A graça vem antes de mim (final)

Liv Ullmann e David Carradine em O ovo da serpente, 1977
A humanidade jamais vai ser perfeita a ponto de merecer o perdão de Deus. A humanidade jamais vai ser perfeita a ponto de merecer a misericórdia de Deus. A humanidade jamais vai ser perfeita a ponto de merecer o amor de Deus. Melhor dizendo: A minha imperfeição, a minha
insuficiência, a minha falta de amor, de paciência, até os meus medos e desajustes são os elementos que ressaltam a minha identidade. Embora as pessoas tentem fazer da figura do pastor a imagem do homem perfeito, que não faz nada errado, do homem que não tem vícios, de ser praticamente autossuficiente, e muitos de nós pastores fazemos questão que seja assim, não vai ficar escondida por muito tempo a realidade de que não podemos ajudar a ninguém, nem a nós mesmos. Não podemos tirar ninguém do pecado, nem a nós mesmos dos simples deslizes. Não podemos espantar os demônios de ninguém, nem mesmo os nossos próprios. O máximo que eu faço na minha vida é tentar sobreviver, conhecer um pouco mais da vontade de Deus no meio das minhas falhas e erros, pedir de joelhos que o seu amor e a sua misericórdia continuem a me assistir, para que assim eu possa me identificar com aquele que está no mesmo estágio de degradação moral e espiritual do que eu, e possamos nos ajudar um ao outro.

O foco da nossa vida tem sido este: Como eu posso ser suficientemente bom? O que eu posso fazer para merecer a porção mínima do amor de Deus? E sabe o que consigo com isso? Chamar para mim toda tensão e angústia sobre aquilo que eu sou e o que eu poderia ser, e sobre aquilo que eu faço e o que eu poderia fazer. Por isso é que preciso voltar ao passado e tentar descobrir de novo que eu sou inadequado, sempre fui e sempre serei. Parece que com tudo isso eu esteja querendo me justificar. Parece que eu estou querendo simplesmente dar um desculpa pela minha conduta errada. Se alguém pensa isso de mim eu já não sei mais como posso comunicar o evangelho a essa pessoa. Porque o evangelho não é uma desculpa, não é virar os olhos quando o erro transparece, não é um habeas corpus para nós mesmos, é justamente o contrário. É reconhecer o erro e crer que somente a misericórdia de Deus pode me justificar. O Cristo que vive em mim, este sim é mais do que suficiente. Olhem o que diz o versículo 5 deste capítulo 15 de João: Quem está unido comigo e eu com ele, esse dá muito fruto

Nossa tarefa não é forçar ou obrigar ninguém a fazer de Cristo o seu senhor. Ele já é. A fé é a nossa aceitação daquilo que sempre tem sido a verdade. O que podemos fazer é ajudar uns aos outros a aceitar esse amor que sempre tem sido, aceitar a graça preveniente de Deus. Nós somos cristãos porque aceitamos o fato de que temos sido amados. Nós somos cristãos porque acreditamos que temos sido perdoados e que estamos abertos ao Espírito de Deus. Nós não temos que forçar a Deus a amar ninguém, esta já é uma verdade incontestável. Ele já nos ama. Em vez de tentamos colocar Deus dentro das pessoas, deveríamos ajudá-las a estar nele. O que podemos fazer é estarmos prontos para receber aqueles a quem ele já tem chamado. Mas para isso, Cristo precisa estar em nós, porque isso é que vai fazer com que aceitemos as outras pessoas em amor. Cristo em nós é que nos capacita a firmar os laços que transpõem todas as barreiras. É o encanto que as pessoas devem encontrar nas nossas igrejas para que elas possam dizer para si mesmas: Como é bom esse lugar! Como é bom estar com Cristo! Somente quando as pessoas são amadas é que elas se sentem livres para falar de si mesmas, para falar dos seus sonhos e das suas esperanças. Somente quando a pessoas se sentem amadas é que elas se sentem à vontade para falar dos seus medos, dos seus desapontamentos e das suas frustrações. Somente quando as pessoas são amadas por alguém que está em Cristo é que elas podem enxergar o que elas realmente poderiam ser se estivessem em Cristo. Deus nos criou para experimentarmos o seu amor.

No filme “O ovo da serpente” tem uma cena que vale o filme todo e muito mais do que tudo que eu disse até agora. O filme é sobre a vida na Alemanha no ano de 1923, após a primeira guerra mundial. Trata-se da situação desesperadora de uma nação e de um povo sem esperança. Mostra bem o ambiente em que foi gerado Hitler. A atriz do filme, Liv Ullmann, é uma pessoa que sai em busca de perdão e está desesperada. Vai à igreja procurando o padre, mas o padre estava com pressa porque tinha uma reunião com seu bispo. Ele a trata com indiferença porque não podia perder tempo com ela. Mas ela insiste e o convence da sua necessidade urgente. Então o padre para por um instante para ouvi-la. Naquela hora de desespero ela simplesmente pede perdão, e é aí que o padre cai em si. De joelhos ambos oram a Deus, e o padre coloca a mão sobre a cabeça dela e lhe diz: Em nome de Jesus Cristo, os seus pecados estão perdoados. Depois disse o padre coloca a mão dela sobre a sua cabeça e lhe pede perdão por ser apressado e insensível. E ela diz: Em nome de Jesus Cristo, os seus pecados estão perdoados. Que maravilha, é isso mesmo. Deus nos chamou para amar uns aos outros, como ele nos tem amado. Não foram vocês que me escolheram; pelo contrário, fui eu que os escolhi para que vão e deem fruto e que esse fruto não se perca.

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A graça vem antes de mim

Videira verdadeira, ícone medieval
Não foram vocês que me escolheram; pelo contrário, fui eu que os escolhi para que vão e deem fruto e que esse fruto não se perca. Isso a fim de que o Pai lhes dê tudo o que pedirem em meu nome. João 15.16. Leia todo capítulo 15 de João.

Se tivermos que creditar a Wesley uma doutrina cristã, esta seria a que ele chamou de “Graça Preveniente de Deus”, ou seja, a graça que vem antes, que antecede todas as coisas e atitudes. Para ele, a graça além de nos conceder aquilo que não merecemos e que nunca poderíamos conseguir por
nossos próprios esforços, ela também se antecipa à nossa intenção ou desejo. Este é o ponto que o nosso texto focaliza: Não foram vocês que me escolheram; pelo contrário, fui eu que os escolhi. Este é o chamado primordial do evangelho. Aqui Jesus está  nos chamando para reproduzir a vida que temos achado nele, e como este chamado é espantoso. Ele nos dá uma comissão e ao mesmo tempo nos diz que realizá-la não depende de nós. É inacreditável, mas é verdade. Alguns poderão dizer: É claro que depende de nós. Somos nós que vamos levar essa mensagem adiante. Mas não depende não. O que Jesus quer que entendamos é que não depende da nossa autossuficiência, da nossa consciência nem da nossa capacidade, e sim do seu chamado. É isso que nos qualifica, esta é a condição essencial para a evangelização efetiva. Não somos adequados e nunca seríamos, porque entes de estamos prontos, antes de estarmos preparados, Cristo nos tem chamado e nos tem designado. Essa é a essência da mensagem descoberta por Paulo. Cristo morreu por nós quando ainda éramos pecadores. (Rm5,8)

Jesus está dizendo: Eu encarnei por você. Eu vivi por você. Eu preguei pra você. Eu morri na cruz por você. Eu ressuscitei por você. Eu estou aqui agora mesmo por você. Você pertence a mim. Você não me escolheu, eu é que escolhi você. Mesmo que isso esteja confuso na nossa cabeça, temos que nos render à verdade. Nós temos que ver as coisas como são. Nós temos que ver Jesus Cristo como realmente ele é. Nós temos que ver a nós mesmos como somos. Tudo isso, porque mais dia menos dia vamos nos deparar com a revelação libertadora do evangelho que vem da graça preveniente de Deus. Assim nós reconheceremos que Cristo nos tem designado, que nós pertencemos a ele apesar do que éramos, e continuaremos sendo dele apesar do que somos. Este é o princípio cativante do evangelho: Desejamos compartilhar esta vida nova que recebemos não porque somos obrigados ou estamos sob alguma ameaça, mas porque a vontade que temos de falar dele é incontrolável dentro de nós. Nós não podemos nos calar diante da avassaladora liberdade que tem nos libertado.

Nós temos sido chamados para um propósito, e esse propósito é dar fruto. Jesus usou a imagem da videira e dos galhos para nos comunicar um segredo. O fruto que devemos dar é a perpetuação da nossa fé nos outros. Não das nossas convicções, atitudes ou costumes. Simplesmente da fé que nos faz dependentes dele. E para isso ele fez menção de dois tipos de galho: um que produz fruto e que é podado para que produza mais fruto, e o outro que não produz e que é cortado e queimado. Os discípulos de Jesus entenderam muito mais do que nós esta comparação, porque eles conheciam o processo drástico de podar um galho para que ele viesse a produzir mais. Do lado de fora do templo de Jerusalém havia uma videira enorme que cobria toda a entrada. Essa videira fazia o povo se lembrar de que Israel era o galho. E foi neste contexto que Jesus nos deu o segredo de uma evangelização frutífera. É o seguinte: Ele é a videira, e somente em contato com ele que recebemos o poder para reproduzir frutos. O nosso problema é que já nascemos com o complexo de Elias. Trabalhamos para Deus, é verdade. Trabalhamos para os seus propósitos, também é verdade. Por causa disso somos determinados, austeros e inflexíveis, em vez de sermos livres, agradecidos e generosos. Sentimos que devemos fazer algo para Deus, isso se torna a razão da nossa existência, e no fim nós ficamos como Elias: sozinhos, desanimados, derrotados e até querendo morrer.  E foi para o deserto, andando um dia inteiro. Aí parou, sentou-se na sombra de uma árvore e teve vontade de morrer. Então orou assim:
— Já chega, ó Senhor Deus! Acaba agora com a minha vida! Eu sou um fracasso, como foram os meus antepassados. (IRs 19,4) Nós queremos fazer algo que nos torne melhor do que aqueles que vieram antes de nós. Nós queremos trabalhar, trabalhar em vez de deixar que Jesus trabalhe por meio de nós. Nós desejamos falar sobre ele, em vez de ouvir o que ele tem a nos falar. Nós planejamos o que devemos fazer em vez de escutarmos a sua voz. Precisamos ouvir ele nos falar mais uma vez: Sem mim vocês não podem fazer nada. Paulo tinha essa convicção quando disse: Não sou eu mais quem vive, e sim Cristo que vive em mim.

