosaica e as tradições desta religião, para propor uma observância mais correta desta lei. Suas maiores exigências recaiam sobre a lei do sábado, os ritos de purificação e os dízimos. Para alguns o nome grego farisaios é derivado do hebraico prusim que significa separado, porque as suas práticas os obrigava a ficar rigorosamente separados dos impuros. Outros dizem que o povo em geral os chamava de “persas”,
a título de zombaria, porque a sua angelologia e a sua escatologia eram muito parecidas com as da religião persa iniciada por Zoroastro, o Zoroastrismo ou Parsismo. Mas eles preferiam ser chamados de haberin, camaradas, que fazia com eles aparentassem uma organização coesa em suas convicções e relacionamentos.

A raiz do farisaísmo remonta do hassideus, mencionados no livro deuterocanônico dos Macabeus, que eram considerados na época como os puros, porque não se deixaram contaminar pelo helenismo, e como os piedosos, porque mantiveram íntegra a sua fé no Deus de Israel. Seu líder era João Hircano I, e agiam como adversários políticos e religiosos dos profanos sacerdotes e príncipes hasmoneus.

Já na época de Jesus caracterizavam-se pela oposição a aristocracia sacerdotal dos saduceus. Embora leigos, os fariseus confrontavam tantos os sacerdotes do templo quanto os anciãos, e contavam com a simpatia do povo, que os consideravam os verdadeiros líderes religiosos, e, uma vez que o partido dos saduceus era composto pelos latifundiários detentores da maioria dos bens, eles seriam o que é hoje o partido dos democratas. Não tinham, nesta época, um programa político, e eram bastante moderados com relação à dominação romana, mas condenavam com veemência os revolucionários zelotes, pregando a ideia teocrática de que se os romanos detém o poder, foi Deus quem assim o quis.

No tocante à teologia, não negavam como os saduceus a existência dos anjos, criam profundamente na ressurreição e eram contrários às formas de culto e de justiça realizada no templo, pois eram fiéis à tradição oral, ou tradição dos antigos, a qual julgavam superior à própria lei. Com a destruição do templo e a extinção da classe sacerdotal, adquiriram também poder político, que dividiam com os escribas.

O juízo mais severo que Jesus fez a eles não foi com relação à sua doutrina, mas à sua hipocrisia e soberba. Não somente no sermão da montanha, como em Mateus 23 Jesus dedica um capítulo especial a eles. Chega a proferir sete “ais” contestando a sua conduta, o seu legalismo e a sua falsidade. Ainda que tivesse amigos entre eles, como Nicodemos, havia entre Jesus e os fariseus uma oposição inconciliável, tanto era declarada esta guerra, que os fariseus diante de Pilatos exigiram a sua condenação.

Mas é bom que se observe também a sua contribuição para com o judaísmo, e, por extensão, ao cristianismo. Basta observarmos São Paulo, o nosso mais conhecido fariseu, em seu empenho em manter a fé livre das seitas que a ameaçavam. Devemos a eles também a preservação quase que intacta do Primeiro Testamento, que sofreu ameaças terríveis por parte dos gregos, selêucidas e finalmente pelos romanos, através de Constantino. Contra eles pesará sempre o zelo exagerado pela lei em detrimento da vida, a sua ostentação de pureza que camuflava um desprezo incontido pela massa ignorante e a sua hipocrisia em tentar manter acesa uma mentalidade exclusivamente jurídica, enquanto a população, como disse Jesus, estava prestes a morrer pela falta de justiça.

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O que é NOME?

Saul e a feiticeira de En-Dor,
Alessandro Magnasco (1667-1749)
Na concepção dos povos primitivos o nome não é apenas aquilo que identifica alguém distinguindo-o dos outros. É uma parte essencial da pessoa, porque, segundo o pensamento desses povos, quem não tem nome não existe. Qualquer elemento animal, vegetal ou mineral que não tenha um nome não passa de um ser insignificante. O autor de Jó os classifica condignamente: ... cujos pais eu teria desdenhado de pôr ao lado dos cães do meu rebanho. São filhos de doidos, raça infame, e da terra são escorraçados (Jó 30.1b e 30.8). Julgavam também que o
nome além da essência deveria designar um atributo à pessoa. E é essa estreita ligação entre o nome e a pessoa que explica as diversas considerações a seguir.

O nome era como uma imagem perfeita da pessoa, onde estava o nome, ali estava a pessoa. Por que serias como homem surpreendido, como valente que não pode salvar? Mas tu, ó Senhor, estás em nosso meio, e somos chamados pelo teu nome; não nos desampares (Jr 14.9). Isso muito explica o mandamento de não se tomar o nome de Deus em vão.

O nome também era uma garantia de posse. Quando o nome de alguém era pronunciado sobre algo, este passava a ser de sua propriedade. Quando uma mulher pedia que o nome de um homem fosse pronunciado sobre ela, estava declarando o desejo de tê-lo como senhor. Sete mulheres, naquele dia, lançarão mão de um homem, dizendo: Nós mesmas do nosso próprio pão nos sustentaremos e do que é nosso nos vestiremos; tão somente queremos ser chamadas pelo teu nome; tira o nosso opróbrio (Is 4.1).

Funcionava também como salvo conduto, pois se o nome de uma autoridade fosse pronunciado sobre uma pessoa, era o sinal de que ela estava sobre a sua proteção. Era muito comum antes do conflito corpo a corpo que os guerreiros ameaçassem seus oponentes com o nome dos seus deuses. É a partir desta prática que adjetivos que conferiam poder e temor foram agregados ao nome de Deus: Poderoso de Jacó, Leão de Judá, Senhor dos Exércitos são alguns deles. Além disso, o nome também poderia ser uma garantia contra o mal sobrenatural e um meio eficaz de expulsá-lo. Falou João e disse: Mestre, vimos certo homem que, em teu nome, expelia demônios e lho proibimos, porque não segue conosco (Lc 9.49).

Contudo, a influência que o nome exerce sobre a pessoa também foi usada para fins escusos. Saber o nome de alguém ou dar nome a alguém significava possuir pelos poderes sobre esse alguém. Exatamente por isso que Deus se recusa a dizer o seu nome a Moisés. Esta relação era da mesma forma muito útil à prática da feitiçaria, pois relacionar o nome de alguém a alguma divindade má era o mesmo que atrair maldição sobre ela.

Todas essas ideias que fluem da Bíblia sobre jurar, abençoar, expulsar demônios, profetizar, falar, curar e batizar pronunciando ou invocando o nome de Deus ou de Jesus requerem muito mais do que simples balbuciar de palavras. Requerem principalmente estar ligado a ele e estar de acordo com seus princípios básicos, aquilo que chamamos de sua vontade. A responsabilidade de usar esse nome é incomensurável, porque dependendo do tamanho de universo que se é capaz de influenciar, o direito pode ser corrompido e a justiça negada. Tanto no passado como no presente atrocidades foram e são cometidas em nome de Deus. Não sou daqueles que pregam a ira de Deus, mas quando vejo como o seu nome está sendo achincalhado, e volto os olhos para o que disse o profeta Ezequiel, confesso que tenho que ficado no mínimo apreensivo. Mas tive compaixão do meu santo nome, que a casa de Israel profanou entre as nações para onde foi. Dize, portanto, à casa de Israel: Assim diz o Senhor Deus: Não é por amor de vós que eu faço isto, ó casa de Israel, mas pelo meu santo nome, que profanastes entre as nações para onde fostes. Vindicarei a santidade do meu grande nome, que foi profanado entre as nações, o qual profanastes no meio delas; as nações saberão que eu sou o Senhor, diz o Senhor Deus, quando eu vindicar a minha santidade perante elas (Ez 36.21-23).

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O que é MALDIÇÃO?

