Transfiguração III

Transfiguração de Carracci
A transfiguração é algo único em toda a história. Antes de Jesus não houve nada semelhante, e depois dele certamente não haverá. Deus estava antecipando um pouco daquilo que nos está reservado.
É como se nos permitisse olhar pelo buraco da fechadura de uma porta que esconde uma realidade incomensuravelmente maior do que a que vemos. Paulo dizia que as nossas tribulações tem um peso ínfimo diante da glória que nos está reservada. Os discípulos não experimentaram a transfiguração, apenas testemunharam, mas isso foi suficiente para eles. A exemplo do que aconteceu com eles, as mais simples manifestações do Reino deveriam ser suficientes para fartar os nossos olhos, em vez de cobrarmos a cada oração uma ação mais efetiva de Deus na nossa história.
Estamos a toda hora exigindo de Deus provas incontestes do seu poder para compensar a nossa fragilidade de seres humanos. Desta forma, estamos apenas negando a realidade de que é justamente na nossa fraqueza que o poder de Deus se aperfeiçoa. Paulo dizia que para esse poder se manifestar mais eficazmente é necessário que o preservemos em vasos de barro, para que a honra não seja nossa, mas exclusivamente de Deus.

Assim como os três discípulos, somos chamados testemunhar que o complemento da revelação de Deus é o livramento. É preciso anunciar em alta voz que todas as vezes que Deus se manifesta, o mal sai perdendo, e perdendo muito. Ficou mais do que evidente que a transfiguração que se dera em um local separado, santificado pela presença de Deus, e para um grupo escolhido, não terminou simplesmente assim. O êxtase pela breve visão da glória de Deus se completaria não ali, não em oculto, não para os discípulos, mas justamente no lugar onde o mal mais se fazia notar. Paulo ao observar os contrastes entre as situações onde o mal predominava, como quando ele próprio se encontrava na estrada de Damasco, e as intervenções mais que transformadoras, efetivamente transfiguradoras de Deus, só poderia chegar a uma única conclusão: Onde o mal aumenta, a graça de Deus aumenta muito mais ainda.     

Outro dado importante é o fato de que na transfiguração Deus não alardeou a sua onipotência. Jesus mostrou a glória que recebera do Pai diante de poucos, em um local isolado. Mas quando foi preciso resgatar uma vida que se esvaía, tragada pelas forças dominadoras do inferno, não vacilou em mostrar quem realmente Reina nesse mundo. Nem mesmo a incredulidade dos seus amigos mais chegados conseguiu conter aquela onda incontrolável de amor explicitamente revelada no serviço ao que estava tão carente da graça de Deus, a ponto de morrer. Ó geração incrédula e perversa, até quando estarei convosco? Até quando vos suportarei? Até quando suportarei estes louvores vazios? Essa ânsia em receber poder, apenas para ter poder? Esse descompromisso com a justiça, com o indigente, com o ignorante, com o aflito e com o sozinho? Essa permissividade excessiva com o mal?

Que a narrativa da transfiguração nos faça acreditar que Deus abre mão de qualquer manifestação de louvor, quando a necessidade de um dos seus filhos é premente. Mais ainda, que ela não nos faça apenas acreditar que o mal existe nos vales das nossas vidas, porque já sabemos que ele existe, mas que nos faça acreditar que o mal pode ser vencido.

  • Digg
  • Del.icio.us
  • StumbleUpon
  • Reddit
  • RSS

0 comentários:

Postar um comentário