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Jesus e a samaritana de Giovanni Guercino (1591-1666) |
Ele conseguiu com uma simples interjeição descrever todo o clima que cercava aquele momento. Apesar de parecer engraçado, o diálogo revela uma questão de relacionamento muito séria. Como é que você vai me dar água se você não tem nem pra si mesmo? Parece a capa do livro cujo título é Vencendo a obesidade. A foto do autor mostra um homem enorme de gordo. Ele podia estar ensinado a vencer, mas ele mesmo estava perdendo a batalha.
A verdadeira mensagem do evangelho não visa transformar ninguém em um sumidouro de bênçãos, mas em mananciais de vida plena. Nunca foi de a nossa competência anunciar previamente o que Jesus fará com as pessoas que se converterem. A nossa mensagem deve ser: Não sei se na sua adesão ao evangelho você vai conseguir aquele emprego, se seu pai vai ser curado, se vai ter seu marido de volta. Não sei nada disso. Mas eu sei que você vai ser aceito, vai ser amado, vai poder dar e receber. Porque Jesus nos ensinou que o amor é aquilo que quanto mais se compartilha, mais se tem. Aceitar e ser aceito, isso chamasse graça, e isso é melhor que ser próspero, ter saúde, ser influente. Isso é melhor que a própria vida. Não é isso que cantamos? A tua graça é melhor que a vida!
Mas existe também a barreira do poder. Por acaso você pensa que é maior que nosso pai Jacó? Não faz muito tempo, um amigo, recém convertido me perguntou: Quem tem mais poder, um pastor ou um pai de santo? Eu respondi: Deve ser o pai de santo, porque o pastor não tem poder algum. Deus não deu aos seus enviados poder para ter e sim poder para ser. Para ser testemunhas do que Cristo fez por ele, para contar do tremedal de lama de onde foram resgatados. Não para que testemunhe em favor deles próprios. Deus nos deu o poder do amor para desmantelarmos as armas do poder e não armas de poder para combatermos outros poderes.
Um dos nomes pelos quais Deus é conhecido no AT é Iate Tsevaot, Jeová dos Exércitos. Como todos os povos tinham um deus da guerra, alguém em Israel achou de conferir a Deus características bélicas. O profeta Isaías entendeu que essa ideia não estava nada de acordo com o Deus que ele conhecia, o mesmo que o comissionara profeta. Um Deus que estaria menos para general o e mais para servo, e um servo sofredor. Para desmantelar de vez essa concepção beligerante de Deus ele disse o que Deus faria enquanto fosse Senhor dos Exércitos: Ele faz cessar as guerras até ao fim da terra; quebra o arco e despedaça a lança; queima os carros no fogo, que se transformem as lanças em podadeiras e as espadas em arados. Ou seja, ele é Senhor dos Exércitos quando se trata de por um fim à guerra.
A grande questão nas igrejas cristãs é justamente essa, a guerra pelo poder. Quem é mais missionário, quem é o maior apóstolo, ou o bispo mais consagrado, quem é mais ungido. Em suma, quem tem mais poder? Qual é a igreja que é mais mundial, qual é a mais universal? Qual é a denominação que opera mais milagres? Tem um camarada na televisão alto, que usa um chapéu. Meu Deus, como aquela cara tem poder!
Voltando à samaritana, ela estava fazendo uma avaliação de Jesus usando os mesmos critérios que usamos hoje. Levanta a dúvida se Jesus tenha mais poder do que Jacó que lhes deu o poço. Notem que Jesus se deixa avaliar por ela e não entra na briga de poderes. Para Jesus nunca foi uma questão de destituir um grande poder para instaurar outro maior. Quando a sanha do poder aflorou no meio dos seus dos seus discípulos, ele foi veemente: Este é o artifício de quem exerce a tirania, de quem domina pelo poder. Entre vocês não seja assim. Quem quiser ser o maior, que seja o menor. Quem quiser ser o primeiro, que seja o último. No contexto atual eu traduziria este versículo da seguinte forma: Quem quer ser cabeça, então seja cauda.
Sobre a questão do poder, Jesus foi curto e grosso com os seus discípulos, mas com a mulher samaritana ele pôde ir muito mais longe, pôde ser muito mais profundo. Com uma mulher Jesus pôde falar do poder a partir da visão de alguém subjugado: Quem beber das águas do poder vai ter sede constante, e cada vez vai querer mais poder, sem jamais saciar-se. Mas quem beber a água que eu der, a água do amor, que é a subversão do poder, nunca mais vai precisar beber de outra água, nunca jamais terá sede.
A samaritana é o encontro primordial de Jesus no evangelho de João. Parece que João vai num crescendo: Jesus encontra o poder opressor, na figura do fariseu Nicodemos; Jesus encontra os oprimidos pelo poder, na figura dos seguidores de João Batista; Jesus encontra os excluídos pelo poder, na figura de uma mulher, uma adúltera e samaritana. Pelo visto, não escapou ninguém do jogo: nem os que ganham, nem os que perdem, como também os que nem podem entrar no jogo. Através desse encontros, Jesus inclui a todos nós, seja qual for o momento da vida em que estejamos vivendo. Por isso, é importante ter em mente que Jesus nos pede gestos simples, como o de dar e receber um pouco d’água, mas exige de nós uma postura de fé grande o suficiente para crer que este gesto, Deus pode transformar uma vida, e através desta vida, Deus pode converter toda uma cidade.
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