Balaão e o anjo, Henry Davenport (1836-1909)
Para os antigos maldição e bênção eram palavras mágicas que operavam o bem e o mal nas pessoas. Eram frequentemente usadas como instrumento de defesa ou de punição. O uso deste artifício era bastante difundido no oriente médio, e Israel não se absteve de praticá-lo. A diferença é que os povos
semitas atribuíam o poder de conferir bênção e maldição à divindade que cultuavam, e não a amuletos ou locais próprios. A maldição, mais ainda do que a bênção, era considerada eficiente. Uma vez que era promulgada, ela se cumpriria, ainda que seja depois de longos anos. Vem, pois, agora, rogo-te, amaldiçoa-me este povo, pois é mais poderoso do que eu; para ver se o poderei ferir e lançar fora da terra, porque sei que a quem tu abençoares será abençoado, e a quem tu amaldiçoares será amaldiçoado (Nm 22,6), daí vem a proibição explícita para que Balaão não amaldiçoasse Israel: Então, disse Deus a Balaão: Não irás com eles, nem amaldiçoarás o povo; porque é povo abençoado (Nm 22,12). Por uma bênção contrária ou pela benção de Deus a maldição poderia ser privada da sua força. A algumas pessoas, como os deficientes auditivos, estavam proibidos por lei de serem amaldiçoados, pois uma vez que eles estavam impedidos fisicamente de ouvir o pronunciamento da maldição, não poderiam defender-se dela.

A maldição transformou-se num eficiente instrumento do poder, pois quanto maior a influência do amaldiçoador, tanto maior era o temor à sua maldição. Amaldiçoava-se por qualquer motivo. Amaldiçoava-se tanto a um ladrão para que ele confessasse, como a uma adúltera para admitir o seu adultério. E esta não ficava restrita apenas ao amaldiçoado, mas estendia-se também aos seus bens, à sua família, à sua tribo ou cidade. Não era incomum o amaldiçoado ser forçado a emigrar, deixando para trás todas essas coisas, pois o amaldiçoado contaminava a terra. Se alguém houver pecado, passível da pena de morte, e tiver sido morto, e o pendurares num madeiro, o seu cadáver não permanecerá no madeiro durante a noite, mas, certamente, o enterrarás no mesmo dia; porquanto o que for pendurado no madeiro é maldito de Deus; assim, não contaminarás a terra que o Senhor, teu Deus, te dá em herança (Dt 21.22-23).

Escrever maldições contra roubos ou violações de sepulcro ou nos marcos das portas era muito comum naquela região, assim como também era comum deixar prescritas algumas maldições no caso de alguém apostatar da fé em seu deus. A maldição atinge o seu momento crítico quando passa a ser instrumento de opressão ou de exploração, fazendo com que as pessoas permanecessem submissas através da obrigatoriedade de acatarem juramentos escritos em que amaldiçoavam a si mesmas, caso não de não cumprimento.

A teologia profética tenta de todas as formas mudar este quadro desolador. Primeiramente transferindo integralmente a Deus o poder de bendizer e de amaldiçoar, tirando este poder da força das palavras de quem quer que fosse. O poder mágico da maldição se torna inócuo enquanto Deus mantiver a sua bênção. Só ele pode proteger o justo e imunizar o desamparado. Amaldiçoem eles, mas tu, abençoa; sejam confundidos os que contra mim se levantam; alegre-se, porém, o teu servo (Sl 109.28). A profecia finalmente consegue converter a maldição em um delito contra Deus. Também não deixei pecar a minha boca, pedindo com imprecações a sua morte (Jó 31.30).

Mas ainda assim nada disso foi tão radicalmente transformador quanto a mensagem de Jesus Cristo, quando nos mandou não somente abençoar os inimigos e bendizer os perseguidores, mas exigiu que os amemos como a nós mesmos e que perdoemos as suas ofensas, inclusive as maldições. Jesus sabia bem que a maldição não tem qualquer poder, por isso não se preocupou com aqueles sobre quem as maldições eram lançadas, mas sim com os amaldiçoadores. Jesus teve compaixão destes, porque quem chega ao extremo de amaldiçoar o outro, está com o coração tão ferido que só pode ser curado pelo perdão e pelo amor. As prescrições do Primeiro Testamento sobre maldição foram escritas por inspiração para que conheçamos o que é uma vida sem a orientação de Cristo. Viver sob a opressão da possibilidade de ser amaldiçoado já é em si a própria maldição. Cristo se fez maldição por nós, para que nunca mais nos deixemos nos escravizar por superstições tolas de um passado distante, de uma vida pregressa ou de uma herança maldita.

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O que é GLÓRIA?

Sarça ardente, afresco na Catedral S. Isaac, Russia
A palavra glória, no hebraico kãbôd, vem da raiz KBD e significa aquilo que dá peso, que faz ser importante e que confere estima. Deus é a glória de Israel, a floresta de cedros, a glória do Líbano, e o Nilo é a glória do Egito. Em todos esses casos a palavra glória significava aquilo que reclama do homem o respeito devido.
No entanto, a glória de Deus além da relação íntima que tem com o seu poder visível, também é o reflexo da sua santidade, para a qual o homem não pode olhar diretamente, devido ao seu inominável brilho. No Primeiro Testamento as manifestações da glória de Deus são geralmente fenômenos luminares independentes e maiores que o sol. No deserto, a glória de Deus aparece como uma coluna de fogo que ilumina a noite, e como uma nuvem que bloqueia o sol durante o dia. No Sinai, numa nuvem de resplandecência contagiosa. Quando a glória de Deus estava no Tabernáculo, não deixava espaço para mais ninguém: Moisés não podia entrar na tenda da congregação, porque a nuvem permanecia sobre ela, e a glória do Senhor enchia o Tabernáculo (Ex 40.35). Embora que pareça que isso dá à glória de Deus limitações quanto ao seu comprimento, largura e profundidade, as suas simples manifestações nos asseguram que ela vem para extrapolar todas estas dimensões, pois elas enchem também os céus com as luzes e sons dos trovões e a devastação dos vendavais. Se nos cega o sol ardente, quando visto em seu fulgor, quem contemplará aquele que do sol é Criador? Dizia um hino antigo.

Contudo, nada disso tem lugar diante da manifestação da glória de Deus na criação e no amor que tem para com o seu povo, pois diferentemente da sua Palavra atemporal, que na boca dos profetas tem por finalidade a exortação e a instrução, a glória é a confirmação da presença momentânea do seu Espírito. Daí a importância da profecia superar a da glória, pois a primeira, uma vez anunciada, não reconhece limites de tempo e espaço, ao passo que a glória é sempre pontual e circunstancial. O pecado, porém, é sempre um atentado a ambas, pois a santidade de Deus está igualmente presente tanto na sua glória, quanto na sua Palavra.

A expressão “dar glórias a Deus” não evoca em nós senão o reconhecimento dessa glória que já é sua, pois ela possui um caráter único de propriedade. Da mesma forma que ela não pode ser dada a ninguém, ninguém pode dá-la a Deus. Ela é exclusivamente sua, e somente quem não a conhece ou despreza não encontra motivos para temê-la, pois até mesmo os demônios creem e tremem (Tg 2.19)

 No Segundo Testamento encontramos estas mesmas concepções. No grego kãbôd é traduzido por doxa, que no contexto profano significa opinião ou tese filosófica, por isso o gnosticismo a usava como algo mágico que confere conhecimento. A igreja primitiva compôs diversas doxologias, em que poder salvífico de Deus era exaltado juntamente com sua santidade. Apenas uma visão tênue desta glória era, para a igreja perseguida, o prêmio supremo pela sua fidelidade. Estevão quando estava sendo apedrejado viu Cristo na glória de Deus.

