“ABíblia é completa ou algumas partes delas estão faltando? Por que sempre houveaqueles charlatães querendo publicar e vender estas partes perdidas da Bíblia?Também sempre houve aqueles que têm experimentado visões alucinatórias paradepois nos dizerem que somente eles têm a revelação de Deus em Jesus Cristo. A pergunta é esta: A Bíblia é mesmo incompleta? Falta nela ainda alguma coisa? NÃO!MIL VEZES NÃO!”
Estaé a introdução de um sermão do rev. Bill Garrison de um sermão sobre o FilhoPródigo, e deveria ser também o posicionamento do cristão diante dessa questãoestá sendo levantada entre nós hoje: Pode a descoberta de algum novo evangelho abalarou mesmo alterar a mensagem contida na Bíblia, principalmente o que aprendemos nos quatro evangelhos?
Muito embora a resposta continue sendo mil vezes não, temosque admitir que existe uma profunda diferença entre não ter dúvidas quanto àsuficiência da Bíblia e não estar atento ao mal que este textos estranhos a elapodem causar à nossa doutrina.
Muito embora a resposta continue sendo mil vezes não, temosque admitir que existe uma profunda diferença entre não ter dúvidas quanto àsuficiência da Bíblia e não estar atento ao mal que este textos estranhos a elapodem causar à nossa doutrina.
Desdesempre, Deus tem capacitado a sua igreja para exercerem um duplo propósito:pregar a sã doutrina e refutar as heresias. É a luta eterna entre o profeta e ofalso profeta. Sempre existirão, contudo, pessoas que, tomadas por sentimentode piedade, afirmarão ser uma grande perda de tempo discutir questões comoesta, porque não leva a lugar algum, ou ainda, porque não edifica. Seriaoportuno então perguntarmos: porventura, temos alguma pretensão de sermos maisespirituais do que os apóstolos? De sermos mais fiéis do que os PaisApostólicos? Mais zelosos do que os homens e mulheres que, no alvorecer da fécristã, tão aberta e incansavelmente debateram estes assuntos com suascomunidades, como nos testificam a Bíblia e os escritos dos primeiros séculos?
Estámais do que na hora da igreja colocar em pauta esta questão. E a recente descobertado evangelho de Judas tem se mostrado bastante apropriada para conferirmos atéque ponto essas doutrinas heréticas e nocivas à fé cristã, têm se perpetuado einfluenciado o modo de viver o verdadeiro evangelho de Cristo.
Antesde qualquer iniciativa de resposta, vamos rever quem eram, e no que acreditavaesse grupo de pessoas para quem o evangelho de Judas foi dirigido. Para que nãofiquem dúvidas, há indícios bastante fortes de que o evangelho de Judas é um textoautêntico, do século III, e foi compilado de um original mais antigo ainda. Foicomposto por um grupo de pessoas que convivia bem de perto com as igrejascristãs dos primeiros séculos que se auto denominavam cristãos gnósticos.
Quemeram esses gnósticos?
Emque acreditavam?
Oque é vem a ser a sua doutrina, o gnosticismo?
Porque se diziam cristãos em sua época?
Osgnósticos tinham por regra de fé alguns fundamentos: Acreditavam que o mundo,sendo imperfeito e mau como é, não poderia ter sido criado por um Deus supremoe perfeito. Acreditavam que ele fora criado por uma emanação imperfeita desse Deus,um demiurgo ou um deus menor, que nada mais era do que o próprio Deus do AntigoTestamento.
Cristoera uma revelação do Deus supremo, até então desconhecida pelos homens. E porser uma emanação direta do Deus perfeito, não poderia ter existido entre nós emcarne e osso, como qualquer mortal imperfeito. Sua presença entre nós se deusob a forma de um espírito, que se apossou por adoção do corpo de um homemchamado Jesus como habitação temporária. Cristo veio ao nosso mundo mau para revelar,a uns poucos escolhidos, esse Deus supremo e perfeito, para que eles,exclusivamente através da assimilação deste conhecimento, pudessem ter com elecomunhão e por ele serem salvos. Após a exaltação de Cristo e da sua ascensãoao mundo superior, foi enviada ao mundo uma dispensação especial do Deussupremo, com a finalidade de dar continuidade a essa forma de conhecimentod´Ele.