Por pior que ela possa parecer é a na nossa natureza humana que Cristo se revela. Não importa se ele é o centro da vida religiosa, ele quer ser o centro da vida cotidiana, da vida normal. Ainda vivemos sob a ilusão de que a vida com Cristo nos transforma em pessoas superiores, com quem ninguém pode se identificar e com quem ninguém quer se identificar. Como eu sei bem disso. Eu tento ser um super Sergio, um super pastor, um super cristão, eu tento fazer tudo certinho, e o que acontece? Estou sempre caindo de cara no chão. Apesar de todo meu esforço para ser perfeito, é pelos meus erros, pelos meus fracassos, pelas minhas frustrações que as pessoas me identificam neste momento. Mas eu deveria deixar as pessoas me identificarem pelo que Cristo está fazendo na minha vida. Só assim eu poderia me identificar com vocês e vocês comigo, e nós poderíamos nos ajudar uns aos outros. (continua)

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Ano Jubileu III

Ano Jubileu, Robert Colquhoun (1914-1962)
Mas ainda há um elemento extremamente necessário para a celebração do Ano Jubileu, tocar o yobel. No dia Expiação fareis soar o yobel por todo o país. Deus sabia muito bem que muitas pessoas tentariam negligenciar esta celebração, pois estas perderiam seus lucros, parte de suas propriedades, lavradores ficariam sem trabalho e a economia entraria em colapso, posto que durante um ano inteiro a produção ficaria estagnada. Muitos dos que receberam suas terras de volta também não teriam como gerir de imediato o seu sustento, uma vez
que estavam sem possuir terras por até duas gerações. Também aqueles que ficaram livres da servidão e que contavam com a assistência de seus senhores, que bem ou mal supriam as suas necessidades básicas, se viram de uma hora para outra por conta própria, e de imediato, isso não é nada bom. Mas a despeito de todos os problemas oriundos da mudança, seria de vital importância que todo o povo ficasse sabendo do que estava acontecendo, e quais eram os reais motivos daquela reviravolta na ordem econômica e social do país. Não haveria porque se iludirem, porque uma revolução nesta magnitude não acontece sem causar enormes transtornos.

Mas como já era de se esperar, este fantástico projeto não se tornou realidade nunca. Este foi mais um dos transformadores projetos que Deus deu ao seu povo para que ele viesse a servir de exemplo às nações vizinhas. Esta foi mais uma desobediência que causou consequências desastrosas à humanidade. Já li muitos pensadores que se manifestaram sobre a desilusão de Deus para conosco, mas dentre todos esses eu fico com Luis Palau que disse: Deus não está desiludido conosco. Para inicio de conversa, ele jamais teve qualquer ilusão a nosso respeito. É muito difícil para a maioria das pessoas entenderem o duplo caráter da vontade de Deus. É muito complicado assimilar que esta vontade vai sempre contemplar de igual forma o sagrado e o social, nunca, jamais o individual. Mesmo que pareça que muitos teriam que fazer sacrifícios em favor de poucos, que não eram tão poucos assim, existia por trás intenções maiores que do que aquelas que poderiam ser observadas de imediato. Por exemplo: uma vez que a servidão entre os povos antigos não poderia ser abolida a curto prazo, era imposto um limite para a sua duração, para que mesmo o menos digno representante do posso não passasse a sua vida toda como escravo. Evitava-se também desta forma o surgimento dos latifúndios, levando-se em conta que a terra havia originalmente sido distribuída de forma racional e igualitária, observando a necessidade de cada clã, e que ela seria redistribuída novamente a cada período.

A verdadeira intenção era erradicar de vez a pobreza, porque uma das maiores preocupações de Deus é que não houvesse necessitados no meio do seu povo. Este foi um dos elementos fortes da pregação profética que ainda ecoam nos dias de hoje. Um hino de João Dias de Araujo que inspirou a Campanha da Fraternidade dos anos de 1970, e que chamava-se “Que estou fazendo?”, pode resumir de forma poética toda essa meditação e tudo que precisaríamos saber sobre o Ano Jubileu. Mais do que simplesmente nos fazer tomar conhecimento dos fatos, este hino precisa nos levar à indignação, e não deveríamos parar de cantá-lo até que a sua mensagem fosse fato em nossa realidade. Encerro com a última estrofe deste que deveria ser o primeiro hino de cada cancioneiro que tenha sérias pretensões de se dizer cristão.
Que estou fazendo se sou cristão,
Se Cristo deu-me o seu perdão?
Há muitos pobres sem lar, sem pão,
Há muitas vidas sem salvação.
Aos poderosos eu vou pregar,
Aos homens ricos vou proclamar
Que a injustiça é contra Deus
E a vil miséria insulta os céus.

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Ano Jubileu II

Uvas da Terra Prometida, Nicolas Poussin
Leia Pv 25,8-17
Para celebrar o Ano Jubileu eles precisavam primeiramente esquecer. Muito embora esta palavra na nossa língua tenha uma conotação negativa, pois é considerada como um desleixo por parte daquele que ter sempre em mente alguém ou alguma situação, nos preceitos bíblicos desta
data o esquecimento é fator primordial. No grego temos duas palavras que, embora para nós signifiquem coisas bem diferentes, derivam de um mesmo radical. Elas são amnésia e anistia, ou amnistia como se fala em Portugal. Ambas tem tudo a ver com esquecimento, seja pela perda permanente ou temporária da memória, que nos acostumamos chamar de amnésia, seja pelo esquecimento de uma falta ou delito praticado contra alguém ou instituição. Por estes motivos podemos constatar que estas palavras estão bem mais próximas do que imaginamos, e que são essenciais para entendermos o sentido exato das exigências básicas do mandamento divino quando da celebração Ano Jubileu pelos judeus. Pelo simples fato de se utilizarem de uma ideia tão forte, podemos concluir que o esquecimento neste caso abrangia todos os segmentos da vida em comunidade. O esquecimento de dívidas, de ofensas, de obrigações, de favores, de queixas, de mágoas, de preceitos legais, de compromissos era a exigência mínima para o novo recomeço que o Ano Jubileu vinha inaugurar. Para que este esquecimento fosse realmente completo ele deveria ser uma anistia seguida de amnésia, onde não houvesse qualquer ressentimento por parte daquele que perdoava, e não aflorasse qualquer sentimento de inferioridade por parte daquele que era perdoado.

Logicamente que nenhuma sociedade é tão altruísta a ponto de obedecer um mandamento como este, como se fosse uma consequência natural para se alcançar o bem estar comum. Nem mesmo um povo que havia sido milagrosamente recém liberto da escravidão. Para que fosse cumprido à risca, este mandamento deveria ter um peso infinitamente maior do que a simples esperança na justiça ou em dias melhores. Ele deveria partir de uma conscientização geral de que todas as coisas na terra são propriedade daquele ser único que detém toda a autoridade, inclusive autoridade para promulgar um mandamento com tal magnitude de alcance. Para tanto ele deveriam partir de um princípio que contrariava tudo o que era fundamental na adoração dos deuses dos seus vizinhos pagãos: a firme convicção de que o Deus de Israel e totalmente autossuficiente e não carece de cuidados nem oferendas. Eles tinham que saber de cor o Salmo 50 que diz: De tua casa não aceitarei novilhos, nem bodes, dos teus apriscos. Pois são meus todos os animais do bosque e as alimárias aos milhares sobre as montanhas. Conheço todas as aves dos montes, e são meus todos os animais que pululam no campo. Se eu tivesse fome, não to diria, pois o mundo é meu e quanto nele se contém. Acaso, como eu carne de touros? Ou bebo sangue de cabritos? Se o fundamento não fosse: Do Senhor é a terra e a sua plenitude, ficaria impossível qualquer tentativa de se levar adiante esta celebração.

Mas o povo também precisaria se lembrar. Lembrar-se de quando Israel efetivamente começou como nação. Quando eles chegaram a um local estranho e foram instalados em terras que não eram deles, de quando comeram alimentos que não semearam, de quando beberam vinho de uvas que não plantaram, pois estavam totalmente a mercê da vontade de Deus. Ou seja, a obrigatoriedade do perdão irrestrito tinha um fator pregresso, estava fundamentado na razão de que tudo que possuíam foi graciosamente dado por Deus, sem o que todo o povo ainda seria escravo no Egito, e mero servo de Faraó. Assim como receberam o inesperado, tinham que depositar toda a sua confiança no Deus que os havia sustentado até então. Isso não é nada fácil, sabemos bem. Como uma família que havia trabalhado tanto para garantir um futuro melhor para os seus descendentes, abriria mão de suas conquistas e voltaria praticamente à estaca zero, simplesmente porque um Deus sem templo e sem efígie assim o determinara? No papel é bonito. É muito inspirador saber que na história da salvação houve um precedente de justiça social que não se baseava no Comunismo ou no Socialismo de Classes. Como é revigorada a fé daquele que lê na Bíblia este trecho do Ano Sabático e medita nas suas palavras, tentando uma forma de se enquadrar de um jeito ou de outro no espírito da sua mensagem. Mas colocá-lo na prática e lavá-lo até as suas últimas consequências é que o problema. É exatamente por esta razão que Mood disse: Para ser cristão não é preciso muita coisa. Para ser cristão é preciso tudo.