A glória aqui também adquire um caráter escatológico que não está presente nos livros do Primeiro Testamento. A teologia neotestamentária é prodigiosa em afirmar que a glória conhecida até então é apenas um reflexo do que se verá na plenitude do Reino. Expressões como: “todo olho verá” e "de uma extremidade do céu até a outra” corroboram para conclusão de que a glória irá revelar-se plenamente apenas em um tempo além do nosso tempo, porque assim como o sol brilha no nosso tempo, a glória irá brilhar no Reino de Deus. Mas ainda assim o cristão é chamado a manifestar essa glória que Moisés refletiu no Sinai. Paulo nos exorta dizendo: Portanto, todos nós, com o rosto descoberto, refletimos a glória que vem do Senhor. Essa glória vai ficando cada vez mais brilhante e vai nos tornando cada vez mais parecidos com o Senhor, que é o Espírito (IICo 3,18).

Um velho professor do seminário fez um trocadilho que facilitou em muito a nossa concepção da precariedade da manifestação da glória de Deus. Além de dizer que era aquilo que sentíamos imediatamente após uma teofania, ele a comparava com um perfume no elevador. Por mais que nos impressionemos com ela, e é sempre bom que ela nos cause espanto, a glória de Deus, dizia ele, é aquilo que fica depois que Deus a kãbôd passar.

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O que é TENTAÇÃO?

A tentação do homem, Hendrik Goltzius (1558-1617)
Na Bíblia a tentação é apresentada quase que exclusivamente sob o aspecto de suas causas e fatores externos, e não como sedução ou atração para o mal, como nos acostumamos a interpretá-la hoje. É extremamente necessário que se faça esta distinção, porque no sentido de provação o sujeito do
verbo é sempre Deus, contudo, nesse último sentido o sujeito é o demônio ou a concupiscência má do homem. Quando Deus põe as pessoas à prova, o seu objetivo único é purificá-las para aumentar-lhes a fé, ao passo que os inimigos declarados dele provocam as pessoas para que elas venham sucumbir à tentação de fazerem uma escolha pecaminosa, impelindo-as deste modo para mal.

No Primeiro Testamento temos três exemplos claros desta distinção. O primeiro no Éden, quando Deus prova os limites do homem num paraíso de opções, ao passo que a serpente o impele a optar pela única restrição prescrita. Temos também a provação de Abraão, que é tentado pela consciência a oferecer seu único filho, seguindo o rigor da tradição pagã de seu povo, e clarividência de um Deus, que o desafia a ser diferente, resistindo àquele secular equívoco. Finalmente temos a provação de Jó, que ao ver seu mundo desmoronar é tentado por satanás e pelos seus três “amigos” a negar a sua convicção de retidão e a sua fé, enquanto que por Deus é provado a mantê-las imaculadas sob todas as circunstâncias. São esses exemplos que se contrapõem às convicções antigas de uma doutrina de retribuição no relacionamento com Deus. A provação de Deus não é um castigo que deve ser aceito resignada e obedientemente, é sim uma prova do seu amor e zelo para com os seus filhos. Para este Testamento, as grandes tentações do homem são a de querer rivalizar-se a Deus chamando para si os seus atributos únicos, e exigir provas do seu poder. Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais o coração, como em Meribá, como no dia de Massá, no deserto,  quando vossos pais me tentaram, pondo-me à prova, não obstante terem visto as minhas obras (Sl 95.7-9).

Para o Segundo Testamento a tentação se apresenta sob a forma de contratempos e perseguições pelas quais a fidelidade do homem é experimentada. Sucumbir a esta tentação é apostatar da fé em Cristo: A semente que caiu sobre a pedra são os que, ouvindo a palavra, a recebem com alegria; estes não tem raiz, creem apenas por algum tempo e, na hora da provação, se desviam (Lc 8,13). O perigo que as perseguições levassem os cristãos à apostasia era muito grande no primeiro século, por isso Cristo lhes é apresentado como modelo, pois mesmo diante da morte manteve-se fiel aos desígnios de Deus para a sua vida. Para os cristãos a provação deve ser motivo de alegria porque contribuem para o seu crescimento espiritual. São Paulo, porém, acrescenta uma salvaguarda importante quando diz que Deus nunca nos coloca numa provação maior do que a que podemos suportar. Diz também que o castigo para o homem perverso não é a provação, mas o de ser abandonado às suas próprias concupiscências.

Estes dois sentidos da tentação vivem em luta contínua, e a vida do cristão é basicamente travar essa incansável luta. Em última análise é a luta do Reino de Deus que Cristo veio instaurar e os exércitos de Satanás que tentam negá-lo, mesmo cientes de que a sua derrota já foi declaradamente pregada na cruz. Paulo enxergou essa divisão interna no homem bem antes da psicologia moderna. Essa compulsão para fazer o mal que não deseja em detrimento do bem que quer fazer. Essa luta é também um espelho da guerra cósmica em que as potestades do ar travam continuamente contra Deus. Jesus nos dá o antídoto definitivo contra estas forças na oração que ensinou aos seus discípulos. Essa é uma situação em que o cristão tem que estar ligado a Deus, suplicando que este não o deixe cair em tentação, principalmente a tentação vinda do mal.

Finalmente, nos é assegurado que uma vez que a tentação é vencida e a provação superada, a autêntica virtude da fé comprovada, brilha em nós, e nisso consiste inteiramente a nossa recompensa. Sob todos os aspectos a tentação é um alerta constante para a nossa vida cristã, algo que determina de que lado estamos na linha que separa o Reino de Deus do reino das trevas. Ela é nos vem de forma tão decisiva e é tão complexa que Bonhoeffer chega a dizer: A tentação é aquilo que tira todas as defesas do homem e usa armas dele contra ele mesmo

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O que é SACRIFÍCIO?

Pietá de Romanino
Sacrifício é mais uma das palavras que não encontra paralelo no Primeiro Testamento. Os termos usados por ele apontam para um objeto sagrado ou para um presente, que pode ser sacro ou profano. Existem adjetivos que qualificam o sacrifício pela sua crueza ou pelo modo como é oferecido, mas designava tanto uma oferenda a uma divindade como uma prova de submissão a uma
autoridade, como um rei ou chefe de clã. Não era uma boa iniciativa comparecer diante de um superior para suplicar os seus favores sem um presente: Não aparecerás diante de mim de mãos vazias (Ex 23.15 e 34.20). Nos tempos antigos sacrifício também podia significar a oferta de si mesmo, o que geralmente era feito através da oferta de um animal que deveria ser morto e queimado.

Em Israel podia se oferecer praticamente tudo em sacrifício. Ouro, prata, comidas, animais, desde que não fossem impuros, ou mesmo a melhor parte destes. O mais cruel dos sacrifícios era a oferta de um povo ou de uma cidade no genocídio conhecido como anátema. Todos esses presentes oferecidos a Deus tinham mais a ver com o costume regional dos povos vizinhos do que propriamente com a sua herança religiosa. Não se pode deixar de lado o fato de que tanto a literatura sapiencial como a profética condenaram com veemência as práticas pagãs entre os judeus, posto que o Deus de Israel não necessitasse ser sustentado, o que era comum aos deuses pagãos. O salmo 50 expressa com clareza de detalhes esta grande diferença.

Contudo, o principal motivo do sacrifício era tentar desagravar um delito que teria sido cometido contra a autoridade ou contra a divindade. O chamado sacrifício expiatório ou expiação. Este assunto apresenta uma divergência entre os exegetas católicos e protestantes. Estes últimos entenderam que os profetas condenaram qualquer espécie de sacrifício a Deus, enquanto que os católicos concluíram que algumas ofertas ou atitudes poderiam servir como manifestações de fé agradáveis a ele. Como este é um blog ecumênico não tomarei partido nesta questão, a não ser que seja desafiado a fazê-lo. O judaísmo entendeu que certos sacrifícios eram obrigatórios, dentre eles o corbã e a esmola. Deste modo o sacrifício perdeu o seu caráter de oferta voluntária e expiatória para se tornar um preceito legal. A destruição do templo em 586 a.C. poria fim ao sacrifício de modo geral. Sem culto, sem sacrifício.

