Sofrer por amor a Cristo IV

Louis Gosset Jr. e Mike Higgenbottom nos papéis
de pastores no filme O Poder da Graça, de 2011
Meditação baseada no Salmo 63.
Ainda existe um terceiro erro que é a má interpretação do Maranata, vem Jesus. É o vem Jesus e arrebata a tua igreja. Vem Jesus e separa aqueles que estão destinados à salvação daqueles que
irremediavelmente estão condenados à perdição. Será que eu estou enganado, ou em algumas dessas orações que pedem a urgente volta de Jesus, estão embutidos desejos de vingança contra desafetos, e condenações sumárias a adversários? Quando se ora “vem Jesus, arrebata a tua igreja” não há por trás disso a intenção de que os não cristãos e até mesmo alguns cristãos sejam deixados para queimar no fogo do inferno? Explicitamente talvez não, ninguém é doido para conscientemente afirmar tal coisa. Mas se olharmos profundamente a intenção inconsciente é o que se pode concluir.

Quem faz orações deste tipo deveria ler o que Deus respondeu para Jonas no deserto quando este pedia pela destruição de Nínive: Jonas, você está comovido com a morte de uma planta que você não fez nascer e nem crescer, um mamoeiro que numa só noite nasceu e pereceu? Como não hei de ter compaixão da grande cidade de Nínive, em que há mais de cento e vinte mil pessoas, que não sabem discernir entre a mão direita e a mão esquerda? Deveria experimentar a decepção que discípulos sentiram quando pediram fogo do céu para consumir uma cidade que não recebera muito bem a mensagem do evangelho, e Jesus os interpelou dizendo: Vocês não sabem de que espírito são? Vocês desconhecem a natureza do espírito pelo o qual foram chamados? Alguns manuscritos ainda acrescentam: Esse homem que está aqui, não veio para destruir vidas, mas sim para salvá-las.

Para encerrar, recentemente vi um filme em que um pastor novo consulta o avô, também pastor, sobre o que fazer com uma pessoa que Deus havia colocado em seu caminho e estava lhe perseguindo. E o velhinho atônito perguntou: O que você está dizendo? Que Deus colocou alguém no seu caminho? Responda-me uma coisa: Quem é que está a serviço de Deus? Quem é que foi chamado para ser seu servo? Quem é que ora todo dia seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu, não é você? E agora tem a coragem de me dizer que Deus colocou alguém no seu caminho. Veja se enxerga rapaz! Deus não colocou pessoa alguma no seu caminho. Colocou você no caminho dela.

O pastor novo estava cometendo o mesmo erro que o salmista. Um erro que frequentemente cometemos. Por isso que eu disse lá em cima que é um mal que podemos evitar. Contudo, imaginar que se pode pregar as verdades de Deus sem ser incomodado, sem ser perseguido é pura ilusão. Jesus disse: desde os tempos de João Batista o Reino de Deus sofre violência, e os violentos tentam impedi-lo (Mt 11,12). É erro de achar que os obstáculos do ministério cristão serão removidos por Deus através de um simples apelo. Somente depois da visão da glória de Deus, somente depois que percebeu quem era o Deus a quem estava servindo, que ele pode entender a sua realidade. Deus estava fazendo justamente o contrário, colocando ele, o salmista, no caminho dos perseguidores da sua Palavra.

Djavan compôs uma música cuja letra diz: O que é o sofrer, pra mim, que estou jurado pra morrer de amor? Letra copiada escancaradamente de Paulo, quando diz em Romanos: Por amor de ti enfrentamos a morte todos os dias, e já fomos considerados como ovelhas destinadas ao matadouro. Então, o que é uma perseguiçãozinha para quem foi chamado a morrer pelo evangelho? A reação do salmista à perseguição resultou, naquele momento, na derrota do inimigo, para a humanidade, em todos os tempos, resultou no salmo 63, essa maravilha da literatura bíblica, que Deus tem usando para nos mostrar que ele colocou a sua igreja no caminho do mundo, e não o mundo no caminho da sua igreja.

Eu vou parar por aqui, mas não sem antes dizer que felizmente este salmo não é somente denuncia e condenação. Não é só pauleira, como o livro do profeta Naum, nele existe um divisor de águas. Existe uma referência que divide os estados do antes e do depois; a angústia do gozo; a apreensão do louvor; a perseguição da vitória. E é nessa referência que o salmista busca o consolo e força. Não é nada consistente como a chegada da cavalaria. Nos filmes de bang bang, quando a cavalaria chegava, todo mundo estava salvo. A referência do salmista não passa de uma frágil lembrança. Lembrança de um passado distante. Ele dormia sobressaltado, acordou com a boca seca e com o corpo exausto; foi quando se lembrou de uma experiência vivida na casa de Deus, aí tudo se modificou. Aquele que estava com medo da morte, descobriu algo que é melhor do que a vida. Quem fugia desespe­rada­mente do adversário, voltou-se contra ele de mãos levantadas em nome de Deus. De perseguido, passou a se empenhar em calar a boca dos mentirosos. Apenas a lembrança do dia em que viu a glória de Deus no templo, foi suficiente para lhe dar a certeza de que, mesmo que ele viesse a morrer, o inimigo não triunfaria e a palavra de Deus, por fim, prevaleceria.


Louis Gossett Jr. e Mike Higgenbottom, nos papéis
de pastores no filme O Poder da Graça, de 2011

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