Negando toda essa mensagem triunfalista que invadiu a igreja com expectativas baseadas em promessas infundadas e em interpretações convenientes das Escrituras, a hinologia antiga mais uma vez vem em socorro daquele que tem um mínimo de indignação diante dos absurdos teológicos pregados hoje em dia. Em meio a tanta certeza quanto ao futuro e tanta determinação de bênçãos, Katharina von Schlegel foi buscar em Provérbios 22,18-19 a inspiração par um hino que desconstróis toda essa ideia de um Deus que tem um futuro pronto e predeterminado. O hino fala que devemos ter confiança em Deus para entender os seus propósitos, e não porque um futuro brilhante e próspero nos aguarda. Diz o hino assim:
Prossegue, ó alma; o trilho é estreito e escuro,
Mas no passado Deus guiou-te assim!
Confia agora a Deus o teu futuro,
Que esse mistério há de aclarar-se enfim.
Confia, ó alma, a sua mansa voz
Ainda acalma o vento e o mar feroz!

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Ano Jubileu

Perdoar e ser perdoado, von Carolsfeld (1794-1872) 
Leia Levítico 25,8-17, é muito importante.
Em poucos momentos da história da igreja a Bíblia esteve tão em evidência como nos dias de hoje. Este dado se nota não somente pelos recordes de produção e venda de Bíblias pelas sociedades bíblicas e pelas editoras que as imprimem quanto pelas citações que todas as pessoas fazem do seu conteúdo. Seus versículos não são mais restritos à comunidade cristã, pois muitos deles se tornaram
ditados populares na boca do povo. Isso deveria ser motivo de júbilo e ter um sentido de vitória, mas não é desta maneira que esta situação é vista pelas pessoas que levam as Escrituras a sério. Porque mais do que usar os seus textos completamente fora dos seus contextos, os elementos que relevam na Bíblia são sempre os secundários, nunca os essenciais. Dizia um pastor dos velhos tempos que o povo está mais interessado em testemunhar os milagres do que venerar o milagreiro. Bem, no tempo em que ele dizia isso só quem fazia milagre era Deus, e seria difícil para ele entender que hoje os milagres são fruto daquela igreja ou de determinado pastor, e mais difícil ainda seria constatar que o povo de Deus está crendo neste absurdo.

Conheci no passado um pastor, já falecido, que era catedrático em curiosidades bíblicas. Ele sabia com exatidão quantas vezes estava contida a palavra amor na Bíblia, como também quem era o avô da mentira. E não é que para minha surpresa que recentemente me deparei com outro que seria seu clone, caso o seu foco de curiosidades não fosse o ineditismo dos fatos nela contidos, em relação às descobertas da ciência de hoje? Ele não faz outra coisa senão pregar sobre as antigas prescrições bíblicas que precederam as mais diversas preocupações e descobertas atuais. Porém, foram muito poucos antes dele e menos ainda depois aqueles que ouvi pregar sobre o ineditismo bíblico no que diz respeito às grandes questões sociais e econômicas. Para muitos pregadores estas ciências são tão atuais que o escritor bíblico simplesmente as desconhecia. Pensam também que estes problemas são por natureza tão complexos que os antigos não dispunham de meios para analisá-los e opinar sobre eles. E é aí que nos deparamos com a legislação social e econômica do Levítico que promovem uma revolucionária reforma agrária e uma inimaginável redistribuição de renda. Fala-se muito em tomar posse de bênção, mas muito pouco na alegria que existe na doação. Prega-se muito sobre a prosperidade, mas nunca sobre a partilha. Evidencia-se muito o ter em detrimento do ser. Prega-se muito para os pobres instigando-os a não serem mais pobres, mas nunca fazem o que este judeuzinho do livro do Levítico, que viveu lá nos antigamente, e que pregava para os ricos, fez: denunciar que os ricos não podiam continuar enriquecendo às custas da pobreza, e que os bens produzidos pela terra, assim como a própria terra são dádivas de Deus para todos, e não privilegio de alguns.

Muitos duvidam que estas leis tenham sido de fato praticadas e afirmam, baseados na história, que não passaram de intenções, mas ninguém contesta os seus efeitos avassaladores ou ousam negar ser esta uma solução definitiva. Mas o que seria este ano jubileu? Ele tem como base uma prática antiga do campo chamada barbecho, que nada mais é do que a recuperação de uma terra que perdeu a fertilidade e está a ponto de se tornar árida. A cada período uma parte do campo é preservada e nela não pode haver qualquer plantio ou colheita. Já seria de antemão um apelo ecológico no sentido de se respeitar as exigências mínimas da terra, mas seu foco é muito mais abrangente. O Ano Sabático ou Ano Jubileu antecipa a única oração ensinada e considerada como válida por Jesus Cristo, principalmente quando esta oração confunde santificar o Nome de Deus com pão nosso de cada dia; confunde vontade de Deus no céu com vontade de Deus na terra; coloca o perdão de pecados no mesmo patamar do perdão de dividas; tenta de todas as maneiras nos deixar de fora da tentação de rejeitar o senhorio de Deus como proprietário legal e exclusivo de todo o mundo, de todas as pessoas que nele habitam e das riquezas que este mundo produz e conclama à instauração imediata do Reino de Deus e da justiça que é inerente a ele.

O Ano Jubileu começa com o dia da expiação de pecados, ninguém pode entrar neste ano com as mãos sujas de sangue inocente. Começa pelo perdão que é anunciado pelo som do yobel, uma espécie de corneta feita com chifre, do qual se origina a palavra jubileu. Exige a devolução das terras aos seus herdeiros originais. O valor destas terras seria calculado com base no número de anos que ainda restavam para a celebração do Jubileu. Os escravos e servos seriam libertados, e todo o povo retomaria a sua dignidade e prestaria culto de ações de graças a Deus. Mas isto não é tão simples, implicaria em três fatores que deveriam ser rigorosamente observados. No seguimento desta meditação falaremos sobre eles, se Deus assim o permitir.

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Fugindo para Emaús (final)

Cristo em Emaús, Rembrandt
O que estou tentando dizer é que justamente quando estamos atravessando as estradas empoeiradas da nossa vida, quando estamos indo de um lugar comum para outro lugar comum, quando estamos fazendo as coisas mais simples do nosso cotidiano, que a vida vai nos apresentar as maiores questões das quais nós não podemos fugir. Questões sobre a estrada que estamos seguindo, sobre a comida que comemos, ela
nos faz mal ou bem? Questões sobre aquela pessoa estranha que cruzou o meu caminho. Questões sobre quem eu sou de verdade. Em outras palavras, é exatamente em tempos como esses que Jesus Cristo se dispõe a vir. Ele escolhe os dias em que a nossa vida é mais real, é mais crucial. Não quando estamos debaixo de uma luz celestial, ou sob o impacto de um movimento grandioso ou ainda quando atravessamos situações avassaladoras. Curiosamente ele quase nunca vem durante o transcurso de um milagre extraordinário ou de um sonho transformador como muitos pensam hoje em dia. Ele nos vem na hora do jantar ou quando andamos por uma estrada qualquer, e a prova definitiva do que estou afirmando é a forma consensual e repetitiva com que os evangelhos narram as suas aparições após a ressurreição.

Notem bem, Maria Madalena estava sentada na entrada do túmulo vazio e percebeu que uma pessoa estava atrás dela. Quem ela enxergou primeiramente? A figura de um jardineiro ou mesmo de um coveiro fazendo o seu trabalho diário. Depois, quando todos os discípulos, menos Tomé, estavam reunidos escondidos numa casa com as portas bem trancadas com medo das autoridades judaicas e dos romanos. Mais tarde, quando Tomé juntou-se a eles, Jesus veio em meio a uma discussão de posições e pontos de vista. Encontrou-se com Pedro após uma noite perdida de trabalho exaustivo, mas totalmente improdutiva. Depois, na praia, quando estavam reunidos em volta de uma fogueira comendo seus peixinhos assados na brasa. Temos também o nosso texto bíblico: dois homens que caminharam durante todo o dia, e famintos dividiam uma refeição comum com pão. Jesus não se aproximou deles nos grandes momentos das suas vidas, que com certeza houveram, mas quando as suas vidas se mostravam mais comuns e mais enfadonhas. Ele nunca se aproxima quando estamos no alto, mas sempre quando estamos no meio. No meio do povo, no meio das questões mais banais e corriqueiras que a vida nos reserva.