Osgnósticos afirmavam possuir um conhecimento, no grego gnósis, que, emúltima análise, não é o conhecimento advindo de estudos, análises e reflexõescomo entendemos, mas o conhecimento que é adquirido de uma forma sobrenatural,mágica e mística.
Paraeles a salvação tinha três níveis. No primeiro e mais alto estavam osespirituais, os únicos capazes de atingir o pleno conhecimento e a salvaçãodeste mundo mau da matéria. Em um nível intermediário estavam os psíquicos,capazes de fé e de certo grau de salvação. E finalmente, no nível inferior, osmateriais, sem qualquer tipo de esperança.
Oesquema abaixo pode elucidar melhor a exposição.
Deus supremo habitaem um mundo perfeito
Demiurgo criouo mundo imperfeito habitado por nós.
Cristo revelação primeira do Deus supremo entre nós.
2ª emanação continuadorada revelação de Cristo.
Gnosis formaúnica de se alcançar o mundo perfeito.
Espirituais100% salvos Psíquicos 50% salvos Materiais 0% salvos
Emlinhas gerais era esta a doutrina gnóstica.
Umdos fundamentos da fé paulina, que os gnósticos jamais conseguiram entender, éque o Cristo que havia tido uma pré-existência gloriosa e uma pós existênciaexaltada, teve, por um intervalo de tempo, uma encarnação que se deu de formahumilhante. Mas não se deram por vencidos. Embora não estivessem de formaalguma de acordo com esta doutrina, nem com os outros ensinos contidos nascartas de Paulo, foram muito habilidoso em manipulá-los. Através do gnosticismo(conhecimento), torceram essas doutrinas e as usaram como argumento, de modo apermitir que seus seguidores não somente se sentissem à vontade nas igrejascristãs como, também, através de interpretações deturpadas, envenenassem aigreja com a sua doutrina. Estes ensinamentos, embora sejam consensuais nadoutrina cristã, olhados por um prisma diferente daquele que foi ensinado porCristo, podem muito bem iludir alguém aqueles menos instruídos na sã doutrina.
A sabedoria dos perfeitos - I Co 2.6
“Porém, para os que são espiritualmente maduros,anunciamos uma mensagem de sabedoria. Mas não é de uma sabedoria deste mundonem a dos poderes que o governam e que estão perdendo o seu poder.”
O contraste entre carne e espírito - I Co 15.50
“Isto afirmo, irmãos, que a carne e o sangue não podemherdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a incorrupção.”
O desprezo a este mundo mau - Ef 8.12
“...porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne,e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundotenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes.”
Cristo, homem do céu – I Co 15.47
O primeiro homem, formado da terra, é terreno; o segundohomem é do céu.
Embora,em certos aspectos, muito parecido com o cristianismo, o gnosticismo foi o seurival maior e o mais perigoso, pois solapava fundamentos históricos e visceraisdo cristianismo, como:
Acriação do mundo por um Deus, bom e justo.
Acoerência do plano de Deus no Antigo e no Novo Testamentos.
Aencarnação, morte e ressurreição reais de Cristo.
Asalvação exclusivamente pela graça.
Contraas muitas heresias dos gnósticos, a igreja prontamente se posicionou. Joãoencerra a sua primeira carta afirmando categoricamente: “Nisto reconheceis oEspírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne éde Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus; pelocontrário, este é o espírito do anticristo....” (I Jo 4,2-3) Paulo, por suavez, tentou de todas as maneiras evitar que tais doutrinas criassem raízes: Porque,se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo nãoressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados (I Co15,16-17). Se hoje queremos dar crédito às palavras dos apóstolos, temos queconcordar que eles não estavam pregando sobre hipóteses e sim a partir desituações concretas. A igreja estava sendo bombardeada por essas e por outrasdoutrinas heréticas, e por causa disso precisavam urgentemente tomar posiçãodiante delas.
Esseevangelho gnóstico chegou em boa hora, para nos mostrar duas coisas: o quantoos primeiros cristãos foram zelosos com o ensino de Jesus e dos apóstolos, nãopermitindo que tais doutrinas vingassem no meio do povo de Deus e, ao mesmotempo, o quanto estamos despreparados para confrontar o sincretismo, a falsadoutrina e a vã filosofia, não somente as de hoje mas também aquelas de 2000anos atrás. A perseverança da igreja primitiva em manter-se fiel, mais do quenunca, precisa ser aprendida, entendida e copiada pela igreja de hoje. Baseadonesta triste constatação, o bispo Paulo Ayres afirma com toda razão: “Estamoscriando uma geração de crentes nanicos”. Cristãos que têm medo de discutirdeterminados assuntos, que batem em retirada diante de argumentaçõesfilosóficas estranhas e que se acovardam perante as doutrinas que afrontam anossa fé.