Para Jesus a oferta ao templo tinha significado especial, mas descartou todos os sacrifícios impostos pela antiga aliança: Deus é Espírito e importa que seus adoradores o adorem em espírito e em verdade (Jo 4.24). Mas não descartou a ideia básica do sacrifício expiatório, tanto que apresentou o sacrifício de si mesmo como resgate pela humanidade. Na verdade a palavra διάσωση significa o preço que deveria ser pago pela libertação de um escravo, prisioneiro de guerra ou a alguém que teria o direito de exigir alguma coisa. A morte de Jesus é um sacrifício expiatório em sua plenitude, posto que ele deu a sua vida em resgate de muitos. Ele é o servo sofredor de Isaías, o que através de suas feridas cura os males da humanidade.

Paulo acentua que através do seu corpo sacrificado e do seu sangue derramado, Deus instituiu uma nova aliança. Por meio deste sacrifício nossos pecados foram apagados e fomos reconciliados com Deus. O escritor da Carta aos Hebreus afirma que o sacrifício de Cristo é infinitamente superior a todos os sacrifícios da antiga aliança. Num sentido mais abrangente, o sacrifício de Cristo indica que todo cristão está morto para o pecado, e que ofereceu o seu próprio corpo a Deus como oferta viva, santa e agradável expressa pelo culto racional. Um culto que condiz com a natureza racional do homem e espiritual de Deus. Os cristãos devem se tornar em um novo templo, o templo que faz as ofertas mais agradáveis a Deus.

João, porém, radicaliza o sacrifício de Cristo opondo-se a todos os outros evangelistas. João chama Cristo de Cordeiro Pascal, aquele que era imolado por ocasião da Páscoa para expiar os pecados de todo israel. Os sinóticos afirmam ter Jesus comido a ceia pascal na sexta feira, mas para João, Jesus morrera um dia antes, exatamente na hora em que no templo o cordeiro pascal estava sendo imolado. Jesus não se apresentou diante de Deus de mãos vazias, mas tendo nas mãos o seu próprio sangue.

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O que é PERDÃO?

Cristo e a adúltera, Jacopo  Robusti (Tintoretto)
Como já foi dito anteriormente neste blog, o pecador é um devedor a quem Deus perdoa a dívida. E é justamente em meio à transgressão da Aliança que Deus se revela um Deus de perdão. Humana e juridicamente o perdão não se justifica, mas o coração de Deus não é como o coração do
homem. Ele não quer a destruição do pecador, mas a sua conversão. Por mais que queiramos que este perdão circule apenas entre grupos específicos, o perdão de Deus é universal, isso é o que Jonas descobre a duras penas na saga contada pelo seu livro.

Ainda que a incondicionalidade desse perdão fosse incansavelmente propagada, a tradição profética insiste em condicioná-lo a uma mudança radical de atitude. João Batista pregava que a condição única do perdão era o batismo na água, e que este ainda era apenas um sinal de um batismo mais eficaz, pois este seria com fogo. Esta sua firmeza de opinião o fez duvidar da messianidade de Jesus, pois este perdoava indistintamente pecadores e publicanos, chegando a perguntar-lhe se deveria esperar por outro Messias. Jesus o responde com as provas mais irrefutáveis de perdão de Deus: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres lhes é anunciado o evangelho. O perdão de Jesus não estava declaradamente implícito nas curas que fazia. Estas tão somente eram um sinal de que o perdão já havia anteriormente acontecido. Nem todos os que foram perdoados foram curados, e nem todos os que buscavam seu perdão sofriam de um mal aparente.

Cristo coroa o seu ministério alcançando para os pecadores o perdão de seu Pai. Ele derrama o seu próprio sangue pela remissão destes. E é através desse sacrifício que o perdão se torna gratuito para nós. E esse é o maior poder que concedeu à igreja que perpetuaria a sua obra. O poder de ser testemunha deste perdão incondicional. Paulo disse a Timóteo: Fiel é a palavra e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal. Se um homicida perseguidor do evangelho pôde alcançar esse perdão gratuito no limite máximo da sua ira, quem mais poderia ficar fora dele?

O perdão possui características únicas. No perdão Deus rasga o escrito da dívida para que absolutamente ninguém, nem mesmo o próprio Deus, possa mais tarde apresentar qualquer prova das nossas dívidas já perdoadas, ou qualquer indício de que elas um dia aconteceram de fato. Porém, duas coisas podem torná-lo ineficaz. A nossa falta de fé na providência divina, e a nossa não aceitação da sua gratuidade. Quando imaginamos poder pagar de alguma forma pelo nosso perdão estamos tentando invalidar na nossa vida o que Cristo fez por nós na cruz. Quando achamos que o braço de Deus é tão curto que não pode nos alcançar no fundo do inferno que voluntariamente nos metemos, estamos subestimando a sua graça, pois Deus, na sua infinita bondade, pode perdoar até mesmo aqueles que não perdoam.

Jesus apresenta Deus como modelo de misericórdia. Se ele pode perdoar a quem lhe deve muito, qual é o motivo de não fazermos o mesmo com quem nos deve tão pouco? O perdão não exige condições, mas ele é a condição essencial para uma vida nova. Se quisermos nos livrar da irreversibilidade do nosso passado, que constantemente nos assombra, devemos fazer o perdão fluir através de nós. Como bem disse o cantor Fagner na sua composição chamada Revelação, que tão propriamente se aplica ao sentido mais verdadeiro do perdão quando é por nós retido:
Um dia vestido
De saudade viva
Faz ressuscitar
Casas mal vividas
Camas repartidas
Faz se revelar
Quando a gente tenta
De toda maneira
Dele se guardar
Sentimento ilhado
Morto, amordaçado
Volta a incomodar

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O que é ANJO?

Universo gnóstico, Nicolas Flammarion (1842-1925)
As duas traduções do Primeiro Testamento tem definições próprias do significado da palavra anjo. Enquanto que a Septuaginta traduz essa palavra simplesmente por mensageiro ou enviado, indicando apenas a sua função e não fazendo qualquer referência à sua origem, natureza ou caráter moral, a Vulgata
faz distinção entre um mensageiro homem e um enviado de Deus. Isso tem mais a ver com a tendência teológica do período em que o texto hebraico foi traduzido do que propriamente com o seu contexto original. No entanto, o significado desta palavra ganhou sentidos específicos para cada fase da história dos hebreus.

No princípio, antes da realeza, todos os anjos eram anjos de Deus, criados por ele e considerados como sendo a sua própria manifestação. A partir da realeza judaica eles adquirem existência própria e agem como antecessores da sua manifestação. Juntamente com a concepção da universalidade do poder de Deus veio também a ideia de uma assembleia celestial, o chamado Exército dos Céus (IRs 22.19), Filhos de Deus (Jó 1.6) ou Os Santos (Jó 5.1) são figuras independentes que agem a serviço dele, mas com acentuada autonomia. Desta concepção ficam de fora os Querubins e os Serafins, porque estes estão permanentemente na presença de Deus, com a função de servi-lo e adorá-lo.

Durante e após o cativeiro babilônico a autonomia dos anjos cresceu exponencialmente, e muitos deles passaram a ser adorados. Conforme a concepção da transcendência de Deus ia se formando, aumentava na mesma proporção a ideia de um Criador cada vez mais distante da criatura, e foi assim que os anjos assumiram o papel de intermediadores entre Deus e os homens. As revelações não vinham mais diretamente de Deus a seus profetas, mas através dos anjos intérpretes. Eles passaram a ter nomes próprios, Miguel, Gabriel, Rafael, que indicavam as funções específicas. É neste contexto que a personalidade de Satanás se transforma. Aquele que antes tinha lugar de destaque na assembleia celestial tornou-se inimigo declarado de Deus e o maior obstáculo à execução do seu plano de salvação. Uma evidência clara da deificação dos anjos está contida no Livro de Tobias capítulo 3, em que o opositor direto de Satanás não é Deus, e sim o anjo Rafael. Por conta dessa idolatria já se faz notar na literatura pós exílica uma teologia contrária que condena radicalmente esse endeusamento dos anjos. Em Jó 4.18 lemos: Eis que Deus não confia nos seus servos e aos seus anjos atribui imperfeições.