Os momentos que se tornam sagrados em nossa vida são sempre os momentos em que não esperamos algo novo ou acontecimentos espetaculares. São os momentos em que vimos as coisas que estamos acostumadas a ver com mais do que os nossos próprios olhos. São os momentos em que ouvimos as coisas que estamos acostumadas a ouvir com mais do que os nossos próprios ouvidos. São os momentos que revelam Jesus no rosto de um jardineiro, que revelam Jesus em uma pessoa que anda ao nosso lado sem que saibamos qualquer coisa a seu respeito. São momentos que revelam Jesus no simples gesto de partir de um pão ou em uma refeição igual a qualquer outra refeição. Os momentos se tornam sagrados quando ouvimos algo além do que o nosso ouvido alcança ou enxergamos coisas que somente os olhos da fé enxergam. Se não vivermos as nossas vidas como quem vive de umas férias até as outras, ou de uma fuga até a outra, mas como se cada momento fosse um breve intervalo entre um milagre precioso e outro milagre precioso, aí sim reconheceremos Jesus. Assim poderemos ouvir aquela voz imperceptível ao ouvido comum, talvez até pela primeira vez em nossa vida, dizendo: mesmo que você não mereça, mesmo que a sua vida pareça ser um sequências interminável de fatos comuns, mesmo que você não faça acontecer nada de extraordinário, eu tenho um propósito para a sua vida. Ainda que você tenha dívidas, ainda que você tenha medo, ainda que esteja desiludido e sem esperança, a sua vida é preciosa para mim. Apesar da sua indiferença, apesar do seu pecado, apesar da sua separação ou que se esconda em qualquer lugar, eu quero você de volta, eu aceito você como você é e como está.

Somente quando ouvimos essa voz é que passamos a crer que tudo na nossa vida tem sentido, sabem por quê? Porque passamos a crer que tudo está nas mãos de Deus. Porque passamos a crer que um dos nomes dele é perdão e o outro é amor. É exatamente por isso que eu acredito nessas histórias dos evangelhos que contam sobre Jesus vencendo a morte e voltando a vida. Jesus era o amor de Deus, ele esteve vivo no meio de nós e nem mesmo toda a nossa cegueira de seres humanos poderia prendê-lo na morte, porque nada neste mundo ou em qualquer outro mundo pode nos separar do amor de Deus. Dificilmente encontraremos algo em nossa vida que merece o aval de Deus. Mesmo os nossos melhores gestos de amor e amizade são sempre corrompidos por egoísmo e engano. Mas existe algo que podemos experimentar, algo que podemos vivenciar. Não é nada que fizemos ou que merecemos, mas algo que foi feito por nós sem que merecêssemos. Não a nossa vida, mas a vida daquele que morreu por nós, mas que voltou à vida. Essa é a nossa única esperança.

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Fugindo para Emaús

Ceia em Emaús, Michelangelo de Caravaggio (1571-1610)
Leia João 24,13-34
Na sexta ele morreu. Depois veio o sábado, que deveria ser o pior dia para aqueles que o seguiam. Mas não parece que foi assim. Pelo menos para alguns destes o pior dia foi o domingo, domingo que para os judeus era como a nossa segunda feira, e não vamos nos esquecer de que todos eles eram judeus. A vida votou ao normal, e a vida sempre volta ao normal na segunda feira, é claro. Diante deste fato, estas
mesmas pessoas entenderam que tanto a vida de Jesus como a sua morte não iriam fazer diferença alguma para o mundo e a sua história. Seria muito fácil crer que a vida de Jesus simplesmente não tinha mais qualquer importância. Ele teve momentos extraordinários; ele fez alegações estupendas; muita gente tinha confiado nele; muita gente tinha colocado as suas esperanças nele, mas agora ele estava morto. É bem certo que havia rumores sobre o túmulo vazio e as mulheres que voltaram de lá antes do sol nascer, vieram contando histórias extraordinárias, mas isso é coisa comum das mulheres. Elas sempre arrumam um jeito de fantasiar os acontecimentos. Bem, não fui eu que disse isso, não vou comprar essa briga, mas rumores são sempre rumores.

Pelo menos para dois dos seus seguidores não havia mais nada a fazer senão fugir de Jerusalém, e foi isso que eles fizeram. Mas para onde eles foram? Eles foram para um povoado chamado Emaús. Mas por que Emaús, onde ficava esta cidade que jamais tinha sido citada nos evangelhos? Logo se conclui que Emaús não era grande coisa, não significava nada, pois nem aparecia nos mapas. Ficava a dez quilômetros de Jerusalém, e esta era a distância mínima que todos devemos ter de uma situação insuportável. Saibam que não há qualquer de nós que não foi junto com eles para Emaús. São lugares diferentes, mas todos nós temos os nossos Emaús. Emaús pode ser uma ida ao cinema com o intuito de ficar sozinho. Emaús pode ser a ida uma festa apenas para passar o tempo. Pode ser a compra de um vestido, um terno ou um sapato. Comer mais do que devia ou ler um livro apenas por não ter o que fazer. Emaús pode ser também ir à igreja aos domingos. Emaús é qualquer coisa que fazemos ou qualquer lugar que vamos para tentar esquecer. Tentar esquecer que nada nesse mundo é eterno, e que até as pessoas mais importantes e influentes na nossa vida, os mais fortes, os mais bonitos e os mais inteligentes, declinam e morrem. Emaús é o lugar que vamos para nos esquecer de que até as ideias mais brilhantes que os serem humanos tiveram ao longo de sua história, sobre as coisas mais nobres que existem, como o amor, a liberdade e a justiça, tem sido distorcidas, quando não são totalmente negadas pelas pessoas egocêntricas e pelo egocentrismo generalizado.

Emaús é o lugar onde aqueles dois foram para tentarem esquecer o que aconteceu em Jerusalém, o que aconteceu com Jesus e o grande fracasso da vida dele que foi a crucificação, e essa não é uma história singular. Todas as narrativas de como Jesus se apresentou após a sua morte são histórias comuns, e o que se pode observar de mais notável sobre elas é como elas são corriqueiras, como são normais. Se fosse eu quem as tivesse escrito não seria desta maneira. Eu as escreveria de forma muito mais dramática, bem mais melancólica. Mas graças a Deus a Bíblia não é assim. O nosso texto Bíblico descreve apenas dois homens andando por uma estrada empoeirada, indo a um lugar insignificante, o que não é nada incomum. De repente um estranho chegou perto e começou a caminhar com eles. Os discípulos o viram, e, por razões que nunca saberemos, não o reconheceram. Mas é certo que não o reconheceram porque ainda não o tinham conhecido, ou pelo menos não o conheciam como ele realmente era. Eles o conheciam segundo o seu desejo de como queriam que ele fosse. Todos os discípulos o queriam um herói. Eles queriam um Messias que iria restabelecer a hegemonia de Israel, que para eles era a plenitude do Reino de Deus, no poder e na marra. Queriam um herói que daria respostas fáceis às questões mais difíceis da vida. Respostas sobre o amor e o perdão, sobre a bondade, sobre a dor e sobre a morte.

Jesus conseguiu se juntar a eles mesmo parecendo ser um estranho, e chegando a Emaús fez menção de que ia seguir adiante. Mas os dois insistiram para que ficasse e passasse aquela noite em Emaús. Jesus aceitou o convite e comeu com eles. Somente quando Jesus partiu o pão e lhes deu que ambos o reconheceram, mas Jesus desapareceu da frente deles. Interessante, porque desta vez os dois não puderam segurá-lo. Eles queriam o que todos nós queremos, segurá-lo, impedir que ele se vá, mas não dá mesmo. Jesus vem de repente, como quem vem de lugar nenhum, como o primeiro raio de sol após uma noite de tempestade ou mesmo como o raio que rasga a escuridão. Talvez nós o reconheçamos, talvez não, mas as nossas vidas nunca mais serão as mesmas.

O lugar onde ele nos encontra é normalmente um lugar parecido com Emaús: um lugar comum onde vivemos a maior parte de nossas vidas. O lugar aonde vamos para escapar, para tentar esquecer. Há muito tempo eu vou à murada da Urca para pescar, ou para fingir que estou pescando. Duvido muito que haja lugar melhor para se esquecer das coisas. A vista é maravilhosa, tanto a do mar, quanto a das moças que caminham por ali. Mas é o lugar para onde vou gritar de desespero que tudo está sem sentido, que nada presta e que nada importa. Mesmo assim, há muita coisa que mesmo no meu Emaús jamais posso fugir. Eu gostaria, mas não posso escapar dos meus problemas. Jamais vou me esquecer daquela oportunidade fantástica que perdi, ou da lembrança daquela pessoa que magoei, ou, menos ainda, fugir das minhas dúvidas. Encarando a vida que levamos, nunca vamos nos esquecer de como ela é triste e de que estamos nela caminhando pelas estradas empoeiradas de um lugar insignificante para outro mais insignificante ainda. A estrada da nossa vida, aonde ela vai nos levar? (continua)

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Bodas de Caná (final)

Bodas de Caná,  Julius Schnorr von Carolsfeld (1794-1872) 
Um segundo aspecto a considerar é a finalidade da água que estava guardada naqueles enormes potes. Era água para cerimônia de purificação, para uma limpeza exterior, para eliminação de qualquer tipo de contaminação. Uma água que separava os judeus dos não judeus, os puros dos impuros, os ungidos dos não ungidos. Estabeleciam desta forma o relacionamento com um Deus que exigia altíssimos graus de
pureza e infinita distância do profano.  Uma cerimônia que identificava de cara quem era realmente judeu de quem não era. Vocês hão de se lembrar de que certa vez Jesus foi advertido pelos fariseus porque os seus discípulos estavam comendo sem lavar as mãos, o que era o mínimo exigido para um judeu politicamente correto. E esta foi apenas uma das vezes que ele foi colocado em cheque. Diferentemente dos outras oportunidades em que travou um duelo teológico com seus adversários, nas bodas de Caná Jesus faz questão de mostrar as linhas mestras do seu ministério e antecipar a inversão de valores no relacionamento com Deus. Este era um passo tão radical que teve que ponderar se realmente aquela era a hora oportuna de levá-lo adiante. Sem querer ser herético, eu diria que ele teve um momento de hesitação quando foi de surpresa convocado por sua mãe para agir.