Para que sejamos zelosos como nossosantepassados, alguns elementos básicos devem ser consideradas na abordagemapropriada deste tema:
Em primeiríssimo lugar, nem aautenticidade, nem o tempo são indícios admitidos como provas de canonicidade.A igreja não escolheu os quatro evangelhos, e refutou inúmeros outros quecirculavam na época, inclusive o de Judas, simplesmente por pautar-se nesses critérios,e sim porque constatou que somente aqueles quatro expressavam a pureza damensagem de fé ensinada por Jesus, e testemunhada pelos homens e mulheres quehaviam provado o seu comprometimento com o próprio Cristo. Precisamos noslembrar também que o rótulo de cristão sempre foi aleatoriamente utilizado pordiversos grupos, mesmo os não identificados com as suas práticas e doutrinas,como acontece em nossos dias. Cristo nos advertiu: Nem todo o que me diz:Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meuPai, que está nos céus (Mt 7:21). Mas ao mesmo tempo, faz-senecessário que nós, que nos dizemos cristãos autênticos, façamos um meaculpa e identifiquemos alguns resquícios do gnosticismo que aindasobrevivem e ganham força no meio evangélico.
Quando ouvimos alguém dizer: “OSenhor me revelou tal coisa”, com a velada intenção de autenticar as suas palavras,assegurando assim, possuir visões alucinatórias, lembremos de que contra estes,o rev. Garrison nos advertiu no início do sermão. Se uma pessoa se apresentassea Wesley, o fundador do metodismo, dizendo ter recebido tais dispensaçõessobrenaturais, ele simplesmente perguntava: você está querendo se enganar a simesma ou às demais pessoas. Báez Camargo em seu livro Gênio e Espírito do MetodismoWesleiano, argumenta: “Wesley criticava a pretensão de receber revelações ouinspirações diretas ou privadas da parte de Deus, como visões, poder miraculosona oração ou na pregação (no louvor), dons de curar e etc. Condenava aclasse de entusiasmo que provém, são suas próprias palavras, de uma desordemmental, e uma desordem tal que interrompe muito seriamente o uso da razão”.O sermão doutrinário de João Wesley, “A natureza do entusiasmo”, fala muito bemsobre isto. Na realidade, o significado antigo da palavra “enthusiasm” éfanatismo.
Nos tempos de Wesley, seria comum haverestes fenômenos de histeria coletiva, devido ao grave problema sócio-culturalque a Inglaterra estava atravessando. Hoje, contudo, o que acontece em nossas Igrejas éuma pura e simples imitação do modo de proceder de grupos neopentecostais, cujabase doutrinária, se é que possamos assim chamar, repousa tão somente sobrerevelações alucinatórias, conhecimentos místicos ou poderes mágicos que jamaispoderiam constar da lista de dons que Paulo apresentou aos gálatas (Gl5:22-23), confirmando-os como frutos do Espírito. Esses que andam por aí nãosão frutos do Espírito de Deus, mas da doutrina gnóstica que ainda insiste emsobreviver ente nós. Lembremo-nos de que eram os gnósticos que diziam possuireste tipo de conhecimento, diferentemente dos cristãos, que humildemente perseveravamna oração, no estudo da Palavra e no ensino dos apóstolos (At 2:42).
Outra vitória do gnosticismo sobre adoutrina cristã se dá quando relevamos o ministério de exaltação de Cristoacima do ministério da encarnação e da sua consequente humilhação. Quandopregamos e cantamos a sua glorificação acima da sua crucificação. Devemosurgentemente rever o nosso cancioneiro para que ao cantarmos hinos como o 106do Hinário Evangélico: “Oh Rei sublime, em majestade e glória”, e louvorescomo: “O Rei exaltado entre nós”, o façamos com a firme convicção de que Jesusfez absoluta questão de se revelar entre nós como um servo. Entre profeta,sacerdote e rei, o único atributo refutado de antemão por Jesus foi justamenteo de rei, em João 6.15, lemos: “Sabendo, pois, Jesus que estavam para vircom o intuito de arrebatá-lo para o proclamarem rei, retirou-se novamente,sozinho, para o monte”. Paulo após uma profunda experiência em Atenas, oquartel general da gnósis grega, escreveu aos coríntios confessando: “Nóspregamos a Cristo crucificado, que para o pensamento judeu é escândalo e para opensamento grego (onde se fundamenta a gnosticismo) é loucura”, emais à frente “... aprouve a Deus salvar os que crêem pela loucura dapregação.” Ao contrário do que diz o ministério da exaltação, Deus retiraforça da fraqueza; sabedoria da loucura; honra da vileza e exaltação dahumilhação.