No Segundo Testamento a concepção do que é um anjo não muda muito, contudo, eles aparecem no nascimento de Jesus, são misteriosamente ausentes durante todo o seu ministério, para ressurgirem imediatamente após a sua morte e ressurreição. As cartas paulinas também mencionam funções específicas para os anjos, mas não os relacionam a Deus, e sim ao mundo adverso a ele. Em Efésios 2.2 e 6.12 são chamados de espíritos maus que habitam as regiões celestes. Em Colossenses 2, Paulo declara que Cristo desarmou, venceu e humilhou estas forças, fazendo-as desfilar derrotadas em cortejo vitorioso. Deste modo Paulo pede aos fiéis em Cristo que não se deixem levar por culto aos anjos, e nem pensem que estas forças ou divindades astrais tem poder sobre a sorte dos homens, porque Cristo, e somente Cristo, possui a plenitude da divindade.

No Apocalipse a palavra é encontrada setenta e duas vezes com uma grande multiplicidade de significados e funções. Aparecem como participantes da liturgia, novamente na assembleia de Deus, como servos de comunicação e revelação e como executores de ordens diretas. Mas ainda assim este livro desaprova a sua veneração.

As teologias docetista e gnóstica pregavam um Cristo no mesmo patamar ou mesmo num patamar inferior ao dos anjos. Os escritores neotestamentários imediatamente revidaram a esta heresia, e o seu melhor argumento encontra-se em Hebreus 1, que diz: Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade, nas alturas, pois a qual dos anjos disse jamais: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei? E outra vez: Eu lhe serei Pai, e ele me será Filho? Tendo-se tornado tão superior aos anjos quanto herdou mais excelente nome do que eles.

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O que é MILAGRE?

Bodas de Caná, Jan Vermeyen (1500-1559)
A Bíblia não contém uma palavra que possua o sentido igual ao que damos a palavra milagre hoje. A essência do milagre bíblico está ligada à sua função como sendo um sinal. Ela fala que quando Deus responde a uma oração, o faz sempre através de um sinal. Como o suplicante na sua oração não possui qualquer mérito, o
simples fato de atendê-la já é um sinal da sua misericórdia. Esta função do milagre bíblico é muito mais importante do que os chamados fenômenos sobrenaturais difíceis de provar. Ainda que assim pensassem, os israelitas sempre creditaram os acontecimentos que estão acima das leis fundamentais da natureza como sendo uma casualidade imediata de Deus. Tudo quanto aprouve ao Senhor, ele o fez, nos céus e na terra, no mar e em todos os abismos (Sl 135.6).

Como Deus era considerado autor de todos os fenômenos da natureza e de todos os acontecimentos históricos, os israelitas não distinguiam os fenômenos naturais dos sobrenaturais, pois tudo o que acontecia era segundo a sua livre vontade. O povo de Israel não fazia distinção entre milagres porque indistintamente todos eram obras do seu Deus. O poder de Deus é ilimitado, portanto, agir de modo comum ou extraordinário não lhe requer esforço algum, muito menos o favorecimento das circunstâncias. A história e a natureza só fazem realçar o que é maravilhoso, misterioso, surpreendente e espantoso no milagre. Assim eram considerados tantos os milagres do Êxodo quanto a chuva ou o trovão.

A função do milagre ou do sinal, como queiram chamar, nunca poderá ficar restrita às confirmações apologéticas, às palavras proféticas ou às provas da proteção divina particular. Não era tanto o caráter da intervenção divina que impressionava, mas a própria intervenção em si. Ou seja, o maior milagre era a presença de Deus, e quando ele se fazia presente, todas as coisas poderiam acontecer, até mesmo o milagre. Contudo, mesmo que não aconteça absolutamente nada de extraordinário, a sua simples presença já era o sinal inequívoco da sua misericórdia e a confirmação da sua glória e onipotência. Acima de tudo uma coisa eles entendiam perfeitamente. Nem mesmo os maiores milagres podem nos fazer conhecer a medida da verdadeira grandeza da essência de Deus.

Da mesma forma no Segundo Testamento, os milagres de Jesus causavam admiração e espanto, e estes são os sentidos exatos da expressão grega utilizada nos evangelhos sinóticos quando quer dizer milagre. Somente João no quarto evangelho utiliza essa palavra como se o milagre fosse o abonador da pregação e da doutrina de Jesus, bem como eram, no sentido mais amplo, a revelação incontestável da sua glória divina.

Os milagres de Jesus faziam parte da sua missão messiânica, e estavam bem de acordo com a visão do Messias que o profeta Isaías antecipara. Mesmos que os seus adversários atribuíssem tais milagres a um poder demoníaco, de forma alguma puderam explicá-los à luz da sua doutrina, porque os sinais da sua divindade extrapolavam as fronteiras de Israel e das intervenções misericordiosas de Deus. Segundo a doutrina rabínica, Israel era o único objeto do amor de Deus. Aos outros povos cabiam somente a sua vingança.

Jesus nunca se exaltou como milagreiro e nunca chamou para si o crédito dos milagres que realizava. Pelo contrário, o crédito era sempre dado ao infinito amor do seu Pai. No entanto, o que se pode observar em vários casos, é que este crédito era também dado à fé da pessoa que recebia o milagre. Pela simples expressão “a tua fé te salvou”, ele fazia com que a pessoa tivesse participação no acontecimento milagroso, fazendo com que esta pessoa sentisse a importância que tinha para Deus e para o seu Reino. O que não dá para conceber é que a totalidade das pessoas que ouviram da boca de Jesus estas abençoadoras palavras eram justamente os estrangeiros, os doentes, os marginalizados e oprimidos pela religião. Em última análise, os milagres de Deus só acontecem onde ele bem deseja que aconteçam, nunca servirão de provas da sua predileção, muito poucas vezes se darão em público, nunca ficarão restrito a grupos e nunca acontecerão em horas e locais previamente programados.

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O que é PECADO? (no NT)

Adultério, Joel Quiggle (1981-)
A primeira grande diferença que o Segundo Testamento nos mostra com relação ao pecado é que ele se apresenta de duas categorias distintas: pecados cometidos por fraqueza, que embora entristeçam o coração do pecador, não chegam a tornar o homem inimigo de Deus, e os pecados propriamente ditos, que afrontam diretamente a
Deus em sua onipotência, onisciência e onipresença, ocasionando um rompimento na ligação com ele. Para estes últimos o perdão depende exclusivamente da graça e da misericórdia de Deus, já os outros o homem obtém o perdão quando o homem age concretamente reparando a falta que cometera perdoando a si mesmo e ao próximo. Jesus expressou esta forma de obtenção de perdão algumas vezes, porém nunca tão especificamente quando falou da oferta, que deveria ser entregue a Deus apenas após a reconciliação com o irmão com que tivera um litígio.

Isto, porém não é uma definição quantitativa de pecado. Para o Segundo Testamento não existe pecadinho nem pecadão. O pecado não chega a ser uma atitude isolada, mas é antes um estado pré concebido pela consciência e que é levado a cabo pela vontade. Até mesmo o exagerado rigor no cumprimento da lei, para Jesus era considerado pecado, posto que o homem não o fazia por amor a Deus, mas sim por soberba e egoísmo, segundo o desejo do seu coração. O contrário de pecador não é justo, posto que este é um conceito meramente humano, pois justo é aquele que faz o que é bom aos olhos do homem, enquanto que o que faz a vontade de Deus ainda se reconhece como pecador.