Ainda não chegou a minha hora. Por que Jesus disse isso depois que os céus se abriram confirmando ser ele o Filho amado de Deus? Como alguém pode imaginar-se fora de contexto depois que o maior profeta de seu tempo ratificara que a sua posição era superior a de qualquer dos profetas que o antecederam, e que nem mesmo ele, João, era digno de desatar as suas sandálias? Ouvindo isso, o que poderiam pensar aqueles que já haviam largado tudo para o seguirem? É bem possível que Jesus não estivesse se referindo ao sinal que iria realizar em seguida, mas à grandiosidade da obra de Deus, a qual a transformação da água em vinho era um singelo símbolo. Numa festa de casamento espera-se que sejam servidas bebidas variadas. Que a cerveja vai estar estupendamente, o vinho na temperatura correta, que tenha refrigerante diet etc. e tal. Contudo, é aqui que Jesus expõe mais um desafio. Tudo na cerimônia pode estar muito bom, mas não deverá ser sequer a imagem pálida daquilo para o qual o casamento está sendo realizado. Dali para frente as coisas mudam radicalmente tanto um para o outro, como muda também para cada convidado e para cada pessoa que cruzar o caminho de noivos.

Essa é a grande mágica de uma relação baseada no amor. Ela ultrapassa as barreiras domésticas, a relação marido e mulher e contamina tudo e todos à sua volta. O amor faz coisas que a química não explica, que a física não entende, que a matemática não calcula, pois ele faz com que a razão perca o seu juízo. O desafio de vocês, daqui para frente, é transformar tudo o que se toca em algo melhor do que a própria natureza e essência do qual as coisas foram criadas. É difícil não é? Mas não é impossível. Para vocês verem que é possível, eu vou terminar contando uma história verídica da qual eu mesmo sou testemunha. Muita gente poderia contar uma história semelhante, mas eu quero ter esse privilégio de contá-la aqui nesse blog. Havia uma mangueira na casa de uma senhora que dava frutos muito bons. E o comentário geral é que não havia mangas mais doces do que aquelas. E ela distribuía aquelas mangas entre os parentes e vizinhos com uma satisfação indescritível. Depois que aquela senhora se foi, todas as pessoas que haviam experimentado a manga comentavam que não entendiam porque elas já não tinham mais o mesmo sabor e o que havia acontecido com aquela mangueira. Até que um dos seus netos disse: Aquela doçura não vinha do tipo da manga, na qualidade do solo, nem na mangueira que as produzia. Aquela doçura estava nas mãos de quem trazia as mangas. Toda a doçura daquelas mangas estava nas mãos da vovó. Essa vovó era dona Alzira Duarte, que por mero acaso era também a minha mãe.

Esse é o verdadeiro propósito de um casamento cristão, que o casal melhore e se complete como pessoas, e transforme o mundo à sua volta. Que contribua efetivamente para que as coisas e as pessoas sejam melhores a cada dia. Esse é o desafio que está posto diante de todos nós: Vivermos com tanta intensidade essa relação, que a festa nunca termine. Que encontremos sempre no outro, uma alegria cada vez mais plena. Que consigamos sempre, mostrar o melhor de nós, e consigam também guardar durante o tempo que Deus nos permitir viver, o melhor vinho, não pelo preço ou pela safra, mas porque esse vinho foi transformado pelo poder do amor.

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Bodas de Caná

As bodas de Caná, Paolo Veronese
Houve um casamento no povoado de Caná, na região da Galileia, e a mãe de Jesus estava ali.  Jesus e os seus discípulos também tinham sido convidados para o casamento. Quando acabou o vinho, a mãe de Jesus lhe disse:
— O vinho acabou.
 Jesus respondeu:
— Não é preciso que a senhora diga o que eu devo fazer. Ainda não chegou a minha hora.
 Então ela disse aos empregados:
— Façam tudo o que ele mandar.
 Ali perto estavam seis potes de pedra; em cada um cabiam entre oitenta e cento e vinte litros de água. Os judeus usavam a água que guardavam nesses potes nas suas cerimônias de purificação.  Jesus disse aos empregados:
— Encham de água estes potes.
E eles os encheram até a boca.  Em seguida Jesus mandou:
— Agora tirem um pouco da água destes potes e levem ao dirigente da festa.
E eles levaram.  Então o dirigente da festa provou a água, e a água tinha virado vinho. Ele não sabia de onde tinha vindo aquele vinho, mas os empregados sabiam. Por isso ele chamou o noivo e disse:
— Todos costumam servir primeiro o vinho bom e, depois que os convidados já beberam muito, servem o vinho comum. Mas você guardou até agora o melhor vinho. João 2,1-10

Jesus foi convidado para o casamento. O vinho acabou. Maria disse: Façam tudo o que ele mandar. A água virou vinho. Você guardou para o final o melhor vinho. Esta é a síntese da história que acabamos de ler. E o final é um bom final, para qualquer festa de casamento, claro que é! Um sinal tão positivo que foi bom para os noivos, assim como foi bom também para convidados. Um sinal que mostra de um lado preocupação, atenção e cuidado por parte daquele que oferece, e do outro a satisfação plena de quem está recebendo. O caminho que nos leva à interação com as outras pessoas é sempre indicado por esses pequenos sinais nessa relação infinita de troca.

No entanto, o primeiro sinal importante para um casamento feliz e duradouro deve ser o exemplo dado pelo casal do texto lido, convidar Jesus e seus discípulos para o casamento. Jesus aqui está representado pela cerimônia de um casamento cristão, onde pela fé entendemos que ele está presente, não na figura do pastor, que é tão somente mais uma testemunha, mas nessa aliança, nesse acordo de amor que os noivos celebram nesse momento. Se existe uma definição clara de Deus na Bíblia, é aquela que diz que Deus é amor, e uma recíproca totalmente plausível e verdadeira é: onde há amor, há Deus. Por outro lado, aqueles que aceitam o senhorio desse Deus sobre as suas vidas, devem ser identificados por esse mesmo amor. A presença desse conjunto, Jesus e seus discípulos, é um sinal claro de que o casamento de já começa abençoado.

Mas ao mesmo tempo em que essas presenças trazem a bênção, trazem também consigo enormes desafios, não só para o momento da cerimônia em si, mas para todos os momentos e circunstâncias que se seguirão a ela. O sermão na cerimônia de casamento serve para isso, não é para falar da beleza da noiva, muito menos da elegância do noivo. A função do pastor é alertar que o casamento será uma jornada dura e de constantes desafios. Assim como aconteceu no texto, haverá uma hora em que o vinho irá acabar. Surgirão momentos em que o inesperado trará surpresas nada agradáveis. É justamente nessa hora que o amor será provado. É nessa hora que vamos ter que nos lembrar de que convidamos Jesus para o casamento, e nos lembrarmos também do que disse a Virgem Maria, sua mãe: Façam tudo que ele vos mandar. Nessa hora devemos nos esquecer de quem é o direito e de quem tem razão. Esquecermos quem é o certo e quem é o errado. Esquecermos-nos de quem foi o culpado do vinho acabar. Ouçam e façam o que Jesus diz, porque a sua palavra vem revestida de um poder muito maior do que todos os nossos conceitos de justiça. Ela encerra uma lei que está acima de toda razão e além de todo direito legal. Ela traz a lei do amor. Esse amor que muda as relações e que transpõe dificuldades. Que dá sabor ao que não tem gosto, e apimenta o que não tem tempero. O único poder que pode transformar a água, que aqui representa a monotonia e o enfado, em um vinho de um sabor que jamais fora experimentado anteriormente. O amor que faz com que a alegria perdure por toda a vida, ou seja, faz a festa continuar. Quando o vinho acabar, lembremo-nos do que Jesus disse. Coloquemos em primeiro lugar o amor, em primeiro lugar amem, depois então façamos o que for preciso ser feito, sem dar muita conta para o que é possível ser feito, e é aí que vamos ver o milagre vai acontecer nas nossas vidas. (continua)

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Pentecostes, o que foi e o que é III

Viagem de Moisés ao Egito, Pietro Perugino (1450-1523)
Antes da indesculpável interrupção falávamos das circunstâncias narradas em Atos 1 que nos dão conta do que aconteceu no Pentecostes.  Falávamos também da diversidade de credos e nacionalidades e da escolha de Deus em relação à escolha dos homens.
Mas depois disso o texto penetrou no que de mais intrincado houve neste contexto: Vossos filhos e filhas profetizarão. A Palavra huiós, que significa filho, era utilizada especificamente para identificar o filho homem mais velho, que seria o primogênito ou o herdeiro maior. No português nós não temos esta diferença, mas no inglês seria algo como son e children. Como se alguém dissesse: este é o meu filho, referindo-se ao mais velho, e estas são as minhas crianças, tratando deste modo os mais novos. Mas o Espírito de Deus não dá a menor importância para o grego, para o português e muito menos para o inglês. Deus derrama seu Espírito sobre todos os filhos, sejam eles de que sexo forem, indiferentemente da ordem em que tenham nascidos. Num tempo onde a esposa era sequer contada e filhas não passavam de moeda de troca, Deus vem dizer que derrama o seu Espírito sobre elas com intensidade igual, sem distinção e sem dar destaque ao fato. Para muita gente hoje esta escolha ainda é no mínimo estranha. Deus no Pentecostes não faz com que a mulher passe a ser aceita através de um decreto, de uma cerimônia na ONU, e nem cria um dia mundial em sua homenagem, como se isso fosse uma conquista da mulher depois de anos de batalha. Ele a aceita naturalmente, sem qualquer cerimônia inusitada, sem discurso ou explicação. Para Deus a mulher foi criada para ser e não para se tornar, ou para vir a ser. O Pentecostes faz isso sem mostrar espanto nem perplexidade. Quem lê um texto desse e acha um absurdo ser pastoreado por uma mulher, não entendeu nada do que o Pentecostes quis anunciar.