Masexiste ainda outra veia do gnosticismo vertendo seu sangue venoso em nossomeio. Acontece sempre quando superestimamos a graça de Deus, enganando a nósmesmos, imaginando atingir um grau de superioridade em relação às outraspessoas, invulnerabilidade diante dastribulações comuns a todos e algum status meritório diante de Deus. Ognosticismo, que é célebre em criar super-homens, por que não criaria tambémcristãos superiores? Podemos observar com frequência que em muitos cultosevangélicos não há mais lugar para a contrição, para a confissão de pecados e oconsequente pedido de perdão. Pensa-se assim: “Para que isto? Somos a igrejaverdadeira. Eu já fui salvo pela obra de Cristo. Eu sou o objeto e o portadorda bênção. A partir daí, eu posso declarar sobre quem eu quiser bênçãos enenhum mal sobreviverá a esta pessoa a quem abençoei”. Pelo menos é assim aletra de algumas músicas que cantam.
As violações não terminam aí. Estamosa toda hora colocando Deus a prova, “se tu és Deus faze isto, cura aquilo,restaura aquilo outro”. Confrontamos Deus constantemente com suas promessas.Deus precisa se auto afirmar constantemente como Deus. Até mesmo a fidelidadede Deus se presta para satisfazer os desejos, mesmo os mais obscenos. “Eu vouconseguir tal coisa porque Deus é fiel”, e já não mais importa o quê oucomo.
DietrichBonhoeffer, falando das tentações pelas quais Jesus passou, escreveu:“Satanás, todavia, tentou Jesus ao exigir dele uma confirmação evidente de serFilho de Deus. Isto é, não se deu por satisfeito simplesmente com a Palavra e aPromessa de Deus, mas quis mais do que fé. Tal desejo diante de Jesus é chamadotentar a Deus, ou seja por à prova a lealdade, a verdade e o amor de Deus. Istoequivale a transferir para Deus a infidelidade, a mentira e a falta de amor quedeveriam ser procurados em nós mesmos”.
Tambémpodemos perfeitamente notar a mudança do foco da ação em nossa hinologia. Não émais Deus quem age primeiro, eu é que, por minha condição de adorador, ministroou levita, faço o primeiro movimento. Sou eu quem adoro primeiro, quem louvoprimeiro, quem venero primeiro, e Deus passivamente assiste a tudo sentado emseu trono de glória. Não é assim que aprendemos da Bíblia. O meu paitrabalha até agora, e eu também trabalho. Santo Agostinho dizia que se háalguma coisa boa em nós, isto deve ser creditado exclusivamente a Deus. Wesleydeixou para o mundo cristão a excelente doutrina da Graça Preveniente. Doutrinaque afirma que Deus age antes, antes mesmo de fazermos algo ou termos qualquerintenção de nos movermos em sua direção. Porque a ele nem toda honra e nem todaglória são suficientes.
Poresses e tantos outros motivos a recomendação de Jesus deve ser sempre lembrada:“Vigiar e orar”. Esta não será a primeira e nem a última vez que veremos anossa fé confrontada. O evangelho de Judas não é o único quase cristão, e nemserá o único a tentar abalar a nossa fé. Contra toda heresia e falsa doutrina,basta somente que vivamos focados na doutrina que é segundo a piedade, quenunca nos esqueçamos de onde fomos resgatados e do quanto somos devedores aessa imensa graça que nos resgatou. Se somos povo de Deus, não é por vontade oumérito nosso. Não é por algo que fizemos ou por qualquer tipo e esforçomaterial ou intelectual que fomos escolhidos. Não é pelo que somos, mas simpelo que Deus é. É assim, porque ele mesmo confirma: “Eu te escolhi, nãoporque eras o melhor dos povos, pelo contrário, eras o pior. Eu te escolhiporque eu te amo”. (Dt 7:7-8)
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