As ênfases sobre pecado são distintas em cada teologia. Para Jesus o homem vive entre dois reinos que se opõem drasticamente: o Reino de seu Pai e o Reino das Trevas. Ele chega a exigir uma escolha posto que ninguém pode viver duplamente nos dois reinos: Não podeis servir a Deus e a Mamon. Jesus exige conversão e fé como requisitos fundamentais para o ingresso do pecador no Reino de Deus.

Para Paulo o pecado era uma compulsão interior que levava o homem a fazer justamente aquilo que ele não queria, impedindo-o de fazer o que realmente queria. Neste estado o homem se encontra afastado de Deus e impotente para voltar-se para ele. Esta é a solidariedade trágica com o inevitável da nossa existência. Só a graça de Deus pode nos libertar desta inevitabilidade, assim como somente o homem que se encontra neste estado pode ser alcançado por ela. Mas para ele este resgate não é definitivo, posto que o homem pode muito bem voltar a cair sob o domínio do pecado. Para Paulo, pecado e graça são inseparáveis.

João é o pensador mais complacente. Mesmo que considere o aspecto negativo do pecado, nunca fala em penitência ou conversão, uma vez que a revelação de Cristo é tão intensa que faz com que ele viva antecipadamente uma realidade que ainda não é plena. Porém o mandamento que eu estou dando a vocês é novo porque a sua verdade é vista em Cristo e também em vocês. Pois a escuridão está passando, e já está brilhando a verdadeira luz. Enquanto os sinóticos falam repetidas vezes em pecados, João usa preferencialmente a palavra no singular, fazendo entender que considerava o pecado a principal fonte de poder do príncipe deste mundo. João também coloca o homem entre dois mundos: o mundo do amor, que é a aproximação íntima com a fonte deste amor que é Deus, e o mundo adverso a ele, que é o mundo da mentira que conduz ao ódio.

Para o Segundo Testamento a noção antiga de que pecado é uma afronta direta a Deus não é suficiente e nem completa, uma vez que considera pecado a não obediência e a não sujeição ao seu Filho, o Redentor da Humanidade. É pela fé em Cristo que o ser humano pode viver integralmente as bênçãos do Reino de Deus, e esta sim é uma posição definitiva, posto que fora deste Reino só existem trevas, juízo e inferno.

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O que é PECADO? (no AT)

Sacrifício azteca, código de Mendoza, século XVI
Não se pode dizer que o hebreu antigo imaginava que Deus houvesse selecionado um punhado de atitudes e todas as outras que estivessem fora desta seleção seriam consideradas pecado. Pelo fato da sua concepção de pecado ser religiosa e não moral, pecado para ele era tudo que ofendia ou transgredia as atitudes prescritas nesta seleção. Mas ainda se pode observar vestígios de uma concepção mecânica e material do
pecado, como as inúmeras restrições contidas na lei, fato que foi severamente contestado pelos profetas. A narrativa da criação no Gênesis expõe com clareza que a natureza do pecado deriva da ofensa pessoal a Deus. O Gênesis não enfatiza a desobediência em si como a origem do pecado, mas a vontade do homem de rivalizar-se a Deus, de querer ser como ele. Depois desse delito o homem já não pode mais suportar sua presença, deixa para trás tudo que é saudável, corta os vínculos com a fonte da vida e se torna escravo dos seus próprios desejos e paixões. A própria terminologia que o Primeiro Testamento usa quando fala de pecado do homem usa termos como falhar, desviar e não acertar, que é de onde deriva o sentimento de culpa e ocasiona tristeza, aborrecimento e irritação a Deus.

Mas a noção de pecado progride e vai num crescendo até considerar os termos de uma aliança de confiança e obediência a Deus em que a natureza do pecado é transferida para a idolatria e para a apostasia. Como não havia ateus naqueles tempos, o grande delito dos judeus passou a ser a quebra dessa aliança através da submissão a deuses estrangeiros, o que acentuava a negação da sua fé ancestral. Esquecendo-se da aliança o povo pratica a injustiça e a iniquidade contra ele mesmo, o que vem a ser uma grave ofensa moral a Deus. Alia-se a isso também o fato de que além dos atos pecaminosos, a consciência do homem também passa a ser avaliada e os pensamentos pecaminosos tornam-se também alvo das pregações proféticas. Embora muitos destes pecados sejam, pelo Primeiro Testamento, considerados transgressões leves, passíveis de penalizações morais ou financeiras, nada eram diante dos graves pecados como idolatria, feitiçaria, adultério e homicídio, que condenavam o pecador à pena de morta ou a expulsão da comunidade.

A punição pelo pecado também aumenta na proporção da responsabilidade e do número dos que a praticam. Os profetas insistiram em afirmar que as atitudes pecaminosas do povo levariam à erradicação de cidades, de clãs familiares, da própria nação e do povo como num todo. Nem mesmo a natureza ficaria impune, pois os rios secariam, os campos seriam desertificados e os animais extintos, e tudo isso teria como origem o pecado do homem. Mas ainda assim ideia de um pecado original é estranha ao Primeiro Testamento. Em nenhum dos seus textos podemos encontrar a menção de que um castigo pesasse sobre todos os homens em virtude de uma culpa comum, que é o que fundamenta a doutrina de pecado original.

O judaísmo tardio posprofético tende a conceber uma relação do homem com Deus em uma espécie de tribunal. Em termos jurídicos, pelos seus pecados, o homem passa a ser devedor de Deus, e somente este pode perdoar ou manter em aberto esta conta. Este pensamento se expressa principalmente na conclusão de que perdoar pecados era perdoar dívidas. Uma consideração extremamente pertinente, mas que foi habilmente manipulada pela doutrina da retribuição, que vem dizer que o homem pode sim pagar pelos seus pecados, caso dê em troca algo tão precioso para Deus que valha o perdão da sua dívida. Isso mudaria até mesmo a noção primitiva do sacrifício animal, em que o sangue do bode expiatório servia para encobrir os pecados para que Deus não mais os visse, e o banimento do bode emissário para o deserto, para que Deus se esquecesse deles. Através deste demoníaco argumento o homem imagina ter adquirido poder de barganhar com Deus o perdão. Uma relação em que o arrependimento, a penitência e a reparação foram banidos para o esquecimento juntamente com o segundo bode. 

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O que é ALMA?

 A psyché homenageada pelo povo, Luca Giordano
No Primeiro Testamento a maioria das vezes em que aparece a palavra alma ela está sendo traduzida da palavra hebraica nefesh, cuja raiz NFS é a mesma raiz do verbo respirar ou soprar. Porém, representando mais do que uma ação, ao pé da letra nefesh significa garganta, que é de onde procedem o sopro e o hálito, onde a aflição dá os
seus primeiros sinais, e é o canal por onde se supre as necessidades físicas de alimento, água e respiração. Muito embora entre os povos pagãos costumava-se dizer naquela época que a vida, e juntamente com ela a alma, estavam no sangue, para os hebreus o nefesh também assumia algumas vezes esse sentido, podendo até significar o próprio indivíduo por inteiro. O sangue na tradição judaica ocupava mais o lugar de mantenedor da vida, daí as proibições e restrições à sua ingestão ou contato. Dizia-se sempre: o sangue é vida e a vida pertence a Deus. O sangue não possuía o mesmo valor ou autonomia que o nefesh, pois este podia contaminar terceiros ou ser contaminado por eles, mas o nefesh estava sob inteiro domínio do seu dono e era de sua total responsabilidade.