O texto diz também que os mais jovens terão visões. Aqui a criança passa a ser definitivamente incluída em qualquer processo em que o Espírito de Deus esteja no comando. A criança não faz parte, como costumamos dizer. Ela é naturalmente parte do processo. O Pentecostes não veio para valorizar criança alguma, para resgatar a sua importância e sim para dizer que o seu valor é inegável, indiscutível e intransferível. As professoras de Escola Dominical podem confirmar. Quando deixamos as crianças se pronunciarem na sua linguagem bíblica, quando as deixamos profetizarem, nós ouvimos e aprendemos cada coisa! Às vezes chegamos numa classe de crianças prontos e convictos de que vamos tosquiar as ovelhinhas. Vamos dar uma aula. Prontos para dar um sermão sobre a vida e sobre as maravilhas de Deus, e saímos de lá tosquiados, com uma única certeza: a de que temos muito ainda a aprender.

Uma menina de uns cinco anos estava fazendo um desenho. A mãe lhe perguntou: O que você está desenhando, minha filha? Deus. Disse a menina. Como você pode desenhar Deus se ninguém o viu, ninguém sabe como ele é? A menina segura de si concluiu: Daqui a cinco minutos vocês saberão. Que convicção tremenda! É aqui que eu pergunto: Quem somos nós para desafiar tão profundo conhecimento? Quem de nós tem a coragem de duvidar que o desenho daquela menina não fosse a expressão mais real do próprio Deus? Quem melhor para delinear a face de Deus do que eles que possuem o Reino do Céu? A segunda vez que eu vi Jesus bravo além das chicotadas que deu no templo foi quando mexeram com as suas crianças. Ah, ele ficou muito bravo e chegou a fazer ameaças seriíssimas: Se alguém fizer tropeçar um destes pequeninos que creem em mim, é melhor pegar uma pedra pesada, amarrá-la ao pescoço e atirar-se no fundo do mar. Isso aqui é muito sério. Depois do Pentecostes a criança não pode mais ser tratada com estrupício, como fazem muitos, ou como aborrecentes, como fala a maioria. Não podem mais ser subestimadas como antes. John Wesley dizia que Deus começa a sua obra no mundo pelas crianças.  

O Pentecostes que já colocado no mesmo barco nacionalidades, credos, mulheres e crianças passa a se dirigir agora aos mais velhos. Os vossos velhos sonharão. Aqui não tem nenhum convite, tem uma determinação. Não sei se vocês concordam, mas um dos primeiros sinais claros da velhice é quando a pessoa deixa de fazer planos, deixa de sonhar. O curioso é que Pentecostes não veio para fazer cumprir o mandamento de honrar pai e mãe. Eu tenho um amigo que diz que quem recebe o título de venerável, emérito, está recebendo uma homenagem póstuma em vida. Honrar pai e mãe dá a ideia de enclausuramento, de mumificação. Vamos aceitar o que ele diz, afinal de contas, ele é velho. Esta é a mais diabólica interpretação deste mandamento. Deus não pediu nada disso, e o Pentecostes vem para corrigir definitivamente este erro de interpretação. Ele vem inverter a ordem: a partir de agora, sonhar é coisa de velho. Não quis dizer que a criança e o jovem não possam sonhar também, mas para o idoso, sonhar é obrigação. Na minha igreja tem uma pastora de quase noventa anos, e não há um domingo sequer que, nas conversas antes do culto, ela não me conte um novo sonho.

Sonhar, mas não é sonhar barato não, e sonhar com o impossível, assim como Moisés que aos oitenta anos, viu seu povo escravizado pela maior potência da época e sonhou com a sua libertação. A Bíblia diz que Moisés saiu do palácio de Faraó e viu a dor do povo. Eu nuca estive lá, mas acredito que o Egito, principalmente o Egito daquela época, tinha coisa mais interessante para se ver do que a dor de um povo escravo. Se ver a dor já é difícil, sonhar com a liberdade então, nem pensar, mas Moisés sonhou com o impossível e já tinha mais de oitenta anos. No projeto do mundo novo de Deus, do novo céu e de uma nova terra, o idoso sonha, a criança descreve, a mulher aperfeiçoa e os homens colocam a mão na massa.

É inegável que estamos felizes porque a igreja nasceu a partir do Pentecostes. Claro que devemos nos alegrar porque abraçamos uma fé que teve a sua origem na transformação que começou nas pessoas. Mas não podemos reduzir o Pentecostes apenas a este aspecto. O Pentecostes é um derramamento sem limites, é uma escolha sem restrições. É uma eleição sem rejeição. Quem quiser falar em outras línguas, que fale. Quem quiser apenas ouvir a linguagem inteligível, que ouça. Desde que ambos respeitem o espaço de cada um. Mas reduzir o Pentecostes a meras atitudes, querer culpá-lo pelo sectarismo, associá-lo a grupos fechados e reuniões secretas, é jogar no ralo tudo o que Deus planejou desde a fundação dos séculos. Se continuarmos assim aí nós vamos realmente fazer com que o sol escureça e que a lua chore sangue. Nesta festa que celebramos é hora de anunciar ao mundo, aos povos do norte e do sul, aos do leste e os do oeste. Às mulheres, às crianças, aos idosos, e aos mais humildes que eles foram aceitos. Vocês são aceitos, nós somos aceitos. Embora não merecêssemos ser aceitos, mas fomos aceitos. Não por ser o que somos, cristãos, muçulmanos, espíritas etc. Não por qualquer coisa que tenhamos feito, mas pelo que, aquele que na cruz foi rejeitado, fez. É esta ideia da aceitação na rejeição, da aceitação que supera qualquer barreira de sexo, idade, raça posição social, esse derramamento sem medida que o Pentecostes veio anunciar. Pois somente quem já sentiu o gosto amargo da rejeição, pode ter a dimensão exata e dar o devido valor a aceitação irrestrita que o Pentecostes veio inaugurar.

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Movido pela compaixão

A ressurreição do filho da viúva de Naim, Pierre Bouilonn (1776-1831)
Vendo-a, o Senhor se compadeceu dela e lhe disse: Não chores! Lc 7,13
Leia Lc 7, 11-17

A versão Revista e Corrigida da Bíblia da Sociedade Bíblia do Brasil traduz o versículo citado assim: E, vendo-a, o Senhor moveu-se de íntima compaixão por ela e disse-lhe: Não chores. Diferentemente de nós
que poeticamente consideramos que o coração é o órgão responsável pelos sentimentos, os orientais dizem ser a região do abdômen o lugar onde o corpo humano responsável por expressá-los. Este texto afirma literalmente isso, pois mover-se de íntima compaixão não é nada além do que ter as entranhas reviradas. Na realidade estas pessoas que vivem do outro lado do mundo podem não se deixar levar pela mesma conotação poética que nós somos tomados nessas horas, mas com certeza, a forma deles sentir é menos suspeita, mais espontânea e muito menos disfarçável. Para nós a expressão de um sentimento de dor se faz simplesmente com a cabeça baixa e olhos ligeiramente mareados. A blogueira Vivi escreveu no seu blog http://vikarol.blogspot.com.br/2010/05/olhos-mareados.html algo que reitera plenamente essa ideia: Quando alguém precisa da gente, nem sempre pede ou nem sempre sabe exatamente que está precisando. Cabe a nós, que parcialmente estamos de fora da situação problemática, perceber, se compadecer com aquela dor e, sem sofrer no lugar, oferecer o apoio. E o apoio não deve ser de acordo com o que você acha que é o correto, e sim deve vir na medida em que o outro precisa e demonstra necessitar. Se apoiar é ficar distante ou em silêncio, que seja. Se o apoio é um simples abraço e um cineminha pra descontrair, diga amém

É assim que a sociedade em que vivemos nos ensinou a sentir e a se comportar diante da dor alheia: sem sofrer no lugar e apoiar na medida exata do que se acha correto, o que é bem menos do que na medida do possível, que é o que sempre verbalmente nos propomos. Ou seja, estamos diante de duas formas distintas de compaixão: a dos orientais, demonstrada por Jesus, e a dos ocidentais que estamos acostumados. Não imaginem vocês que eu tenho a ilusão de que todos na cidade de Naim estavam movidos pelo mesmo sentimento de Jesus ou de parte multidão que acompanhava o cortejo. Na certa muito dos que viram o corpo do jovem passar e mesmo alguns dos que o seguiam para fora da cidade até o local de sepultamento, ficaram tristes, mareados, mas suas entranhas não se revolveram em sinal de dor e de compaixão.

Confesso publicamente que uma das minhas maiores falhas como pastor foi não ter acompanhado o sepultamento de Wellington Menezes, aquele rapaz que assassinou brutalmente doze crianças na tragédia que ficou conhecida mundialmente como o Massacre de Realengo. Quando vi pela televisão aquele caixão totalmente abandonado no pátio do cemitério, todo o meu propósito de servir a Cristo e à causa do evangelho se desmoronaram totalmente bem ali na minha frente. Embora o sentimento coletivo fosse de indignação e aversão à atitude insana e injustificável daquele jovem, é nosso dever compreender que ali estava uma alma pela qual Jesus também morreu. Goethe dizia: Eu não vejo pecado algum nos outros que eu mesmo não tivesse cometido. Minha intenção era ir ao sepultamento sem identificar a igreja na qual congrego. Jamais ia querer ver a comunidade ser envolvida na minha atitude pessoal, para a qual teria muito pouco ou quase nada a explicar à opinião pública, mas eu como pastor deveria ter superado esta hesitação e assistido àquele funeral.

O que aconteceu comigo foi um caso de compaixão remota, aquela que normalmente aflora depois do fato ser consumado, depois de nada mais poder ser feito. Assim é a grande maioria das demonstrações de compaixão no mundo ocidental. Elas são de fato compaixões intelectuais, pois neste caso é o cérebro, e não coração, que fala mais alto. Se Jesus tivesse parado para refletir na dor daquela mãe; se tivesse dado um tempo para ponderar sobre os efeitos trágicos que a morte do jovem de Naim traria para aquela comunidade; se ele tivesse tentado digerir o clima catastrófico daquele acontecimento; Jesus teria dado uma prova irrefutável de solidariedade e de consentimento, de sentir junto, mas o caixão teria passado e o jovem continuaria morto. As entranhas se reviraram antes mesmo que o coração pudesse sentir, e ainda antes que o cérebro pudesse processar aquela informação, por causa disso a vida voltou àquele corpo. Por causa disso o pranto de converteu em riso. Por causa disso o desespero se tornou esperança.

Ao dizer para a viúva “não chores”, Jesus estava lhe pedindo mais do que o impossível. Como dizer para uma mãe não chorar a morte de seu filho único? Contudo, Jesus não o fez por mero consolo ou por não ter o que dizer. Ele estava dizendo não chores porque a compaixão que nos revira por dentro é a única inteiramente capaz de gerar a vida e de vencer a morte.

Nota: Este é o texto sugerido pelo Calendário Litúrgico de hoje, e como este era um arrependimento que há muito eu queria deixar público, interrompi a meditação sobre o Pentecostes, que continuará em seguida. Por isso peço que me desculpem.

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Pentecostes, o que foi e o que é II

O pentecostes, gravura de 1200 dC
Meditação sobre Atos 1 e 2
A segunda referência que o texto nos dá, é que no Pentecostes participaram pessoas de nacionalidades diversas. Notem que o autor começa a falar de judeus e de homens piedosos oriundos de vários países: da Média, da Capadócia, da Frigia, da Panfília e de tanto lugar de nome esquisito que nem sei. Mas ele fala que além de judeus, tinha também prosélitos. Sabem o que é isso? Pessoas que assumiram a religião judaica sem serem judeus nativos. Não confundir com simpatizantes, que eram pessoas que frequentavam as sinagogas sem serem
judias, estes aí são mais parecidos com os homens piedosos. Mas o texto dá uma escapada e fala também em cretenses e árabes, sem aludirem que estes fossem judeus. Pela sequência em que foram citados estes povos do Mediterrâneo, observou-se que Lucas seguiu a orientação leste-oeste, norte-sul. O curioso é que esta orientação segue à risca um antigo calendário astrológico, que era muito conhecido na época. Neste calendário os povos eram sinalizados por símbolos e constelações do zodíaco. Vamos deixar claro que Lucas não adotou o calendário por superstição, mas por ser a forma comumente usada para descrever o mapa do mundo habitado de então, como ele diz neste seu livro: todas as nações debaixo do céu. Ele estava narrando esta cena desta maneira bastante tempo depois dela ter ocorrido, na tentativa de ser compreendido por um número grande de pessoas, e convém dizer que estas pessoas não tinham a preocupação que a referência a este mapa viesse a tornar aquela experiência em algo supersticioso, o que certamente o faríamos hoje.

Já de saída há no Pentecostes uma negação ao mistério comum aos grupos fechados, às cerimônias secretas e às iniciações ocultas, foi tudo às claras para quem quisesse ver. Foi exatamente o contrário disso, aqueles que estavam ocultos se expuseram. A reunião que estava entre quatro paredes saiu para ganhar o mundo, porque o que aconteceu ali não foi o gotejamento homeopático, foi sim o derramamento do Espírito Santo. O transcendente, o intocável, o extraordinário, o invisível Espírito de Deus desce e vem ao encontro do imanente, do palpável, do comum, do humano, do homem, da mulher, da humanidade. E no que esse encontro resulta? Resulta no transparente, no acessível, na vontade de estar junto, de sair da clausura, de se comunicar, de dialogar. Resulta no entendimento e na aceitação entre todos os povos, raças e credos. Todos aqueles que ali estavam, ouviram e entenderam em suas próprias línguas as maravilhas de Deus. Resumindo, é a contrapartida do desastre que foi a Torre de Babel, quando cada homem se tornou um mistério incompreensível para o seu semelhante. Quando qualquer possibilidade de diálogo e de aceitação do outro se tornou impossível. É certo que ali o Pentecostes deixou de ser uma festa judaica, mas é certo também que não mostrou pretensão alguma de se tornar uma festa cristã. Ele passou a ser uma festa de todos os povos de norte a sul, de leste a oeste. Eu duvido muito que a utilização do calendário astrológico não fosse um anúncio proposital e antecipado do ecumenismo. Uma festa para todas as gentes e todos os credos, sem que nenhum credo em especial tivesse liderança sobre os outros, mas exclusiva do Espírito de Deus, de Alah ou como costumamos chamar essa consciência superior. Assim, como foi no dia de Pentecostes, essa consciência continua soprando onde quer, sem dar satisfação a quem quer que seja.  Como bem disse Jesus a Nicodemos: podemos ouvir a sua voz, mas jamais saberemos de onde vem nem para onde ele vai.

Uma terceira e última conclusão. Vocês se lembram do que aconteceu um pouquinho antes do Pentecostes? A eleição de Matias para suprir o lugar deixado por Judas. Ou seja, ali eles escolheram um e rejeitaram o outro. Escolheram Matias, o dom de Deus, e rejeitaram Barsabás, o filho do shabá, o filho do sábado. Eu sempre tive vontade de fazer um sermão sobre este cara que perdeu a eleição, que no final das contas não perdeu nada, pois o que foi escolhido nunca mais foi citado, e o nome dele nunca mais lembrado. A escolha que os homens fizeram do décimo segundo apóstolo foi um completo fiasco. Escolheram um bonzinho, um cara certinho, que estava com eles desde o começo. Logicamente que o Matias reunia todos os requisitos necessários. Era justo, fiel, compactuava dos mesmos ideais, estava lá na luta com eles. Na contramão desta escolha, quem é o apóstolo que Deus vai escolher? Um sujeito que não andava com eles, não rezava na cartilha deles, sequer tinha conhecido Jesus. Era assassino, perseguidor da igreja e inimigo dos cristãos. Mas mesmo assim, diferentemente do que se pode pensar, Deus não escolheu Paulo porque ele era Paulo, aliás, nem Paulo era, seu nome era Saul ou Saulo. Pelo contrário, a escolha de Deus é quem fez Paulo ser o que ele foi. A Bíblia não trás a história de grandes homens e mulheres, e sim de homens e mulheres comuns que foram grandemente usados por Deus. As escolhas que o Espírito de Deus faz são completamente diferentes das nossas escolhas. Ele escolhe o fraco, pra confundir o forte. Escolhe o louco para envergonhar o sábio. E escolhe o vil e o desprezado e o que não é, para reduzir a nada o que é.

Justamente por conta disso que Deus no Pentecostes fez escolhas até então impensadas: derramarei o meu Espírito sobre toda a carne. Sarkis é uma palavra grega que significa carne, mas neste caso quer dizer corpo humano. Derramarei o meu Espírito sobre todo mundo, sobre toda carne, sobre todas as pessoas. Não vou escolher em quem, vou derramar geral, como diria a Bíblia na linguagem pós-moderna dos jovens. E derramar é especialidade da graça. Para mim a melhor representação da graça de Deus, é a imagem daquelas mãos que tentam pegar a água que corre de uma fonte. A água enche as mãos com abundância sem fim. Mas transborda como se nada pudesse detê-la. Aquela prostituta que lava os pés de Jesus. Quando duas gotas bastavam, ela derrama aquele perfume caro. Essa é a economia da graça que o Pentecostes vem exaltar, quando muito pouco seria suficiente, Deus derrama. É exatamente isso o Pentecostes, o derramamento do Espírito.

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Pentecostes, o que foi e o que é

O Pentecostes de Giotto
Leia Atos 1 e 2 (é extenso mas vale a pena)
O que era o Pentecostes judeu?  
Festa da colheita. Ex 23.14 -17
Festa dos pães ázimos.
Festa da população masculina.
Presume-se que já houvesse uma festa antes da Páscoa.
Festa da renovação da aliança. 
Cinquenta dias após a Páscoa.
Divisão entre os piedosos e os que não estão nem aí.
Um bom motivo para ir ao Templo.

No que se tornou o Pentecostes cristão?        
O início do cristianismo.
A inauguração da igreja.
A divisão entre judaísmo e cristianismo.
A divisão entre os batizados com água e os batizados no Espírito Santo.
A seção entre o tradicional, o renovado e os subsequentes.
Aquilo que determina o que é racional e emocional.
Entre nós e eles.
Um bom motivo para ir à igreja.

Se o Pentecostes é isso, não temos motivo algum para comemorar. Parece-me mais o começo do fim, a inauguração do cisma e das inúmeras denominações que encontramos no Cristianismo de hoje. O que foi de fato aquele dia que ficou conhecido como Dia de Pentecostes? Eu estou entrando num buraco que não tenho certeza se vou conseguir sair dele. Mas convido a vocês a irmos em frente, a tentar sair do buraco que os nossos antepassados recentes na fé nos meteram.