O nefesh manifestava desejos que iam além das necessidades básicas da pessoa, tais como acúmulo de bens, relacionamentos e sentimentos. O nefesh estaria para o homem na mesma relação que o rûah (Espírito) estaria para Deus. Mas esta relação não encontra respaldo em muitos estudiosos, posto que estes relacionam o nefesh à vida vegetativa, coisa que Deus não possui, e a rûah à vida espiritual. Numa concepção que pode causar grande estranheza entre nós hoje, os antigos imaginavam que o nefesh poderia subsistir fora do corpo do homem após a sua morte, e até mesmo ir parar nos infernos, podendo ser de lá tirada somente por uma manifestação da graça de Deus. Como poderíamos imaginar uma garganta viva fora do corpo? Deve ser daí que vem a antiga tradição de se dar o nome de alma aos habitantes do mundo dos mortos. Antiga, porém, em desacordo total com a Bíblia, porque para ela nefesh mêt não significa a alma de um homem morto, e sim homem morto. Os antigos israelitas acreditavam que o nefesh não morria, apenas diminuía as suas atividades, e que nesse processo, o nefesh ia ao encontro dos seus ancestrais, crença que deu origem à tradição de que o morto seja sepultado no túmulo da família. Como o Primeiro Testamento não faz qualquer alusão à pré existência da alma, devemos concluir que eles concebiam que esta nascia com o indivíduo, no entanto, se era gerada pelos pais na concepção, como pensam os protestantes, ou se era dada por Deus, que possui um estoque ilimitado de almas, no nascimento, como afirmam os teólogos católicos, é uma questão que estas tradições cristãs ainda vão discutir muito entre si.

O Segundo Testamento não acrescenta muita coisa ao sentido original. A palavra grega psyché possui profundas semelhanças com o nefesh, daí a sua tradução na Bíblia ser também alma. Num sentido mais requintado pode significar também mente ou pensamento, mas o que é interessante, é como esta mesma palavra pode ter dois significados na boca de Jesus. Uma hora ele diz: Quem quiser achar a sua “psyché”, perdê-la-á (significando vida), mas no mesmo contexto da afirmação anterior ele diz também: De que vale o homem ganhar o mundo todo e perder a sua “psyché” (significando alma).

Mas o Segundo Testamento faz algo impensável ao Primeiro. Por várias vezes coloca a psyché em oposição ao corpo. Quando o homem antigo pecava, o seu corpo e a sua alma estavam inteiramente comprometidos com o pecado. Tanto alma quanto corpo concorriam para este fim. Somente a partir da influência grega no Segundo Testamento que os pensadores cristãos passaram a se esforçar para manter a psyché, que era boa, distante e isolada do soma (corpo) que era mau. Era essa relação de sujeição ou não à vontade do corpo carnal é que iria determinar se receberia prêmios ou castigos na vida vindoura. Em um voo mais estratosférico, alguns pensadores, como Paulo e o autor da Carta ao Hebreus, acrescentam ainda um outro elemento à natureza humana, o seu espírito. Mas este será assunto de uma próxima reflexão. 

Apesar de tudo que se disse, apesar dos gregos e dos hebraicos, acho que a complexidade da alma exige uma definição simples, simples como a definição dada por Mário Quintana. Alma é essa coisa que está sempre nos perguntando se a alma existe.

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O que é EUCARISTIA?

Última ceia, Tintoretto
Eucaristia, conhecida no meio evangélico com Santa Ceia ou comunhão, é um sacramento reconhecido e praticado por católicos, protestantes e ortodoxos em todo o mundo. Sua origem remonta à Ceia Pascal, data em que os judeus celebram a libertação da
escravidão egípcia para a liberdade da Terra Prometida. Esta ceia tem por finalidade relembrar aquele momento de grande apreensão e fé, através de uma refeição rápida, feita com roupas de viagem, como quem está saindo às pressas. Pão não fermentado, um cordeiro sem defeitos, assado inteiro sobre brasas e ingestão de ervas amargas para enfatizar a amargura do cativeiro, com um detalhe: nada pode sobrar para o dia seguinte. É realizada apenas uma vez por ano, durante sete dias e não assinala o início do ano deste calendário, como muitos pensam. Quanto à raiz da palavra páscoa há controvérsias. Alguns a traduzem por passagem ou fuga, mas outros a relacionam ao ato de pular ou mesmo claudicar, significando que o anjo da morte pulou ou não visitou a casa dos hebreus que pintaram seus umbrais com o sangue do cordeiro, quando aconteceu a praga da morte dos primogênitos. Na tradição pagã, que é anterior a dos judeus, assinalava a passagem do sol sobre a constelação de Capricórnio ou da Lua pelo seu ponto mais alto.

Embora o ritual instituído por Jesus tenha diferenças claras e propósitos distintos, ele foi celebrado pela primeira vez na última Páscoa judaica que Jesus celebrou com os seus discípulos, e praticamente nenhuma relação tinha com ela, nem no sentido e nem nos elementos. O dia da semana não pode ser precisado devido à variedade de calendários vigentes na época. Nem mesmo os evangelhos tem consenso sobre o dia em que Jesus celebrou este rito. Para o calendário essênio ocorreu numa terça feira, para João numa quinta e para os sinóticos na sexta. Apesar se ser também uma celebração em memória, não faz alusão apenas a um fato ocorrido no passado, mas à memória de quem está presente no simbolismo do pão e do vinho. Contudo, possa à primeira vista parecer um ritual semelhante, ela tem profundas diferenças no que representa para os católicos e ortodoxos e no que representa para os protestantes, simplesmente por causa de um dogma. Para os católicos e ortodoxos na consagração dos elementos da ceia acontece a transubstanciação, ou seja, o pão se transforma de fato no corpo de Cristo e o vinho no seu sangue. Para os cristãos reformados e para aqueles que seguem as tradições da Reforma Protestante, tanto o pão quanto o vinho são apenas simbolismos destes elementos.

Não é objetivo desta postagem, muito menos desse blog discutir essa milenar questão, portanto, vamos nos ater ao que é do senso comum neste sacramento. Em primeiro lugar ele não é uma sugestão ou recomendação, é uma imposição. Jesus disse comam e bebam. Apenas isto já foi suficiente para que muitos cristãos fossem condenados às arenas romanas. Na igreja primitiva ele era servido apenas aos iniciados ou batizados, o que levou a população a crer que praticavam ritos canibalescos, pois se reuniam secretamente para comer o corpo e beber o sangue de um tal Jesus.

Fora do contexto judaizante da igreja de Jerusalém e as igrejas por ela administradas, não encontramos esse rigor. O apóstolo Paulo às suas igrejas de predominância gentílica faz somente uma restrição ao seu acesso: que a pessoa tome consciência do ato que está praticando, pois bem disse ele: Aquele que come o corpo e bebe o sangue de Jesus sem discernimento, come e bebe a sua condenação, pois se torna réu neste sacrifício. Isto muitas vezes é confundido com estar devidamente habilitado a participar dela, o que é um erro nefasto. A ceia não é uma ocasião para os que possuem uma conduta reta propagarem a sua retidão. Pelo contrário, ela é a confissão mais humilde do miserável pecador que encontra nela uma nova chance para recomeçar.

Este é um memorial que se fundamenta na saudade. Saudade de quem está presente, mas não completamente. Saudade de um coração que almeja estar em comunhão com o seu criador, mas que para isso necessita frequentemente desta intermediação, pois a ceia, como disse Wesley, é um dos principais canais por onde Deus nos comunica as suas bênçãos.

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O que é BATISMO?

Batismo de neófitos, Capela Brancaci, Itália
Além de ser o dia em que os bebês levam os pais, tios, avós e padrinhos à igreja, também serviu para dar forma ao apelido de um tal João, que depois disso ficou conhecido como Batista. Mas o que é o batismo na verdade?

Muito antes de Cristo não poucas religiões da Índia, do Egito e da Mesopotâmia utilizavam-se esta prática como um ritual de iniciação, que tinha por finalidade lavar as impurezas da pessoa para que essa pudesse ingressar pura na religião. Nem sempre levavam em conta o aspecto moral, mas representava, na maioria
das vezes, a passagem de um tipo de vida para outro, através de um aditivo que a alma recebia neste ato, que se supunha conferir algum dom, até mesmo a imortalidade.