O texto de Atos 1 diz que os doze estavam reunidos no mesmo lugar. Pelas circunstâncias em que se encontravam podemos dizer que eles estavam escondidos no mesmo lugar. Então, como que do nada surgem fenômenos indescritíveis, para o qual eles não tinham palavras, os quais, na sua tosca maneira de interpretar, foram confundidos simplesmente com o som de um vendaval que os doze estavam ouvindo. Depois disso, línguas parecidas com labaredas de fogo desceram sobre eles, e aí os doze ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, o que equivale a dizer que cada um passou a falar um idioma diferente. Segundo os acontecimentos seguintes devemos concluir que os doze saíram do lugar em que se encontravam, e se misturaram com a multidão de “homens piedosos de todas as nações debaixo do céu”. Lucas, então, refere-se a uma voz, chamando-a de “aquela voz”, que, embora não houvesse sido citada até então, todos os presentes ouviram. Exatamente neste ponto reside uma questão que divide os teólogos há muito tempo. Enquanto uns enfatizam o falar, e falar em outras línguas, justificando o carisma da glossolalia, outros já enfatizam o milagre de ouvir e entender, um dom que atingiu a todos permitindo que ouvissem o que os doze diziam, mas cada um entendendo em sua própria língua. O milagre que seria conhecido hoje como tradução simultânea. Para o bem da verdade o texto não prioriza nenhuma das duas hipóteses, parece que concorda com ambas. Já estamos no buraco, agora vamos nos meter nessa briga de cachorro grande.

Apesar de tudo, o texto deixa claro que aconteceu algo tão extraordinário que fez com que aqueles que estavam covardemente escondidos fossem para as ruas falar aberta e corajosamente um discurso considerado pelo judeus uma blasfêmia passiva de apedrejamento, e pelos romanos uma subversão passiva de crucificação. Esta é a primeira transformação que o Pentecostes processa: transformar covardes em corajosos, acuados em destemidos. Pessoas que com medo dos judeus e dos romanos sequer mencionavam que haviam estado com Jesus, agora estavam pregando a sua palavra, falando a todos sobre as maravilhas de Deus. Há uma transformação aqui na forma e no conteúdo. Na forma de agirem e no conteúdo de suas mensagens. Mas não foi só isso. O texto diz que as mudanças puderam ser notadas não somente nos doze reclusos sobre os quais desceram as línguas de fogo, mas também sobre toda a multidão que os ouvia. Não foram somente aqueles doze que estavam secretamente reunidos que foram transformados pelo Pentecostes, mas sobre todos os presentes independentemente da sua origem e credo. Lucas não fala apenas de judeus, mas se refere também à presença de homens piedosos de todas as nações debaixo do céu Então, para começo de conversa vamos tirar da cabeça esta ideia de que o Pentecostes vem ratificar a existência de grupos fechados, de comunidades de eleitos e de privilegiados pelo Espírito de Deus.

O que aconteceu ali não é propriamente o que podemos chamar de inauguração da igreja, e muito menos início do cristianismo. Aliás, esta nomenclatura de cristão tornou-se conhecida através de uma fonte no mínimo tendenciosa. Lucas tinha fortes tendências contrárias ao judaísmo. Observem que no livro de Atos, quem coloca empecilhos ao progresso da fé cristã são sempre os judeus, e nunca os romanos: Pedro estava pregando, e foi preso pelos judeus. Paulo estava ensinado, e foi expulso das sinagogas pelos judeus. Até o martírio de ambos realizado pelos romanos, foi considerado um erro do sistema legal romano, mas a culpa deste erro foi exclusiva dos judeus. Vamos devagar com este nome de cristão. Eu penso que Cristo jamais aceitaria ser chamado de cristão. Vamos devagar com este orgulho separatista. O que se celebra no Pentecostes é uma nova maneira do Espírito de Deus se comunicar, e esta maneira extrapola grupos, fica distante dos lugares fechados e de forma alguma fomenta a formação de comunidades seletivas. Está certo que a igreja nasceu a partir deste acontecimento, mas não propriamente no Dia de Pentecostes. Neste dia todos estavam tão extasiados que ninguém pesou em formar igreja alguma.

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Julgando o julgamento IV

Perícope da adúltera, Rembrandt
Mas se concluirmos que os critérios do julgamento de Jesus não levaram em conta a religiosidade das pessoas, não podemos pensar o mesmo quanto ao que ele pregou denunciou e concretamente agiu para que todos sejam vigilantes e nunca deixem de observar a
necessidade do próximo, prestando assim uma assistência social mais justa aos pobres e miseráveis do seu tempo. Desde o seu sermão inaugural na sinagoga de Nazaré da Galileia, quando disse que na sua pessoa havia se cumprido uma das mais incisivas profecias de Isaías sobre a chegada do Messias, e por esta ousadia foi expulso da sua cidade natal e quase morto pelos que o viram crescer, Jesus deixou claro a vocação do seu ministério tem como partida a assistência aos menos afortunados: O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor. Is 61,1-2 e Lc 4,18-19

Em uma situação bastante semelhante, esta então que causou, e ainda causa, interpretações absurdas, teve o seu ministério questionado por Judas pelo simples fato de aceitar passivamente o desperdício de um perfume caro e raro com o qual Maria, irmã de Lázaro, o estava ungindo. Pela unção esta Maria foi confundida com a prostituta louca que do mesmo modo ungiu Jesus na casa de um fariseu. Mas o absurdo maior vem da interpretação mais reacionária que se pode fazer da Bíblia: a que diz que no texto de João 12,8, onde Jesus diz que “os pobres sempre terei convosco”, ele estaria justificando a existência de pobres na sociedade. Embora não concorde com o julgamento de João sobre Judas chamando-o de ladrão, por ele ter externado a opinião sempre consensual de que o perfume deveria ser vendido e o dinheiro dado aos pobres, não posso de forma alguma aceitar que Jesus tenha dito estas palavras com o propósito de justificar a diferença injusta de classes sociais. Jesus estava se referindo ao momento único da sua estada entre nós humanos e mais uma vez anunciando o seu breve fim. Já a Teologia da Libertação faz uma releitura diametralmente oposta quando lê o texto desta forma: os pobres sempre tereis ao vosso lado. Uma interpretação que diz que os discípulos de Jesus serão identificados pela sua atuação em favor dos necessitados.

A despeito de toda a controvérsia que o tema que sempre causou nas diferentes visões do Cristianismo, temos que ter como meta final e até como fechamento da questão, quando Jesus proferirá a sentença sobre aqueles que serão chamados de benditos e os que serão marcados como malditos de seu Pai no dia do Grande Julgamento, Dia do Juízo Final ou Dia do Senhor como preferirem. Notem que no texto de Mateus 25 as ovelhas se surpreendem por terem sido escolhidas para ficarem ao seu lado direito, em uma nítida cena de espanto e alegria: Quando foi, Senhor, que te vimos desta maneira: pobre, com fome, sedento, nu, doente ou encarcerado? E Jesus novamente refaz o discurso inicial do seu ministério: quando fizeste a um destes meus pequeninos, a mim o fizeste. Menor, porém, não foi o espanto dos bodes velhos quando foram condenados a ficar a esquerda, ou seja, condenados pela falta de amor para com os pobres. Notem também que estes já haviam anteriormente exposto uma extensa lista de serviços prestados ao evangelho e ao nome de Jesus: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres?

E com temor que precisamos guardar na consciência de que nenhuma destas grandes virtudes, tão relevantes em nosso tempo, será levada em conta naquele dia. Nem a profecia, nem os sinais e prodígios, muito menos os exorcismos. Tudo isso nos faz ter a certeza de que julgamento dos discípulos de Jesus sobre a sociedade, no que diz respeito à prática da justiça, ao atendimento ao carente e à obediência às leis primárias de Deus, não são apenas sugestões para uma vida aceitável. Elas se tornaram um imperioso mandamento. Quando assistimos pacificamente estas transgressões estamos pecando por omissão. Quando não nos iramos contra essas realidades, estamos sendo descuidados quanto ao que nos foi ensinado pela Palavra de Deus. Quando não julgamos e condenamos sumariamente as pessoas e instituições que visivelmente agem contra estes preceitos básicos da fé cristã, nos colocamos ao lado dos bodes velhos e chamamos sobre nós a maldição que é ficar de fora do Reino.

Não julgueis para que não sejais julgados é mais um medida preventiva quanto ao rigor do nosso julgamento do que propriamente uma imposição à faculdade de julgar, pois na exata medida com que medirmos, seremos igualmente medidos. Não há nestas palavras uma condenação explícita ao ato de julgar atitudes e intenções, há sim o estabelecimento dos parâmetros para que este julgamento seja realizado com propriedade, com inteireza de caráter e com a convicção daquele que se coloca ao lado de Jesus e contra todas as forças que escravizam o homem. O mundo está aí para ser salvo por Deus por meio da pregação do evangelho, e como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação?

É bem provável que eu já tenha feito esta citação anteriormente em outra postagem, mas não importa. Importa sim que ela é pertinente aqui. Certa vez um grupo de cristãos honestos e sinceros resolveram fazer vigilhas constantes para em oração pedir a Deus que enviasse socorro para os males crescentes do mundo, e resolveram entre eles que não parariam enquanto Deus não respondesse positivamente às suas orações. Não é que para espanto de todos a resposta veio logo na primeira vigilha? Deus simplesmente respondeu: Eu já enviei ajuda. Enviei vocês.

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