No judaísmo não era praticado uma vez só, como no Cristianismo. Certas doenças ou contaminações exigiam banhos de purificação, e isso se estendia também aos objetos que as pessoas contaminadas tocavam. Os judeus também batizavam os prosélitos, indivíduos que não nasceram judeus e queriam se converter ao judaísmo. Um judeu filho de judeus não precisava passar por este ritual, a não ser pelos casos citados acima. Algumas seitas oriundas do judaísmo, como a dos essênios, tinham o batismo como seu ritual supremo, acima da circuncisão, pois, para eles, até mesmo os circuncidados eram considerados pagãos.

Dentre os grandes “batizadores” do passado surge o nosso conhecido João Batista como o mais importante deles. Basta notar que todos os evangelhos referem-se ao batismo de Jesus, realizado por ele, como sendo o início do ministério terreno do Filho de Deus. Diferentemente do batismo pagão, o batismo de João era essencialmente moral, onde a justiça prevalecia sobre qualquer outra instituição, inclusive o Templo. Mas João tinha a plena convicção de que o seu batismo não era definitivo, o seu batismo era apenas o precursor de uma forma de batismo ainda mais elevada, Ele dizia que batizava com água, mas que depois dele viria um que batizaria com o fogo do Espírito de Deus, um enviado de Deus do qual ele não era digno nem de desatar as sandálias.

E o batismo cristão, o que é afinal? É comum ouvirmos que é um sacramento. Mas o que é um sacramento? Para os católicos eles são sete, mas para os protestantes apenas dois, e o batismo está em ambas as listas. É comum se ouvir também que o batismo é um sinal visível de um dom ou graça invisível. Traduzindo: é um sinal exterior, um ritual imanente, visível e presente, de uma bênção gratuita transcendente, não visível e não aparente. Ninguém ao ser batizado recebe uma auréola ou duas asinhas. O batismo é um sinal da predisposição de uma mudança interior para os adultos, e um compromisso bilateral, da família e da igreja, em educar e ajudar a formar o caráter da criança nos princípios da fé cristã. Uma curiosidade sobre o batismo é que não o testemunhamos como indivíduos, mas sim como igreja de Cristo. Por isso, quando o celebrante pedir que assumamos o compromisso de assistir ao batizando, a velha desculpa de não fazê-lo porque poderá nunca mais vê-lo, é completamente descabida. Termos o compromisso não somente com este, mas com todos os batizados em igrejas cristãs, seja de que denominação for.

O batismo não precisa necessariamente ser realizado por um sacerdote ordenado. Embora isso seja preferencial, em casos extremos ele pode ser realizado por qualquer pessoa, uma vez que não é o celebrante que o torna eficaz, mas a Trindade augusta em nome de quem ele é batizado. Isto não é exatamente uma regra. Algumas denominações, por questões meramente doutrinárias, só aceitam o seu próprio batismo, e quando recebem em seu rol membros de outras denominações, estes devem ser rebatizados. Talvez tenha sido por isso que Jesus não realizou nenhum batismo, e Paulo se esquivou ao máximo de realizá-lo, para que estes batizados não se sentissem privilegiados ante os demais.

Quanto à forma existem três: por imersão, por aspersão ou por derramamento. Algumas igrejas aceitam todas as formas, algumas apenas uma. Todos igualmente alegam possuir respaldo bíblico para assim o fazerem, e todos tem igualmente razão. Meu velho pai quando defendia o batismo por aspersão dizia que nos dois batismos por imersão narrados na Bíblia, os batizandos se deram mal. Um foi no dilúvio e o outro foi na travessia do mar Vermelho.

Em breve você poderá linkar as palavras grifadas com as postagens que a ela fazem referência neste blog.

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Felizes os perseguidos por causa da justiça

Santos mártires, ícone medieval
Felizes as pessoas que sofrem perseguições por fazerem a vontade de Deus, pois o Reino do Céu é delas. Felizes são vocês quando os insultam, perseguem e dizem todo tipo de calúnia contra vocês por serem meus seguidores. Fiquem alegres e felizes, pois grande recompensa está guardada no céu para vocês. Porque assim perseguiram os profetas que viveram antes de vocês. Mt 5.10-12

Finalmente chegamos à bem aventurança da perseguição, uma bem aventurança de duplo sentido. Nela estão incluídos todos os que são perseguidos por praticarem e fazerem valer a justiça, como aqueles que são perseguidos por serem fiéis discípulos de Jesus. Tanto um como outro são elevados por Jesus à categoria de profetas do Deus altíssimo, não tanto pelo seu conhecimento das Escrituras, nem pelo seu zelo doutrinário ou pela sua correta disposição dos credos e postulados teológicos, mas por entregarem as suas vidas à promoção da justiça, que, em última análise, depois do amor, é o principal mandamento de Deus expresso em sua vontade. Jesus não é nem um pouco comedido nesta comparação, uma vez que fala que estas pessoas de hoje estão passando pelas mesmas perseguições das pessoas que era profetas antes delas. Jesus além de torná-la atemporal, promove uma verdadeira universalização destes bem aventurados, garantindo a todos uma menção honrosa no Reino de seu Pai.

Contudo, eu queria focalizar apenas um aspecto desta bem aventurança, o aspecto em que Jesus coloca a verdade como sendo uma condição fundamental, principalmente para aqueles que são perseguidos por pregarem a sua palavra, tendo como fundamento das acusações mentirosas e injuriosas. É importante que se observe isso porque hoje em dia a grande maioria dos pregadores é perseguida, mesmo que seja encontrada pregando a mensagem do evangelho, mas através de denúncias bem fundamentadas na verdade. Estes, na realidade não estão sendo perseguidos por anunciarem a vontade de Deus para os outros, mas através de perseguições que se tornaram justas e merecidas pela sua conduta reprovável segundo as leis humanas. Não está sendo questionada a verdade da sua pregação, mas a autoridade que estes, que se autodenominados profetas, reivindicam para si, colocando-se em posição ainda mais elevada do que aqueles que o próprio Jesus chamou de profetas tão somente porque se empenham na causa da justiça. Numa busca incessante que invariavelmente denuncia o ministério distorcido destes pregadores do evangelho.

Uma vez que por serem o que são, pregadores das verdades de Deus, ousam se colocar acima do bem e do mal, amaldiçoando aqueles que, pelo seu zelo pela justiça, colocam o seu ministério contra a parede. Para uma compreensão melhor da situação, o que temos hoje são profetas de Deus, que não estão ligados a qualquer igreja, denunciando os “profetas” de Deus que lideram a maioria destas igrejas. Por uma questão que jamais entenderemos os motivos, os ditos profetas recebem o seu galardão em vida, logicamente que não é nem de longe o galardão prometido por Jesus Cristo aos destinatários desta bem aventurança. É um galardão humano, calcado nos valores deste mundo, como jatos particulares, carros luxuosos, mansões no exterior etc. São reconhecidamente bem aceitos e bem recebidos. Tem os seus nomes e atitudes homenageados pelos governos iníquos. Influenciam milhares de eleitores a escolherem os candidatos que representam os seus interesses particulares. E em absolutamente nada arriscam o seu prestígio e fama.

Como disse Jesus, estes já receberam a sua recompensa. Por assim dizer, foram excluídos das bem aventuranças, para assumirem lugar nos ais que vem a seguir a elas. Mas ai de vós, os ricos! Porque tendes a vossa consolação. Ai de vós, os que estais agora fartos! Porque vireis a ter fome. Ai de vós, os que agora rides! Porque haveis de lamentar e chorar. Ai de vós, quando todos vos louvarem! Porque assim procederam seus pais com os falsos profetas (Lc 6.24-26). Mas se o que foi exposto ainda não ficou claro, encerro com as resumidas, porém objetivas palavras de Karl Barth, considerado o maior teólogo do século XX: O falso profeta é o pastor que agrada a todo mundo.

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